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Jurisprudência


TRF5 2008.83.08.000600-0 200883080006000

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. LEI 9.605/97, ART. 56. CONDENAÇÃO DE PESSOA FÍSICA E DE PESSOA JURÍDICA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO ACUSADO PESSOA FÍSICA DESPROVIMENO DO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. I - Pessoa jurídica e o seu presentante recorrem de sentença que os condenou pela prática do crime previsto na Lei 9.605/97, art. 56. Também recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. II - Analisando a preliminar agitada pelos RÉUS, a propósito de nulidade do processo por alegado defeito técnico de defesa, tem-se que não pode prosperar. A pugna pelos interesses dos RECORRENTES foi feita com zelo e compromisso institucional, atuando em todas as fases do processo. Ademais, nenhum prejuízo foi objetivamente indicado pelos APELANTES para que possa sediar a anulação do feito. Vale a regra insculpida no art. 563 do CPP: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". III - Alega o MPF que a sentença errou quando considerou a existência de crime continuado (CP, art. 71) ao invés de ter por claro o concurso material de crimes (CP, art. 69), já que a importação da substância proibida (Lei 9.605/97, art. 56) foi importada por cinco vezes. Entretanto, a sentença bem justificou a opção de política criminal, pois a prática criminosa operou-se em cinco vezes, mas em um contexto de coincidência de lugar e maneira de execução que mesmo se distanciando no tempo autorizam a caracterização da continuidade delitiva. IV - Outro ponto defendido no apelo do MPF, diz respeito à incorreta dosimetria da pena, pois não foi considerada a agravante genérica do art. 15, II, "a", da Lei 9.605/97 (ter sido o crime comentido para a obtenção de vantagem pecuniária). Acertou a sentença. As condutas nucleares atingidas foram as de importar e comercializar, que constituem o tipo do art. 56, caput, da Lei Ambiental. Em um sistema capitalista, quem comercializa almeja lucro, é dizer, vantagem traduzível em pecúnia. Impossível a tomada dessa elementar como agravante, mercê do princípio non bis in idem. V - A pena de multa aplicada aos RÉUS está em razoável patamar, oitenta dias-multa, à razão de um salário mínimo para cada dia-multa. VI - Em relação aos recursos dos RÉUS, não merece acolhimento a argumentação de que existe, no caso, erro de proibição escusável, conforme previsto no art. 21, parágrafo único, do Código Penal ("Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência"). O exercício de atividades empresariais por RICARDO LIMA DE AZEVEDO, que atuou por si e pelos interesses da RÉ AGRACOM, no ramo de material agrícola, já desconfigura a tese. VII - Sobre a dosimetria da pena, a partir da revisão dos critérios de circunstâncias do crime e gravidade do fato, também não alcançam sucesso os RECORRENTES. Observa-se que na sentença o juiz considerou como circunstâncias relevantes para a definição do piso penal o fato de que os RÉUS incorreram em três das condutas listadas no caput do art. 56 (importar, transportar e comercializar a substância tóxica proibida), tendo usado uma delas como nuclear do tipo e as demais como circunstâncias judiciais. Considerando que a pena mínima prevista é de um ano de reclusão, a demarcação em um ano e seis meses está de bom tamanho. VIII - Já em relação ao percentual do crime continuado, a razão está com os RÉUS-APELANTES. Estando no art. 71 do CP a previsão de que o aumento na continuidade delitiva seja definido de um sexto a dois terços da pena "de um só dos crimes", soa pouco razoável que na espécie o juiz tenha fixado esse percentual no mais alto degrau (dois terços), sem uma justificativa plausível para tanto. De bom alvitre, portanto, a diminuição desse percentual para um terço. Resta definida a pena privativa de liberdade para dois anos de reclusão, mantidos os demais consectários. IX - Nada obstante as razões recursais apresentadas pela AGROCOM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA (fls. 493 /503), não consta da referida peça insurgência quanto ao tipo de pena que lhe foi aplicada. Está na sentença uma condenação dessa pessoa jurídica a "dois anos de reclusão e cinquenta-dias multa" (fl. 441-v). Mais adiante essa condenação é tornada definitiva em "três anos e quatro meses de pena". E mais abaixo, mesma página, está consignado: "SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DO RÉU POR prestação de serviços e suspensão total das atividades (artigos 22, I, e 23 da Lei nº 9.605/98, ambas pelo período a pena substituída". X - Ocorre que o sistema de penas para as pessoas jurídicas estabelecido na Lei 9.605/97 está delineado no seu arts. 21 a 23, nos quais não há - e nem poderia haver, por inviabilidade material - pena privativa de liberdade para pessoa jurídica. Tem-se, no caso em tela, a condenação de uma RÉ ao cumprimento de uma pena inexistente, na espécie e no quantitativo, em desencontro com o que solta da Constituição Republicana, art. 5º, XXXIX - "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", corolário do princípio da legalidade estrita, que se apresenta também com semelhante dicção no art. 1º do Código Penal. XI - É bastante possível que o tópico da sentença que agora é questionado tenha sido objeto de erro material por parte do juiz, a partir do equivocado manejo de textos de informática, quiçá na prática "copiar/colar", já que as expressões são praticamente as mesmas da parte da condenação do APELANTE/RÉU RICARDO LIMA DE AZEVEDO. XII - Considerando que não há recurso quanto a essa parte da sentença, o caminho que se apresenta, no modesto entender deste Relator, é a concessão de habeas corpus ex officio em prol da pessoa jurídica, para extirpar do julgado a parte acima detalhada. Entretanto, não se pode olvidar que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que o HC não serve para atender reclamos de pessoa jurídica. Exemplo: "...) 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo - lógico - a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física. E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação constitucional. Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. Afinal, habeas corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. (...) Pessoa Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos. Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou restringida. (HC 88747 AgR, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 15/09/2009). XIII - Não deve ser omitido o leve movimento em sentido da concessão da ordem, partido do Ministro RICARDO LEWANDOVISK, conforme noticiado no INFORMATIVO STF: "HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 1 A pessoa jurídica não pode figurar como paciente de habeas corpus, pois jamais estará em jogo a sua liberdade de ir e vir, objeto que essa medida visa proteger. Com base nesse entendimento, a Turma, preliminarmente, em votação majoritária, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente writ, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente. Tratava-se, na espécie, de habeas corpus em que os impetrantes-pacientes, pessoas físicas e empresa, pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal instaurada, em desfavor da empresa e dos sócios que a compõem, por suposta infração do art. 54, parágrafo 2º, V, da Lei 9.605/98. Sustentavam, para tanto, a ocorrência de bis in idem, ao argumento de que os pacientes teriam sido responsabilizados duplamente pelos mesmos fatos, uma vez que já integralmente cumprido termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual. Alegavam, ainda, a inexistência de prova da ação reputada delituosa e a falta de individualização das condutas atribuídas aos diretores. (HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (...) HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 2 Enfatizou-se possibilidade de apenação da pessoa jurídica relativamente a crimes contra o meio ambiente, quer sob o ângulo da interdição da atividade desenvolvida, quer sob o da multa ou da perda de bens, mas não quanto ao cerceio da liberdade de locomoção, a qual enseja o envolvimento de pessoa natural. Salientando a doutrina desta Corte quanto ao habeas corpus, entendeu-se que uma coisa seria o interesse jurídico da empresa em atacar, mediante recurso, decisão ou condenação imposta na ação penal, e outra, cogitar de sua liberdade de ir e vir. Vencido, no ponto, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, tendo em conta a dupla imputação como sistema legalmente imposto (Lei 9.605/98, art. 3º, parágrafo único) - em que pessoas jurídicas e naturais farão, conjuntamente, parte do pólo passivo da ação penal, de modo que o habeas corpus, que discute a viabilidade do prosseguimento da ação, refletiria diretamente na liberdade destas últimas -, conhecia do writ também em relação à pessoa jurídica, dado o seu caráter eminentemente liberatório. (HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008). XIV - O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem admitido o remédio heroico em situações assemelhadas à presente, mas desde que a pessoa física presentante ou representante da pessoa jurídica inculpada esteja sob ameaça de restrição de ir e vir. Exemplo: "5. Como somente se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais nas hipóteses de imputação simultânea da pessoa física que atua em seu nome, responsável por sua gerência, in casu, concedida a ordem em relação ao gerente da TIM CELULAR S.A., não há como manter o feito apenas em relação à empresa. 6. Ordem concedida a fim de trancar a ação penal. (HC 147.541-RS, Sexta Turma, CELSO LIMONGI, j. 16.12.2010)". XV - Nada obstante as ponderações acima traçadas, há outro ponto que merece consideração: na denúncia o MPF não pede a condenação da pessoa jurídica em pena que não esteja prevista na Lei 9.605/97 (art. 21 a 23). Logo, tendo a sentença atribuído à pessoa moral pena fora do mencionado rol, isto é, pena privativa de liberdade, laborou extra petita, sendo de rigor, em homenagem ao princípio da amplitude recursal, que seja dado parcial provimento à apelação da AGROCOM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA, retriando do espectro da condenação o capítulo que a condenou a pena de prisão. XVI - Mercê da situação jurisprudencial reinante, apesar da reiterada reserva pessoal do Relator, deve permanecer como está a sentença, cabendo à AGROCOM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA agitar as medidas judiciais autônomas cabíveis, inclusive, se for o caso, em sede de execução penal. XVII - Desprovimento do apelo do MPF e provimento parcial do recurso de AGROCOM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA e de RICARDO LIMA DE AZEVEDO.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 27/02/2018
Data da Publicação : 16/03/2018
Classe/Assunto : ACR - Apelação Criminal - 12066
Órgão Julgador : Quarta Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Revisor : Desembargador Federal Edílson Nobre
Referência legislativa : ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-563 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 ART-21 PAR-ÚNICO ART-1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-9605 ANO-1997 ART-56 ART-15 INC-2 LET-A ART-22 INC-1 ART-23 ART-54 PAR-2 INC-5 ART-3 PAR-ÚNICO ART-21 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-39
Fonte da publicação : DJE - Data::16/03/2018 - Página::156
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