TRF5 2008.83.00.012464-2 200883000124642
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. INOCORRÊNCIA. INTERESSE DE AGIR DO IBAMA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A POLUIR. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS COLETIVOS. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. NULIDADE DE
SENTENÇA INEXISTENTE. COMPROVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO DOS IMÓVEIS EM DATA POSTERIOR À CITAÇÃO NA PRESENTE AÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. EXIGIBILIDADE DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO AMBIENTAL RURAL. INEXISTÊNCIA DE LICENÇA PARA EXPLORAR
ATIVIDADE AGRÍCOLA.
1. Trata-se de Remessa Oficial e apelações interpostas pela Usina Bulhões e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais- IBAMA, em face de sentença prolatada pelo Juízo da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que
julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a: a) recuperar as Áreas de Preservação Permanente dos Engenhos Pixaó, Curupaity, Camaçary e Araújo, irregularmente ocupadas com plantios de cana-de-açúcar; b) averbar no registro competente e
preservar as áreas de reserva legal pertinentes aos mencionados engenhos; c) pagar o valor correspondente ao enriquecimento que obteve por utilizar em benefício próprio área que deveria ser preservada, assim como indenização pelo dano moral coletivo, a
serem alvo de posterior liquidação por artigos e por arbitramento, à míngua de elementos suficientes para a fixação imediata.
2. Considera-se inepta a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir; a narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente impossível ou contiver pedidos incompatíveis entre si. No caso concreto, não se
tornou possível a exata determinação dos danos causados, porque a parte ré não cumpriu o seu dever legal de identificar e submeter à CPRH as localizações e dimensões das APP's e Reservas Legais, adequando-se às exceções permitidas para a formulação de
pedidos genéricos. Não há, portanto, vícios na petição inicial capaz de ensejar a sua inépcia.
3. "Embora caiba ao IBAMA, no exercício do poder de polícia que lhe é conferido pela Lei nº 9.605/98, aplicar, respeitado o devido processo legal, as penalidades previstas em lei diretamente, no exercício de auto-executoriedade das decisões
administrativas, este atributo não pode ser interpretado de forma a excluir do IBAMA a possibilidade de acionar o Poder Judiciário para examinar lesão ou ameaça a direito, em face do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição". Precedente desta Corte
(AC546319/PE, Rel. Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Terceira Turma, DJE 27/11/2012).
4. Inexiste direito adquirido a poluir ou a degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados - as gerações futuras - carece de voz e de representantes que falem ou se
omitam em seu nome. Precedente do STJ (RESP Nº 948.92, Ministro Herman Benjamin, STJ- Segunda Turma. DJE: 11/11/2009).
5. Comprovada a ocorrência de irregularidades referentes às áreas de Reserva Legal e às Áreas de Preservação Permanente, é cabível a condenação da ré por danos materiais.
6. A jurisprudência do STJ é pacífica, quanto ao cabimento de danos morais coletivos em sede de ação civil pública, decorrente de lesão ambiental.
7. Somente há necessidade de a solução do litígio se apoiar no ônus da prova, quando não houver provas dos fatos ou quando essas se mostrarem insuficientes para o julgamento do feito. Na hipótese, o juízo de origem decidiu a lide mediante a efetiva
análise das provas dos autos, motivo pelo qual se revela irrelevante perquirir a quem cabe o ônus probandi, inocorrendo, a esse respeito, a nulidade processual defendida pela Usina apelante.
8. No tocante ao argumento suscitado pela Usina Bulhões de que não pode haver responsabilização, quanto aos imóveis por ela transferidos antes da interposição da presente ação, cabe analisar que tais informações não procedem, já que os documentos
juntados aos autos comprovam a titularidade dos referidos imóveis pela Usina. Percebe-se que o Engenho Araújo foi gravado por penhor cedular em 2007, e não, em 2002, como afirma a ora apelante. De acordo com as certidões acostadas nos autos, às fls.
940, 942 e 943, constata-se que as alienações apenas ocorreram em setembro ou outubro de 2008, portanto, em momento posterior à citação da ré apelante. Não se pode olvidar que a responsabilidade por danos ao meio ambiente, além de objetiva, é solidária.
Assim, tanto o antigo proprietário quanto o novo adquirente respondem solidariamente pelo dano ambiental causado.
9. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária de todos os transgressores, como deflui da norma do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981, que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Aos agentes poluidores compete demonstrar a
presença de causas de exclusão da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior ou a ausência de nexo causal entre o dano ambiental e a conduta poluidora que o provocou.
10. Não se pode obrigar o réu a registrar as áreas de Reserva Legal em Cartório, já que a nova legislação (Lei nº 12.651/12) determina o registro no órgão ambiental através do CAR. Entretanto, nem esse cadastro pode ser exigido de imediato, tendo em
vista que o prazo para a inscrição se prolongou até dezembro de 2017.
11. Não é possível a suspensão das sanções, com base no art. 59, parágrafo 5º, do Código Florestal, considerando-se que ainda não houve a concreta implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), o que inviabiliza a assinatura do Termo de
Compromisso para a recuperação da área degradada, requisito indispensável para a medida pleiteada.
12. De acordo com o documento acostado à fl. 208, a licença da CPRH caracteriza o empreendimento da Usina apelante como "Fabricação e Refino do Açúcar e Produção de Álcool", cuja atividade consiste na produção de açúcar e do álcool. Portanto,
constata-se que a licença expedida não versa sobre atividades agrícolas e não constam as condições nas quais as atividades poderão ser exercidas. Por isso, a sentença deve ser reformada para que a ré seja condenada à obrigação de licenciar a exploração
da atividade agrícola, o que, até o presente momento, não se verificou.
13. A condenação só pode se ater à recuperação das áreas de Reserva Legal e de APP's existentes em sua propriedade, bem como às áreas arrendadas em que cultiva cana-de-açúcar, não sendo possível condenar a algo que não foi objeto de pedido na petição
inicial.
14. Afastadas as preliminares suscitadas para dar parcial provimento à remessa e às apelações.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. INOCORRÊNCIA. INTERESSE DE AGIR DO IBAMA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A POLUIR. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS COLETIVOS. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. NULIDADE DE
SENTENÇA INEXISTENTE. COMPROVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO DOS IMÓVEIS EM DATA POSTERIOR À CITAÇÃO NA PRESENTE AÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. EXIGIBILIDADE DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO AMBIENTAL RURAL. INEXISTÊNCIA DE LICENÇA PARA EXPLORAR
ATIVIDADE AGRÍCOLA.
1. Trata-se de Remessa Oficial e apelações interpostas pela Usina Bulhões e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais- IBAMA, em face de sentença prolatada pelo Juízo da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que
julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a: a) recuperar as Áreas de Preservação Permanente dos Engenhos Pixaó, Curupaity, Camaçary e Araújo, irregularmente ocupadas com plantios de cana-de-açúcar; b) averbar no registro competente e
preservar as áreas de reserva legal pertinentes aos mencionados engenhos; c) pagar o valor correspondente ao enriquecimento que obteve por utilizar em benefício próprio área que deveria ser preservada, assim como indenização pelo dano moral coletivo, a
serem alvo de posterior liquidação por artigos e por arbitramento, à míngua de elementos suficientes para a fixação imediata.
2. Considera-se inepta a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir; a narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente impossível ou contiver pedidos incompatíveis entre si. No caso concreto, não se
tornou possível a exata determinação dos danos causados, porque a parte ré não cumpriu o seu dever legal de identificar e submeter à CPRH as localizações e dimensões das APP's e Reservas Legais, adequando-se às exceções permitidas para a formulação de
pedidos genéricos. Não há, portanto, vícios na petição inicial capaz de ensejar a sua inépcia.
3. "Embora caiba ao IBAMA, no exercício do poder de polícia que lhe é conferido pela Lei nº 9.605/98, aplicar, respeitado o devido processo legal, as penalidades previstas em lei diretamente, no exercício de auto-executoriedade das decisões
administrativas, este atributo não pode ser interpretado de forma a excluir do IBAMA a possibilidade de acionar o Poder Judiciário para examinar lesão ou ameaça a direito, em face do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição". Precedente desta Corte
(AC546319/PE, Rel. Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Terceira Turma, DJE 27/11/2012).
4. Inexiste direito adquirido a poluir ou a degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados - as gerações futuras - carece de voz e de representantes que falem ou se
omitam em seu nome. Precedente do STJ (RESP Nº 948.92, Ministro Herman Benjamin, STJ- Segunda Turma. DJE: 11/11/2009).
5. Comprovada a ocorrência de irregularidades referentes às áreas de Reserva Legal e às Áreas de Preservação Permanente, é cabível a condenação da ré por danos materiais.
6. A jurisprudência do STJ é pacífica, quanto ao cabimento de danos morais coletivos em sede de ação civil pública, decorrente de lesão ambiental.
7. Somente há necessidade de a solução do litígio se apoiar no ônus da prova, quando não houver provas dos fatos ou quando essas se mostrarem insuficientes para o julgamento do feito. Na hipótese, o juízo de origem decidiu a lide mediante a efetiva
análise das provas dos autos, motivo pelo qual se revela irrelevante perquirir a quem cabe o ônus probandi, inocorrendo, a esse respeito, a nulidade processual defendida pela Usina apelante.
8. No tocante ao argumento suscitado pela Usina Bulhões de que não pode haver responsabilização, quanto aos imóveis por ela transferidos antes da interposição da presente ação, cabe analisar que tais informações não procedem, já que os documentos
juntados aos autos comprovam a titularidade dos referidos imóveis pela Usina. Percebe-se que o Engenho Araújo foi gravado por penhor cedular em 2007, e não, em 2002, como afirma a ora apelante. De acordo com as certidões acostadas nos autos, às fls.
940, 942 e 943, constata-se que as alienações apenas ocorreram em setembro ou outubro de 2008, portanto, em momento posterior à citação da ré apelante. Não se pode olvidar que a responsabilidade por danos ao meio ambiente, além de objetiva, é solidária.
Assim, tanto o antigo proprietário quanto o novo adquirente respondem solidariamente pelo dano ambiental causado.
9. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária de todos os transgressores, como deflui da norma do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981, que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Aos agentes poluidores compete demonstrar a
presença de causas de exclusão da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior ou a ausência de nexo causal entre o dano ambiental e a conduta poluidora que o provocou.
10. Não se pode obrigar o réu a registrar as áreas de Reserva Legal em Cartório, já que a nova legislação (Lei nº 12.651/12) determina o registro no órgão ambiental através do CAR. Entretanto, nem esse cadastro pode ser exigido de imediato, tendo em
vista que o prazo para a inscrição se prolongou até dezembro de 2017.
11. Não é possível a suspensão das sanções, com base no art. 59, parágrafo 5º, do Código Florestal, considerando-se que ainda não houve a concreta implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), o que inviabiliza a assinatura do Termo de
Compromisso para a recuperação da área degradada, requisito indispensável para a medida pleiteada.
12. De acordo com o documento acostado à fl. 208, a licença da CPRH caracteriza o empreendimento da Usina apelante como "Fabricação e Refino do Açúcar e Produção de Álcool", cuja atividade consiste na produção de açúcar e do álcool. Portanto,
constata-se que a licença expedida não versa sobre atividades agrícolas e não constam as condições nas quais as atividades poderão ser exercidas. Por isso, a sentença deve ser reformada para que a ré seja condenada à obrigação de licenciar a exploração
da atividade agrícola, o que, até o presente momento, não se verificou.
13. A condenação só pode se ater à recuperação das áreas de Reserva Legal e de APP's existentes em sua propriedade, bem como às áreas arrendadas em que cultiva cana-de-açúcar, não sendo possível condenar a algo que não foi objeto de pedido na petição
inicial.
14. Afastadas as preliminares suscitadas para dar parcial provimento à remessa e às apelações.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
18/05/2017
Data da Publicação
:
19/05/2017
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - 33280
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-7754 ANO-1989
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***** LINDB-10 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasiliero
LEG-FED LEI-12376 ANO-2010 ART-6 (CAPUT)
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LEG-FED LEI-4771 ANO-1965
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LEG-FED LEI-12651 ANO-2012 ART-18 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-29 ART-59 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 PAR-5
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED SUM-282 (STF)
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LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-72 INC-7 INC-9
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LEG-FED LEI-6938 ANO-1998 ART-14 INC-1 INC-4 PAR-1 PAR-5
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LEG-FED LEI-5925 ANO-1973
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-295 PAR-ÚNICO ART-286 INC-1 INC-2 INC-3 ART-535 ART-267 INC-6
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***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-225
Fonte da publicação
:
DJE - Data::19/05/2017 - Página::70
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