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Jurisprudência


TRF5 2008.83.00.012469-1 200883000124691

Ementa
CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATIVIDADE DE CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR. AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL. IMÓVEL RURAL INSERIDO EM ZONA DE MATA ATLÂNTICA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE DESTACAR AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DE DEFINIR A ÁREA DA RESERVA LEGAL DA PROPRIEDADE. NECESSÁRIA A RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DEGRADADO. DANO À COLETIVIDADE E DANOS MATERIAIS. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelações do autor e da parte ré contra sentença que estabeleceu as seguintes obrigações: a) que a parte ré promova a recuperação do meio ambiente degradado em decorrência do exercício de atividade de cultivo de cana de açúcar nos engenhos de sua propriedade, inclusive as áreas de preservação permanente e reserva legal, "cujo projeto, com especificação dos locais de intervenção e cronograma de execução, será apresentado com em conformidade com solução técnica a ser aprovada pelo IBAMA durante a fase de cumprimento de sentença; b) caso não seja possível a recuperação acima determinada, que a demandada proceda ao pagamento de uma indenização, "cujo valor será fixado após a liquidação de sentença, e será destinado a compensar os danos causados"; e c) que a ré providencie o requerimento de licença da atividade de cultivo de cana de açúcar perante o CPRH - Agência Estadual de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco, "devendo o procedimento ser realizado segundo o Termo de Referência constante das fls. 311/314, com posterior manifestação do IBAMA acerca da sua regularidade". 2. Observa-se que a sentença que julgou os embargos de declaração da demandada foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 5ª Região de 27/02/2015 (sexta-feira), de modo que a data da publicação, conforme o disposto no art. 4º, parágrafo 3º, da Lei 11.419/2006, deve ser considerado o dia 02/03/2015 (segunda-feira). Assim, considera-se como termo inicial do prazo recursal o primeiro dia útil seguinte ao da publicação (art. 4º, parágrafo 4º), o qual, no caso em apreço, foi o dia 03/03/2015 (terça-feira). Contando-se o prazo de 15 (quinze) dias, verifica-se que este findou em 17/03/2015, exatamente a data em que foi protocolado o apelo da demandada, não havendo que se falar, portanto, em intempestividade. 3. Muito embora a sentença recorrida tenha insinuado a invalidade das licenças ambientais expedidas por aquele órgão estadual à parte demandada, o fez como causa de decidir, isto é, em sede de fundamentação, não constando no dispositivo sentencial qualquer declaração de invalidade de tais atos administrativos, muito menos qualquer obrigação dirigida à CPRH, de modo que esse pronunciamento do Juízo de origem, uma vez transitado em julgado, atingiria tão somente as partes envolvidas na lide, sem repercussão na esfera jurídica da CPRH, sobretudo porque, em relação a essa passagem do decisum a quo, em que se questionou a validade das licenças ambientais, inexiste a possibilidade de se formar coisa julgada material. Preliminar de nulidade da sentença afastada. 4. No tocante à alegação de ausência de interesse de agir, verifica-se que essa questão já foi decidida por este Tribunal nos presentes autos quando do julgamento das apelações do IBAMA e do MPF interpostas contra a primeira sentença prolatada neste feito, a qual havia julgado extinto o processo, sem resolução do mérito. Naquela ocasião, ficou reconhecido por esta Corte o interesse processual do IBAMA quanto à pretensão deduzida na petição inicial, conforme se vê no acórdão de fls. 687/694, acobertado pelo manto da coisa julgada. 5. Conforme o próprio IBAMA afirma na sua petição inicial, a presente ação civil pública foi por ele promovida "em virtude de graves danos ambientais causados pelas atividades empresariais da demandada sem que haja o devido licenciamento ambiental de todo o empreendimento". 6. Por outro lado, a parte demandada, ao principal argumento de que estaria exercendo a atividade de cultivo de cana-de-açúcar de forma regular, trouxe aos autos, em 01/09/2008, cópia de duas licenças de operação (ns. 387/2006 e 810/2007) expedidas pela Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco - CPRH, referentes ao licenciamento da atividade de "fabricação de açúcar e melaço". 7. Porém, ao tempo em que o IBAMA realizou a fiscalização no local, mediante a lavratura da notificação n. 515304, de 26/05/2008, e do auto de infração n. 541681, de 02/06/2008, as aludidas licenças de operação expedidas pelo órgão ambiental estadual já estavam com prazo de validade expirado. 8. Ressalte-se que essas foram as únicas licenças ambientais apresentadas pela demandada nos presentes autos, a despeito de ter sido intimada, no Juízo de origem, para especificar provas a produzir, oportunidade, aliás, em que não requereu a produção de prova. É válido salientar, ainda, que, tanto em sua defesa apresentada na esfera administrativa, como no seu apelo aqui interposto, a parte ré sustenta o exercício regular de sua atividade com amparo nas citadas licenças ambientais vencidas, não fazendo qualquer referência à existência de um procedimento de renovação. 9. Como se não bastasse o exercício de atividade potencialmente poluidora sem a devida licença ambiental, em imóvel rural inserido em zona de Mata Atlântica (fato incontroverso), restou comprovado nos autos o descumprimento da Instrução Normativa n. 006/2006 da CPRH, que disciplina a elaboração do Plano de Controle Ambiental - PCA para usinas e destilarias do Estado de Pernambuco. 10. Dentre os programas previstos nesse PCA, especificamente no Termo de Referência da CPRH (anexo único da Instrução Normativa n. 006/2006), destacam-se os programas ambientais, nos quais são definidas algumas obrigações para as usinas e destilarias, necessárias ao desenvolvimento do programa em estudo, como, por exemplo, a identificação e caracterização de forma sucinta das áreas de proteção ambiental e/ou áreas de interesse ambiental (unidades de conservação, áreas de preservação permanente, existentes na área do empreendimento, sejam federal, estadual, municipal ou privada) e a definição da reserva legal da propriedade e apresentação de solicitação de autorização da CPRH para a devida averbação no registro do imóvel. 11. Na hipótese em exame, ainda que se considere o fato da atividade de cultivo de cana-de-açúcar estar sendo exercida pela demandada na região objeto desta lide antes mesmo da vigência do já revogado Código Florestal (Lei 4.771/65), não há que se falar em direito adquirido ou ato jurídico perfeito, pois, em se tratando de atividade lesiva ou potencialmente lesiva ao meio ambiente, não se pode admitir a perpetuação desse ilícito no tempo, pena de por em risco a própria coerência do ordenamento jurídico vigente. 12. No caso concreto, a licença de operação n. 810/2007 (expedida pela CPRH em 20/03/2007 e com prazo de validade expirado em 19/03/2008) estabeleceu o prazo máximo de um ano, a contar do recebimento, pela demandada, da Instrução Normativa n. 006/2006, para que essa empresa interessada apresentasse àquele órgão ambiental estadual o Plano de Controle Ambiental - PCA, nos moldes, é claro, do Termo de Referência da CPRH (anexo único da citada instrução normativa). Contudo, em reposta a solicitação feita pelo Juízo de origem, a CPRH, por meio da Nota Técnica n. 004/2014, de 07/08/2014, informou que, até aquela data, não havia sido apresentado pela parte ré nenhum requerimento referente à aprovação da área de reserva legal no imóvel objeto desta lide. 13. Diante de tais condutas ilícitas (exercício de atividade de cultivo de cana-de-açúcar sem licença ambiental e ausência de definição e averbação da reserva legal da propriedade rural, quando já esgotado, inclusive, o prazo estabelecido pela Administração), o fato de o órgão estadual, em situações como a tratada nestes autos, ser o competente para expedir licença ambiental não exclui a competência do IBAMA para "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas", nos termos do art. 23, VI, da Constituição Federal. 14. Com efeito, "a atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado" (STJ, AgRg no REsp 1466668/AL, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016; STJ, REsp 1307317/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, DJe 23/10/2013). 15. Em vista do explanado acima, se faz necessário, para a proteção e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado nas áreas descritas na exordial, o cumprimento, pela parte ré, da obrigação disposta no item 3 do dispositivo sentencial, qual seja, apresentar perante a CPRH requerimento de licença para o exercício de atividade de cultivo de cana de açúcar na propriedade rural em comento, nos moldes do Termo de Referência daquele órgão ambiental estadual, que se encontra em anexo à multicitada Instrução Normativa n. 006/2006. 16. Igualmente, a recuperação do meio ambiente degradado, inclusive as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é medida que se impõe. 17. Em razão dessa peculiaridade do caso concreto, não há como se exigir, de imediato, uma liquidez da sentença em relação à especificação das áreas que deverão ter o meio ambiente recuperado, pois isso depende do cumprimento de outra obrigação imposta à demandada, que é a apresentação de requerimento da licença ambiental com a identificação e caracterização de forma sucinta das áreas de proteção ambiental e/ou áreas de interesse ambiental, bem como a definição da reserva legal da propriedade, tudo com base nas diretrizes do aludido Termo de Referência da CPRH. 18. A obrigação de indenizar em pecúnia como forma de compensar os danos ambientais causados também deve ser mantida, por se tratar de medida alternativa em caso de, na fase de liquidação da sentença, se constatar a impossibilidade de recuperação total das áreas degradadas. 19. Quanto ao pleito do IBAMA de indenização por dano à coletividade, não se verifica, na hipótese em exame, intensidade e extensão suficientes nas condutas da demandada para agredir o patrimônio moral coletivo. Afinal, é necessário "que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva" (STJ, REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. Ministro Massami Uyeda, DJE 10/02/2012). 20. Também não cabe indenização por danos materiais decorrentes de suposto enriquecimento ilícito, pois, conforme bem ressaltou o juiz sentenciante, "não há patrimônios a serem comparados, pois o meio ambiente possibilita qualidade de vida, é considerado um macrobem dotado de proteção constitucional e destituído de natureza patrimonial". 21. Apelações cujo provimento é negado.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 11/10/2016
Data da Publicação : 14/10/2016
Classe/Assunto : AC - Apelação Civel - 491755
Órgão Julgador : Quarta Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Edílson Nobre
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-12727 ANO-2012 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-12651 ANO-2012 ART-12 (CAPUT) INC-1 INC-2 ART-18 (CAPUT) ART-68 ART-29 (novo Código Florestal) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED INT-6 ANO-2006 ART-1 (CPRH) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-11419 ANO-2006 ART-4 PAR-3 PAR-4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-4771 ANO-1965 ART-16 PAR-8 PAR-2 ART-44 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-47 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-23 INC-6
Fonte da publicação : DJE - Data::14/10/2016 - Página::131
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