TRF5 2008.84.01.000943-8 200884010009438
PENAL E PROCESSUAL PENAL. PECULATO. QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO. CONVÊNIOS. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS. LICITAÇÕES FRAUDULENTAS. DOCUMENTOS, NOTAS FISCAIS, RECIBOS. PRESTAÇÕES DE CONTAS. FALSIFICAÇÕES. LAVAGEM DE DINHEIRO NÃO CONFIGURADA. CRIMES DE
PECULATO EM CONTINUIDADE DELITIVA. QUADRILHA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO DO CRIME DE QUADRILHA PELA PENA APLICADA PARA PARTE DOS ACUSADOS. ABSOLVIÇÃO DE UMA ACUSADA. AFASTAMENTO DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO
PARA INDENIZAÇÃO DA VÍTIMA. DOSIMETRIA DA PENA. REFORMA EM RELAÇÃO A UM ACUSADO. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSOS IMPROVIDOS E RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Tratam os presentes autos de recursos de apelação criminal interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos acusados Francisco de Andrade Silva Filho, Valney Moreira da Costa, Alex Moacir de Souza Pinheiro, Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de
Azevedo Moreira, Manuel Alves do Nascimento Filho, Vera Lúcia Nogueira Almeida, Maria Salete Silva, Joacílio Ribeiro Marques e Maria Erotildes de Melo contra sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido: a) proferiu sentença penal
condenatória de dez acusados por crimes de peculato (CP, 312) em continuidade delitiva (CP, 71); b) proferiu sentença penal condenatória de sete acusados por formação de quadrilha (CP, 288), aplicando a regra do concurso material (CP, 69); c) absolveu
todos os acusados do crime de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/98); d) absolveu, por falta de provas, dois acusados da imputação de peculato e um da imputação de quadrilha; e) declarou a extinção da punibilidade pela prescrição em relação ao crime de
quadrilha em relação a dois acusados; f) fixou valor mínimo para indenização do prejuízo; g) concedeu aos réus o direito de apelar em liberdade.
2. Em sua denúncia, dizia o MPF que, entre os anos de 1999 a 2001, a União, através dos Convênios n. 412/99, 217/00 e 203/01, se obrigou a repassar à Fundação Vingt Rosado a quantia de R$800mil para a aquisição de remédios e alimentos para a população
carente de Mossoró e região. Os dirigentes da fundação, em conjunto com membros das comissões de licitação e particulares, teriam desviado os recursos em proveito próprio, valendo-se da simulação de procedimento licitatório, da apresentação de notas
fiscais e recibos falsificados, adulteração de espelhos de cheques e prestações de contas fraudulentas. Da sentença recorreram, além do MPF, os acusados Francisco de Andrade Silva Filho (que era , Valney Moreira da Costa, Alex Moacir de Souza Pinheiro,
Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de Azevedo Moreira, Manuel Alves do Nascimento Filho, Vera Lúcia Nogueira Almeida, Maria Salete Silva, Joacílio Ribeiro Marque e Maria Erotildes de Melo.
3. MPF junto ao TRF5 requereu a declaração de extinção da punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados com exceção de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e de VALNEY MOREIRA DA COSTA. Alega que todos receberam penas de até um ano e seis meses
e o máximo a que chegariam se provido o recurso do MPF não ultrapassaria dois anos, implicando prescrição pela pena aplicada em quatro anos. Como já se teria ultrapassado esse lapso temporal entre o encerramento da estabilidade da quadrilha (2003) e o
recebimento da denúncia (2008), o crime estaria prescrito. Tem razão o MPF. Declara-se extinta a punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados Alex Moacir de Souza Pinheiro, Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de Azevedo Moreira, Vera Lúcia
Nogueira Almeida e Joacílio Ribeiro Marques pela prescrição com base na pena aplicada (CP, art. 109, V, c/c 110, caput e parágrafo 1º).
4. O MPF afirma que LAÍRE ROSADO FILHO, então deputado federal e valendo-se dessa condição, destinou recursos para a Fundação Vingt Rosado "já no intento de proceder ao desvio em análise". A despeito de retraçar todos os passos do esquema criminoso, o
MPF não indica, contudo, quaisquer elementos de prova que confirmem esse "intento de proceder ao desvio em análise", menos ainda que o referido acusado, afora o trabalho para destinação de recursos (inerente ao trabalho parlamentar), tenha praticado
qualquer conduta para o desvio ou a apropriação desses recursos. A mera circunstância ser o autor das emendas parlamentares que destinaram recursos à Fundação não atribui automática responsabilidade pelos fatos ocorridos na condução dos trabalhos da
fundação. Sentença mantida.
5. O MPF pede a revaloração da circunstância judicial do comportamento da vítima (CP, 59), alegando que deva ser valorada negativamente nos casos em que a vítima não tenha colaborado com o crime. A vítima, no caso, é a União, que, de fato não colaborou
para a prática criminosa. Tese que, se admitida, implica que todos os crimes praticados contra entes públicos devam implicar valoração negativa dessa circunstância, conclusão não autorizada pelo ordenamento jurídico. O comportamento da vítima é uma
circunstância judicial de preponderante potencial favorável ao acusado. Naqueles casos em que o comportamento da vítima tenha colaborado para prática criminosa, essa culpabilidade compartilhada deve amenizar o peso da culpabilidade do acusado, servindo
de contrapeso à primeira entre todas as circunstâncias judiciais. Diversamente do que diz o MPF, o comportamento da vítima pode ser neutro na avaliação do juiz na primeira fase de fixação da pena. Sentença mantida.
6. A extinção da punibilidade do crime de quadrilha pela prescrição em razão da pena em concreto não se aplica aos acusados FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA. A prescrição com base na pena em concreto depende do trânsito em
julgado da sentença para a acusação, o que não ocorreu nesse caso, já que o MPF recorreu pugnando pela revaloração do comportamento da vítima como circunstância negativa para a fixação da pena-base também em relação ao recorrente. Como esse aspecto da
sentença não transitou em julgado para a acusação, sua pena aplicada poderá, em tese e de acordo como recurso do MPF, superar os dois anos (o que não acontece com os demais acusados), o que conduziria o prazo prescricional para oito anos. Todos esses
fatores impedem, no caso concreto, a análise da prescrição do crime de quadrilha para o recorrente com base na pena em concreto. Sentença mantida.
7. É dever do juízo determinar às partes a regularização da relação processual, extirpando os defeitos e irregularidades sanáveis a todo tempo. A idoneidade da relação processual para seguir a sua marcha até a sentença final é questão de interesse da
jurisdição tanto quanto das partes. Em vista disso, intimação do MPF para emenda da denúncia não viola os princípios acusatório, da inércia da jurisdição ou do devido processo legal, ainda mais quando em momento anterior ao recebimento da denúncia.
8. A substituição de testemunha, mediante requerimento fundamentado, é providência tão comum quanto natural no processo penal, direito acessível a qualquer das partes no processo. Considerando a possibilidade de oitiva de testemunhas convocadas pelo
próprio juízo, resguardado o direito à contradita das partes, a oitiva de testemunhas não arroladas na denúncia não é, ipso facto, causa de nulidade do processo, especialmente se a prerrogativa da contradita é respeitada na audiência. Assim, não causa
nulidade decisão que defere substituição de testemunha a requerimento da acusação, especialmente se garantido o direito à contradita. Precedente da Quarta Turma do TRF5: HC 00147747320114050000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta
Turma, DJE - Data::01/03/2012 - Página::364.
9. A alegação de que a dispensa da oitiva das testemunhas Ênio Henrique Bezerra e Raimundo Dias causaria nulidade em razão da essencialidade de seus depoimentos para a busca pela verdade real é totalmente contraditória com o fato de que nenhum dos
acusados arrolou, em suas defesas, ditas testemunhas. Se entendiam - realmente - que seus depoimentos seriam essenciais, natural que pelo menos um entre todos os acusados as tivesse indicado em sua defesa para oitiva em juízo. Em vez disso, não fizeram
a indicação e, tendo sido dispensadas pelo MPF, passou-se-lhes a exigir o depoimento, o que configura comportamento contraditório no processo (venire contra factum proprium non potest) e violação ao princípio da cooperação. Além disso, em momento algum
o recorrente demonstra em que consistiria a essencialidade dos depoimentos dessas testemunhas, não comprovando, assim, qualquer prejuízo a partir de sua dispensa. Sobre a dispensa de testemunhas inicialmente arroladas pela acusação, a jurisprudência do
STJ "é firme em assinalar que a dispensa de testemunha da acusação independe da concordância da defesa" (REsp 942.407/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 23/09/2015).
10. Alega-se nulidade da decisão que indeferiu o pedido de reinquirição de Antônio Vieira de Queiroz. Alegava que a má qualidade da videoconferência não permitiu o reconhecimento pelo depoente de sua assinatura em documento. O juízo fundamentou
corretamente o indeferimento do pedido afirmando que nenhuma das partes havia questionado a autenticidade do documento em causa, nem aventado a necessidade de contato pessoal do depoente com o documento, pelo que lhes caberia ter, a tempo e modo,
apontado ao juízo a respectiva necessidade, não podendo pretender paralisar e mesmo retroceder a marcha do processo em razão de omissões que apenas a si poderiam ser atribuídas. Além do mais, diz o juízo que os acusados não teriam logrado demonstrar
prejuízo em termos probatórios a partir do indeferimento.
11. Alega-se ainda nulidade da decisão que indeferiu pedido da defesa de quebra de sigilo fiscal da Drogaria Lizziane, corretamente indeferido pelo juízo sob o fundamento de que a Drogaria Lizziane sequer é parte no processo, de modo que não haveria
sentido algum em se lhe decretar a quebra de sigilo fiscal. O responsável pela empresa negou participação na licitação, fornecimento de medicamentos à Fundação e recebimento de cheques ou assinatura de recibos. Também em relação a tal diligência, os
acusados nem lhes provam a imprescindibilidade, nem tampouco o prejuízo em termos probatórios causados pela decisão de indeferimento, não sendo suficiente, por óbvio, simplesmente requerer determinado meio de prova sem demonstrar sua pertinência,
viabilidade e, sobretudo, utilidade para o processo.
12. A ausência do interrogatório do acusado não causa nulidade se o juízo lhe houver garantido a oportunidade de ser ouvido em audiência, não sendo possível à defesa alegar que a audiência para tal designada se estendeu além do horário de expediente
como motivo para ausentar-se o acusado e exigir do juízo designação de nova data. De fato, "[s]erão concluídos após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano" (art. 212, parágrafo 1º,
com redação similar no CPC/73, art. 172, parágrafo 1º). Caberia ao recorrente manter-se presente na audiência e, se eventual causa de força maior lhe tornasse impossível ficar, deveria seu advogado comprová-lo nos autos, não podendo simplesmente erigir
o horário de expediente judiciário ou a regra processual civil da prática de atos processuais como fundamento para exigir novo agendamento de audiência, com toda a mecânica de preparação, intimação e execução que o ato requer num processo com a
quantidade de réus e advogados que tem o presente feito.
13. Alega-se nulidade em razão da averbação de suspeição do juiz da causa por motivo de foro íntimo. Ora, o que poderia invalidar o processo seria a atuação de um juiz suspeito de parcialidade, nunca o contrário. O recorrente, em momento algum, comprova
prejuízo a partir da averbação de suspeição do juiz, sendo certo que os motivos de foro íntimo não precisam ser expostos pelo juiz, nem podem ser dele cobrados. Da mesma forma, averbação superveniente de suspeição por motivo de foro íntimo não invalida
o processo, nem mesmo os atos processuais anteriores à averbação, como, aliás, já decidido no STJ: RHC 201301613102, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 06/11/2017.
14. A afirmação de nulidade com a utilização de provas ditas "inquisitivas" para a condenação é matéria que depende do exame sobre a valoração dada pelo juízo sobre as provas e, por isso, respeita ao mérito. Considerando-se que há provas objetivamente
irrepetíveis, não se pode, aprioristicamente, excluir a admissibilidade em juízo de meios de provas produzidos em estágio pré-processual. Nesse contexto, os relatórios de auditoria de órgãos e entidades de controle de contas (CGU, TCU etc.) são
documentos elaborados por técnicos, servidores públicos cujos atos são dotados de fé pública. O resultado da auditoria através do relatório submete-se ao crivo do contraditório em juízo, podendo as partes, inclusive, requerer a intimação de técnicos
como testemunhas (quando demonstrada a necessidade e utilidade do depoimento), bem como apresentar outros elementos de prova que infirmem as conclusões ali constantes. Não existe, portanto, prejuízo à defesa, uma vez que se trata de prova irrepetível
(não se realizará nova auditoria no curso do processo) e suas conclusões são assim consideradas pelo juízo.
15. Alega-se nulidade por violação ao princípio da identidade física do juiz, afirmando-se que o magistrado sentenciante teria desconsiderado decisão de magistrado anterior e julgado o mérito da causa sem considerar parecer técnico juntado pela defesa,
atendo-se a anterior decisão que havia indeferido pedido de diligências complementares de alguns acusados. Eventual omissão do juízo sentenciante poderia ser corrigida com embargos declaratório. A diversidade entre os juízes sentenciante e instrutor só
causaria nulidade se o primeiro não tivesse acesso a todas as provas a que tivera o último, o que não ocorreu no caso: a alegação de omissão é sobre documento (parecer técnico) constante nos autos e acessível a qualquer juiz que assumisse a tarefa de
julgar a demanda. Não há sequer alegação de prejuízo nesse sentido, menos ainda prova de sua ocorrência.
16. Analisando-se a denúncia, pode-se observar que narra, com clareza e objetividade, todos os fatos em seus aspectos mais relevantes, individualizando em relação a cada um dos acusados seu papel no contexto geral dos fatos delitivos ali descritos,
viabilizando plenamente o exercício do direito de defesa. Não procede a afirmação de que a peça vestibular seria inepta, não permitindo ao acusado conhecer exatamente o fato de que deverá se defender. Não há, pois, cerceamento ao exercício do direito de
defesa e, portanto, nulidade alguma a declarar.
17. Alega-se nulidade de provas obtidas por requisição direta do MPF sem autorização judicial, consistentes em cheques e informações bancárias requisitadas diretamente a instituições financeiras. No caso dos autos, as requisições de informações e dados
realizadas pelo MPF se referiam a movimentações com recursos públicos federais, informações essencialmente públicas dado o princípio da publicidade. Não se pode argumentar com sigilo bancário em relação a verbas públicas, sobretudo quando se trata de
investigar possíveis crimes que envolvam apropriação e desvio desses recursos federais. Nesse sentido: AgInt no REsp 1650853/AL, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 10/11/2017.
18. A defesa juntou aos autos parecer técnico e documentos. Examinando o texto, pode-se ver que o perito particular, ao mesmo tempo em que admite os fatos constatados e registrados pelos técnicos do DENASUS, revalora-os para discordar das conclusões,
tecendo juízos de valor na linha da regularidade do comportamento adotado pelos demandados na prática dos atos a eles atribuídos. O perito tece juízos de valor ora sobre as intenções dos membros da CPL, ora sobre sua falta de capacidade técnica para os
atos. Se as boas intenções da administração da Fundação são salientadas, por um lado, quando o perito refere que foram designados servidores capacitados para a boa condução dos trabalhos de licitação e contratação, essa mesma administração é escusada,
por outro, quando o perito afirma a falta de capacidade técnica da Fundação para a realização de licitações (em argumento que tenho como sutilmente contraditório). O perito em questão analisa cada um dos convênios.
18.1 CONVÊNIO N. 412/99.
18.1.1 O perito constata: a) designação de CPL por quatro anos como violação à lei; b) as licitações não foram formalizadas em processo administrativo, autuadas, protocoladas e numeradas nos termos da Lei n. 8666/93; c) em nenhuma das licitações houve
pesquisa de mercado; d) a autorização sem assinatura do presidente da Fundação (o que ocorreu em todas as licitações do Convênio n. 412/99); e) ausência de identificação dos responsáveis pelas empresas que retiraram os convites; f) irregularidades nas
propostas de preços.
18.1.2 A despeito do argumento de que a ausência de identificação dos licitantes seria falha formal, sabe-se que a única garantia de que uma carta-convite tenha real publicidade (não sendo mera fraude com a emissão de cartas apenas a poucos e conhecidos
licitantes, já combinados sobre o vencedor) é a obediência às normas sobre identificação das empresas e respectivos representantes, não sendo suficiente mera assinatura sem a identificação completa, como ocorreu no caso concreto.
18.1.3 No que diz respeito às falhas apresentadas nas propostas, o perito remete novamente ao conceito de erros materiais ou formais por falta de conhecimento, ao mesmo tempo em que enumera as irregularidades de propostas de preço em cada uma das
licitações. O problema com esse pensamento é que as propostas são elaboradas pelas empresas, não pela CPL, de modo que o argumento pretende estender a falta de conhecimento dos membros da CPL também aos elaboradores das propostas de preços, como se
todos os personagens de todos os certames licitatórios analisados fossem desconhecedores das regras e exigências de licitações.
18.1.4 Consta do relatório do DENASUS e dos documentos que o instruem, no que diz respeito particularmente ao Convênio n. 412/1999 (apenso 6, f. 22), referência à inidoneidade da NF 00542 da empresa L. Ventura e Cia. Ltda., com registro cancelado desde
22 nov. 1997 (Portaria n. 046/97) segundo a Gerência de Fiscalização de Estabelecimento da Secretaria das Finanças do Estado da Paraíba (f. 485, apenso 8). A empresa que teria sido vencedora do Convite n. 004/1999 tinha por nome de fantasia "Metalúrgica
Borborema" e sua atividade principal era a "fabricação de outros produtos de metal". Consta ainda que a autorização para emissão do talonário n. 2165/98-RRGC-PB seria de responsabilidade da firma "A Casa do Colegial Maria Amélia Ltda.", sendo que o
número de CNPJ 08.965.584/0001-41 e a inscrição estadual n. 16.068.137-5 constantes da NF como sendo de "L. Ventura e Cia. Ltda." pertencem a "A Casa do Colegial Maria Amélia Ltda.". Consta ainda na NF que o transporte teria sido efetuado pela Fundação,
consistindo em volume considerável de caixas, sem carimbo de qualquer posto de fiscalização dos Estados de Paraíba e Rio Grande do Norte. Essa mesma NF teria sido paga com quatro cheques emitidos pelo acusado Francisco A. Silva Filho.
18.1.6 Consta ainda do relatório a constatação de que nenhum dos cheques teria sido emitido nominalmente aos vencedores da licitação, ou seja, os beneficiários que assinaram os recibos de quitação do pagamento dos valores correspondentes às NFs que
constam da prestação de contas (há quadro na f. 25, apenso 6). Também nesse relatório há informação sobre visitas às entidades/associações supostamente beneficiadas, com registro de não recebimento de medicamentos e da falta de critérios para sua
distribuição, além da ausência de entrega à equipe de auditoria da relação de doação feita pela Apamin, com a conclusão de que apenas 10% dos medicamentos teria sido distribuída. A sentença retrata todo esse panorama com exatidão. Traz um quadro
esquemático com cada uma das licitações realizadas, os licitantes vencedores e os valores pagos pelas supostas aquisições. Refere o pagamento à empresa L. Ventura e Cia. Ltda. Com NF ideologicamente falsa (como disse acima, a empresa estava desativada
desde 1997 e tinha como finalidade a fabricação de produtos de metal).
18.1.7 Consta ainda que as exigências legais relacionadas à habilitação dos licitantes foram dispensadas pelos membros da CPL, no caso, ALEX MOACIR DE SOUSA PINHEIRO, GILMAR LOPES BEZERRA e VÂNIA MARIA DE AZEVEDO MOREIRA. O atestado de recebimento das
mercadorias referentes à NF 00542, no valor de R$ 51.180,00, ficou a cargo da acusada VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA. Nesse contexto, as provas documentais e testemunhais tomadas em juízo comprovaram que sequer os cheques eram nominais aos vencedores, mas,
ao contrário, eram sacados por empregados a serviço da COMARQUES, de propriedade do acusado JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES, em benefício de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO.
18.2 CONVÊNIO N. 217/2000
18.2.1 O perito constata: a) licitações não foram formalizadas em processo administrativo, autuadas, protocoladas e numeradas; b) não houve ato administrativo de autorização assinado pelo presidente da Fundação para a elaboração dos convites; c) CPL
teria sido nomeada para atuação por quatro anos; d) não teria havido pesquisa de preços em qualquer dos três convites referentes a esse convênio.
18.2.2 Sobre o Convite 001/2000: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 30/08/2000; nas propostas apresentadas, não consta CPF dos signatários.
18.2.3 Sobre o Convite 002/2000: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 08/01/2001, seis dias após a realização do convite e da emissão dos termos de adjudicação e homologação (02/01/2001) e, ainda assim, em
papel sem timbre do INSS, diversa da apresentada com a mesma data no Convite n. 001/2001, realizado em 01/03/2001; nas propostas apresentadas, não consta CPF dos signatários.
18.2.4 Sobre o Convite 001/2001: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 08/01/2001, a mesma apresentada no Convite n. 002/2000, mas sem o timbre da previdência social; nas propostas apresentadas, não consta
CPF dos signatários.
18.2.5 Em diversos pontos, o perito particular da defesa, sem negar a veracidade das afirmações do DENASUS sobre os achados a partir da auditoria, procura apenas revalorar os fatos para afirmá-los como falhas materiais ou formais decorrentes de
desconhecimento ou inexperiência dos membros da CPL. No que diz respeito especificamente à dispensa dos cadastros de regularidade fiscal perante as receitas federal, estadual e municipal, diz o perito (o trecho está transcrito no recurso) que, "[d]entre
os documentos citados pela auditoria, aqueles que possuem caráter apenas cadastral, não fornecem subsídios para qualquer julgamento referente à regularidade dos licitantes junto aos entes federativos", concluindo que "seria desnecessária a manutenção
destes como prerrogativa de habilitação", como se, constante a exigência no edital, pudesse a CPL simplesmente dispensá-la no momento da habilitação por julgá-la desnecessária.
18.2.6 O perito ainda admite que as propostas de preço não continham sequer a assinatura do respectivo representante legal, argumentando que, a despeito disso, os valores ofertados teriam sido cumpridos, de modo que a falta de assinatura das propostas
não causaria dano ao erário e teriam sido decorrentes da "falta de experiência da equipe de licitantes como também dos empresários presentes no certame".
18.2.7 O perito particular, analisando a constatação do DENASUS de que constaria dos documentos certidão positiva de débitos com efeito de negativa (em relação à empresa vencedora do Convite n. 02/2000) datada de seis dias depois da realização da
licitação, da homologação e da adjudicação de seu objeto, como também que a mesma empresa teria apresentado certidão com a mesma data do convênio anterior, mas em papel sem o timbre da previdência social (Convite n. 01/2001), limitou-se a repetir o
texto do exame referente ao Convite n. 001/2000, sobre a dispensabilidade, pela CPL e no momento da habilitação, de documentos meramente cadastrais e a igualdade de valor entre certidões negativas e positivas com efeito de negativas.
18.2.8 O perito ainda examinou constatação do DENASUS, no sentido de que, malgrado tenha a empresa M. Albuquerque Cia Ltda. apresentado menor preço para o item Complexo B Xarope, a compra teria sido efetuada à empresa Antônio Vieira de Queiroz - ME.
Atribui o fato à falta de experiência e à inexistência dos sistemas computacionais de controle, traduzindo "mera troca diante dos inúmeros itens listados no referido processo".
18.2.9 Pode-se observar que algumas "irregularidades" apontadas no relatório do DENASUS se apresentaram com tal gravidade que o perito particular sequer fez menção em tentar apresentar-lhes uma justificativa (como fizera acerca de outros pontos), a
exemplo da certidão com data posterior à realização da licitação.
18.2.10 Analisando o relatório do DENASUS e os documentos que o instruem, em relação ao Convênio n. 217/2000, consta o seguinte (apenso 4, f. 28): "Da análise das relações ou anotações de medicamentos e materiais médico-hospitalares doados à Apamim,
constatamos que não há comprovação de distribuição a pacientes ou para outras entidades de vários itens dos produtos adquiridos no montante de R$ 26.849,90 (vinte e seis mil oitocentos e quarenta e nove reais e noventa centavos) conforme Anexo II". Em
outro ponto (f. 29): "A fundação apresentou à equipe listagens de medicamentos e de material de consumo hospitalar doados a diversas entidades/associações, medicamentos injetáveis e de consumo hospitalar, sendo que as mesmas não prestam atendimento
médico". "Das visitas às entidades/associações de acordo com as declarações dos presidentes, afirmaram não ter recebido estes medicamentos e a falta de critérios da fundação para estas distribuições, concluímos que houve montagem destas relações com o
intuito de justificar as aquisições." "Não foi entregue a equipe de auditoria a relação de doação feita para a Apamin relativa a este convênio. Constatamos que apenas 10% dos medicamentos deste convênio foram distribuídos, anexo VIX [sic]".
18.2.11 Nesse mesmo relatório pode-se constatar que foram admitidas em processo licitatório de Carta-Convite - que pressupõe o envio de cartas pela Administração a licitantes previamente cadastrados - três empresas com mesmo nome de fantasia (Droga
Nossa) e mesmos proprietários (indicativo de direcionamento do processo licitatório).
18.2.12 A sentença retratou fielmente o quadro apresentado pelo DENASUS e, alicerçada pelos documentos que o instruíam e pelos depoimentos prestados em juízo, concluiu pela comprovação da prática de desvios dos recursos federais do convênio a partir de
fraudes em licitação e contratos, tudo com a atuação dos acusados (membros da CPL, particulares e integrantes da Fundação). A CPL era formada pelos acusados ALEX MOACIR DE SOUSA PINHEIRO, VÂNIA MARIA AZEVEDO MOREIRA e GILMAR LOPES BEZERRA, secretariando
os trabalhos a acusada VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA.
18.2.13 Nesse particular ponto, consta que cheques apresentados com a prestação de contas apresentariam os nomes dos licitantes vencedores como destinatários, em dissonância com a via fornecida pelo Banco do Brasil, que apresentava terceiros como
destinatários, o que comprovaria a fraude na formação dos autos de prestações de contas. Nesse sentido, a sentença refere o depoimento de empregada da COMARQUES, de JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES, no sentido de que sacava os cheques na boca do caixa e
repassava o produto ao acusado FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO. Da mesma forma em relação a Miguel Pinto Barra, que trabalhava com operações de factoring. Também nesse ponto, o depoimento de Antônio Vieira de Queiroz é muito interessante, eis que,
afirmou jamais ter participado de licitação junto à Fundação, negou reconhecer as assinaturas nos recibos que lhe foram apresentados e que sequer realizou vendas no montante das NFs que lhe mostraram e, apesar disso, sua empresa figurava como vencedora
do Convite n. 001/2001. O recebimento das mercadorias teria sido atestado por ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO.
18.3 CONVÊNIO N. 203/2001.
18.3.1 Sobre a Tomada de Preços n. 01/2001, o parecer refere que o relatório do DENASUS teria constatado as seguintes irregularidades: a não realização de pesquisa de preços; edital não registra local e data de entrega dos medicamentos e materiais de
consumo; despacho de publicação da licitação, emitido pelo presidente da CPL, não estaria assinado e a data de emissão seria de 03/09/2002, a data de realização da licitação seria de 28/09/2000, quando a TP foi realizada em 28/09/2001; ausência de
exigência de identificação para retirada do edital; protocolo de entrega dos editais não registraria CNPJ da empresa, identificação dos signatários pela retirada e meio de comunicação com os membros; das quatro empresas que retiraram o edital apenas
duas compareceram e a ata não identifica os representantes das empresas, registrando apenas que eles se identificaram, constando procuração apenas do representante da empresa Protomédica Produtos Hospitalares Ltda.; na documentação da empresa Diprofarma
não consta indicação do representante para a licitação; após a adjudicação em out. 2001, celebrou-se um termo aditivo em 08 jan. 2002 (em valor superior a R$40mil com Diprofarma) e o Convite n. 002/2002 (valor superior a R$64mil) em 24 jan. 2002; não
foram firmados contratos com as empresas vencedoras; em relação ao termo aditivo com a empresa Diprofarma, tem-se que foi celebrado em 08 jan. 2002, tendo a empresa supostamente apresentado Certificado de Regularidade do FGTS emitido em 15 jan. 2002,
sendo que o anterior tivera validade até 29 set. 2001, e apresentado ainda Certidão Negativa de Débitos estaduais em 15 jan. 2002, sendo que a anterior tivera validade até 13 out. 2001; o valor do termo aditivo em questão teria passado de R$40.926,39
para R$53.254,39, traduzindo o acréscimo (R$12.328,00) valor referente à NF 0001293, de 30 jan. 2002, da empresa Diprofarma, aumento que não conta com justificativa nos documentos apresentados pela Fundação; os valores unitários da aquisição no termo
aditivo seriam superiores aos valores cotados na tomada de preços, inclusive em comparação com os de outra empresa; ocorre que, comparando esses números com os dos produtos afirmados como entregues, constatou-se que os valores unitários seriam os
mesmos, mas as quantidades haviam sido alteradas para se resultar no mesmo valor de R$40.926,39 e, com o acréscimo de 16 itens, o valor subiu para R$53.254,39.
18.3.2 Sobre o Convite n. 002/2002, as seguintes irregularidades: pesquisa de preços não informaria a empresa consultada; o edital não especificaria local nem prazo para a entrega dos medicamentos; o protocolo de entrega dos convites não registraria o
CNPJ das empresas, nem a identificação dos signatários; as propostas não teriam a identificação nem a assinatura do responsável pela proponente; valores unitários superiores aos praticados na Tomada de Preços e termo aditivo; não fora celebrado contrato
com a empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda.).
18.3.3 Sobre a primeira dispensa de licitação, as seguintes irregularidades: a dispensa foi autorizada pelo presidente da Fundação em 04 fev. 2002, no valor de R$ 3,1mil, não constando relação de medicamentos a serem adquiridos, sendo favorecida a
empresa M. Albuquerque e Cia Ltda.; a dispensa foi autorizada em 04 fev. 2002, tendo sido emitida a nota fiscal, pago o valor e recebido a mercadoria em 04 mar. 2002.
18.3.4 Sobre a segunda dispensa de licitação, as seguintes irregularidades: dispensa autorizada pelo presidente da Fundação em 13 fev. 2002, no valor de R$202,21, para a aquisição de medicamentos junto à empresa M. Albuquerque e Cia. Ltda.; a dispensa
foi realizada em 13 fev. 2002, emitida a NF em 27 mar. 2002, sendo que os carimbos de certidão e de atestado de recebimento do material e o visto de pague-se seriam datados de 13 fev. 2002; posteriormente a empresa teria retificado a NF.
18.3.5 Afora referir-se às constatações do DENASUS como erros materiais e formais, o perito nada explica acerca dos questionamentos sobre as datas das certidões negativas apresentadas ao ensejo do aditivo contratual, limitando-se a dizer "que não há
impedimentos legais para entrega de novos documentos na fase de aditamento contratual". No que diz respeito às modificações dos valores unitários, inicialmente, e dos quantitativos, posteriormente, resultando no mesmo valor, limitou-se a dizer que o
fato não implicou dano ao erário.
18.3.6 Com base nesse parecer, o recorrente afirma ter ficado comprovado que nenhum dos acusados teria se locupletado de patrimônio público, agindo, no máximo, com culpa dada sua inexperiência e, mesmo assim, sem causar dano ao erário. Afirmou ainda que
suas alegações seriam corroboradas pelos depoimentos de Maria das Graças Montenegro, Katia Maria e Elione Rodrigues. Na verdade, nem o afirmado "parecer técnico" do perito da defesa infirma as conclusões do DENASUS, nem são suficientes a isso os
referidos depoimentos. O parecer simplesmente não nega as constatações de fato afirmadas pelo DENASUS e que, ao fim e ao cabo, serviram de base para a sentença penal condenatória recorrida, mas procura revalorar esses fatos, trazendo argumentos para
tentar justificar as condutas que resultaram nos fatos ali constatados. Evidência disso é que, não raro, o parecerista se manifesta sobre questões jurídicas, apesar de a proposta ser de um parecer contábil que servisse como prova sobre fatos, não para
acrescer argumentos jurídicos aos trazidos pelo recorrente. Já os depoimentos referidos não servem à defesa, uma vez que, posteriormente, os próprios órgãos de controle decidiram por realizar nova auditoria nos convênios, o que resultou nas constatações
vertidas no relatório do DENASUS e que instrui a presente ação penal.
18.3.7 Acerca da materialidade do crime de peculato, consta de relatório do DENASUS (apenso 1, f. 34), relativamente ao Convênio n. 203/2001: "Do levantamento na relação de medicamentos destinados às entidades/associações constatamos a distribuídos
[sic; provavelmente: distribuição] de apenas o valor de R$ 14.033,32 (quatorze mil e trinta e três reais e trinta centavos). Portanto, não foi comprovado em estoque como distribuído o valor de R$ 466.645,60 (quatrocentos e sessenta e seis mil e
seiscentos e quarenta e cinco reais e sessenta centavos), conforme Anexo X." "Das visitas às entidades/associações de acordo com as declarações dos presidentes, afirmaram não ter recebido estes medicamentos e a falta de critérios da fundação para estas
distribuições, concluímos que houve montagem destas relações com o intuito de justificar as aquisições".
18.3.8 No particular caso da Tomada de Preços 001/2001, consta da sentença, conforme relatório do DENASUS, que a entrega dos medicamentos teria ocorrido dois dias antes da adjudicação e da homologação do certame, inclusive com emissão e pagamento de
três cheques no valor de R$120 mil, sendo atestado o recebimento das mercadorias no mesmo dia.
18.3.9 Em relação a esse convênio (mas não apenas em relação a ele), constataram-se propostas de preços não assinadas e a ausência de identificação do representante legal da empresa supostamente vencedora, aspectos que apontam para uma mal-sucedida
montagem de processo licitatório. Os membros da CPL, no caso, eram os acusados MANUEL ALVES DO NASCIMENTO FILHO, VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA e MARIA SALETE SILVA.
18.3.10 A sentença registra que se constatou terem sido emitidos - com dinheiro do convênio e em suposto pagamento a licitantes vencedores - cheques em favor dos acusados MANOEL ALVES DO NASCIMENTO FILHO e ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO, sendo que, de
acordo com a prestação de contas apresentada pela FUNDAÇÃO, os mesmos cheques teriam sido emitidos em favor da empresa M. ALBUQUERQUE LTDA. Os cheques foram assinados pelos acusados FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA.
19. Os recorrentes VALNEY MOREIRA DA COSTA, GILMAR LOPES BEZERRA e VÂNIA MARIA DE AZEVEDO tecem alegações genéricas de ausência de prova de sua participação, do dolo e de prejuízo ao erário. Constam dos autos provas de que o acusado praticou as condutas
a ele atribuídas na denúncia, assinando cheques como tesoureiro da Fundação Vingt Rosado, emitindo-os em nome de pessoas diversas daquelas que, supostamente, teriam vencido os certames licitatórios, de maneira consciente e voluntária, conhecedor que era
do procedimento adotado por todos os demais integrantes da empreitada criminosa, sobretudo do presidente da Fundação, responsável direto pelo desvio dos recursos. O prejuízo ficou totalmente comprovado a partir do relatório do DENASUS, constatando-se
inclusive que os possíveis beneficiários relataram jamais ter recebido os medicamentos supostamente adquiridos. Suas alegações de falta de provas da conduta e do elemento subjetivo não encontram ressonância nos elementos de instrução contidos nos
presentes autos, como também não encontra a negação de prejuízo ao erário. Pelo mesmo motivo não é possível aplicar-lhe o princípio do in dubio pro reo, eis que não há dúvida no exame das provas, mas juízo de certeza sobre a autoria e materialidade dos
crimes.
20. A conduta atribuída aos acusados e devidamente comprovada compreende a associação de mais de três pessoas para a prática de diversos crimes em determinada extensão temporal. No caso dos autos, os acusados praticaram diversas condutas classificáveis
como crimes (fraudes na realização de licitações, contratações e prestações de contas relativamente a cada um dos três convênios, falsificações documentais e ideológicas etc.) ao longo da vigência dos convênios (de 1999 a 2003), com estabilidade,
divisão de tarefas e organização, sempre voluntária e conscientemente. A condenação pelo crime de quadrilha, portanto, não merece reforma.
21. O recorrente alega que a norma do CP, art. 327, parágrafo 1º, em sua redação atual - dispositivo responsável pela equiparação a funcionário público de quem "exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa
prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública" - teria sido publicada no DOU em 17 jul. 2000, de modo que os fatos relacionados aos convênios celebrados em 1999 e 2000 não poderiam ser
enquadrados como peculato. Considerando que os repasses do Convênio n. 217/2000 ocorreram de set. 2000 a fev. 2001, e que a referida lei foi publicada em jul. 2000, apenas aos dois últimos convênios ela se aplicaria, deixando de fora o primeiro
(Convênio n. 412/1999). Ocorre que, tendo entendido pela continuidade delitiva, o juízo sentenciante aplicou apenas uma das penas, aumentada em 1/5 (um quinto), patamar muito próximo do mínimo (1/6), em conta da quantidade de delitos (três crimes de
peculato). A continuidade delitiva só foi possível porque os crimes eram da mesma espécie, ou seja, crimes contra a administração. Afastando-se a incidência do CP, art. 327, parágrafo 1º, sobre os repasses do primeiro convênio, os fatos ali praticados,
em tudo e por tudo similares aos demais, se reenquadrariam como estelionato majorado (CP, art. 171, parágrafo 3º), crime contra o patrimônio e, portanto, de espécie diversa do peculato. A consequência disso seria que os crimes continuados de peculato
teriam as penas recalculadas, reduzindo-se o acréscimo de 1/5 para um 1/6, mas teriam que ser somadas à punição do crime de estelionato majorado (CP, art. 171, parágrafo 3º) em razão do concurso material de crimes (CP, 69), o que implicaria severo
prejuízo para o acusado. Por conta disso, para o caso concreto, a retroatividade da Lei n. 9.983/2000 é benéfica ao acusado, permitindo que os fatos praticados em razão do primeiro convênio sejam absorvidos pela continuidade delitiva.
22. No que diz respeito à alegação de ausência de prova de apropriação ou vantagem pessoalmente obtida, é de se registrar que o crime de peculato, na forma do art. 312, caput, 2ª parte, do Código Penal, também se consuma a partir da conduta dolosa que
acarreta o desvio em favor de terceiros, configurando o chamado peculato-desvio. No caso dos autos, há provas suficientes de que os acusados simularam procedimentos licitatórios e falsificaram documentos, inclusive notas fiscais e recibos de entrega de
mercadorias, com a finalidade de desviar os recursos federais transferidos de sua finalidade conveniada.
23. A fixação na sentença penal condenatória de valor mínimo para a indenização do prejuízo causado à vítima, de acordo com o CPP, art. 387, IV, com redação da Lei n. 11.719/2008, tem sido considerada medida gravosa ao réu, submetida ao princípio da
irretroatividade em relação ao fato. Desse modo tem entendido o E. TRF da 5ª Região. Nesse sentido: ACR 00017041920144058201, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Primeira Turma, DJE 15/06/2018 - Pág. 98; ACR 00096297020104050000,
Desembargador Federal Cid Marconi, TRF5 - Terceira Turma, DJE 16/11/2015 - Pág. 50. O pleito recursal de exclusão da fixação de valor mínimo para a condenação deve ser acolhido e, tratando-se que questão não estritamente pessoal, a providência deve
alcançar todos os acusados.
24. Impossível a desclassificação do crime de peculato para peculato culposo. De fato, o desenho da conduta dos acusados revela plena consciência e vontade, não apenas da conduta em si, mas de seus efeitos materiais e jurídicos e mesmo de sua relevância
penal. Não houve, assim, mera colaboração pontual e isolada por "descuido" ou "desatenção", mas a prática plúrima de condutas que, ao longo de três anos, conduziam ao desvio de recursos públicos federais de seu objeto conveniado em proveito particular,
tudo a partir do sofisticado expediente de falsificarem-se certames licitatórios inteiros e dispensas de licitação, além de prestações de contas aos órgãos competentes. A consciência e vontade despontam da forma como as condutas foram praticadas, não
podendo haver dúvida sobre sua presença no caso em tela.
25. Impossível a aplicação do princípio da consunção para que o peculato absorva o crime de quadrilha. Entre os crimes de quadrilha (CP, 288) e peculato (CP, 312) não existe a relação de "meio necessário" essencial à aplicação do princípio da consunção.
Note-se que apenas teria aplicação ao caso o princípio da consunção se, além dessa relação de meio necessário, a quadrilha não tivesse qualquer potencial residual além do peculato em si, o que também não é correto afirmar, seja aprioristicamente, seja
levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto. Em se acolhendo a tese recursal, jamais seria o delito de quadrilha punido: sendo elemento do tipo a associação de mais de três pessoas com o objetivo de cometer crimes, a prática desses crimes
sempre absorveria a quadrilha formada com o objetivo de praticá-los. Nesse sentido: HC 201000896960, MOURA RIBEIRO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 21/05/2014.
26. Impossível a aplicação do concurso formal entre quadrilha e peculato. Embora os fatos tenham lugar na mesma extensão temporal, não se pode afirmar que seja sempre uma e a mesma conduta que preencha os elementos do tipo de um e outro delito. O crime
de quadrilha se consuma a partir da associação relativamente estável de mais de três pessoas (redação do CP, 288, na época do fato) com o objetivo de cometer crimes, independentemente das condutas que poderão configurar os crimes a praticar. Não há,
portanto, a prática de dois crimes com uma só conduta, requisito inerente à configuração do concurso formal. Precedentes: ACR 200683000081762, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::16/06/2009 - Página::222 - Nº::112;
ACR 200680000046720, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::09/04/2008 - Página::1330 - Nº::68.
27. Impossível a desclassificação do crime de peculato para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93 (fraude a licitação). As condutas dos acusados, sobretudo dos integrantes das comissões de licitação, se amoldam com perfeição ao tipo do CP,
art. 312, eis que a conduta de simulação de certames licitatórios inexistentes não se confunde com práticas subversivas da competitividade de certame licitatório realmente existente. No caso, a "fabricação" das licitações caracterizava-as como ato
simulado, não como simulações da competição em licitações reais cujo caráter competitivo teria sido frustrado pelo réu. Assim sendo, toda sua conduta era o instrumento consciente e voluntário da prática dos desvios que configuravam os crimes de
peculato. O fato de executar apenas parte do tipo é irrelevante, desde que sua intenção seja atuar para o sucesso do crime globalmente considerado, no caso, o peculato.
28. Quanto à dosimetria das penas aplicadas, apenas em relação à pena aplicada a VALNEY MOREIRA DA COSTA, a dosimetria precisa ser refeita para, excluindo-se o fundamento de que o acusado teria coordenado o esquema criminoso com FRANCISCO DE ANDRADE
SILVA FILHO (o que não parece encontrar suporte probatório suficiente) e mantendo-se as demais condições, fixar-se-lhe, pelo crime de peculato: a) pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão; b) pena de
multa de 112 (cento e doze) dias-multa; e, pelo crime de quadrilha: pena privativa de liberdade de de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão. Mantidas as demais condições. O aumento da pena com base no art. 71 do CP foi perfeitamente justificado,
sobretudo por ter sido fixado no mínimo. Todos os demais acusados tiveram penas correta e proporcional definidas e aplicadas, nada havendo que reformar nesse aspecto.
29. O recurso de MARIA EROTILDES DE MELO merece provimento integral.
29.1 O juízo sentenciante entendeu provadas autoria e materialidade em relação a MARIA EROTILDES DE MELO no que diz respeito ao fornecimento de notas fiscais e recibos falsos para falsa comprovação de fornecimento e recebimento de mercadorias. Os
cheques referentes a tais aquisições teriam sido emitidos nominalmente a pessoas diversas da acusada e de sua empresa. Em juízo, a acusada disse que nunca participou de licitação nem recebeu cheque da Fundação Vingt Rosado, que não reconhecia as letras
nas NFs nem as assinaturas dos recibos. Apesar disso, afirmou que as NFs não seriam fraudulentas porque a compra e venda existiu, tendo sido devidamente pagas.
29.2 O depoimento se harmoniza aos documentos constantes dos autos (NFs, recibos, cheques etc.) e não sugere, ao contrário do que consta da sentença, que tenha sido a autora ou alguém a seu serviço a falsificá-los. Converge, inclusive, para a afirmação
de que os cheques eram normalmente emitidos pela Fundação em nome de terceiros estranhos aos supostos vencedores das licitações, que os descontavam e devolviam o dinheiro. Ao afirmar que não assinou os recibos, não preencheu as NFs e que nunca recebeu
cheque da Fundação e que sequer participou de licitação, mas que forneceu as mercadorias, a acusada descreve o que teria sido uma venda direta, sem licitação, não me parecendo que devesse saber que a venda a uma fundação privada dependesse de licitação.
29.3 Harmoniza também com as constatações do DENASUS de que algum percentual das mercadorias supostamente adquiridas, no fim das contas, foi recebido e entregue pela Fundação, de modo que a existência de operações comerciais reais - a despeito de
fundamentadas em licitações simuladas, documentos falsificados e retratadas em prestações de contas fraudulentas - está em sintonia com a tese aceita pela sentença. Provimento da apelação de MARIA EROTILDES DE MELO para, reformando a sentença, julgar
improcedente a denúncia.
30. Com exceção da situação de MARIA EROTILDES DE MELO e ressalvados os ajustes já registrados acima, em suma, tem-se que a sentença, livre de quaisquer nulidades processuais, reconheceu adequadamente a comprovação de autoria e materialidade dos crimes
de peculato (CP, 312) praticados em continuidade delitiva (CP, 71) e quadrilha (CP, 288), praticado em concurso material com os primeiros (CP, 69). Além disso, reconheceu, com base nos elementos de prova constantes dos autos, a autoria dos delitos acima
em relação a cada um dos acusados, individualizando-lhes a colaboração, caracterizando-lhes a natureza consciente e voluntária da conduta, fundamentando adequadamente todas as suas conclusões. Deve ser reformada unicamente para absolver-se MARIA
EROTILDES DE MELO, para ajustar-se as penas aplicadas a VALNEY MOREIRA DA COSTA, para afastar-se a fixação do valor mínimo de indenização à vítima e para declarar a extinção da punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados referidos no
tópico pertinente.
31. CONCLUSÃO: Apelações conhecidas para, no mérito:
a) Por maioria, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação do MPF, vencido o Desembargador Federal Leonardo Coutinho, que lhe dava parcial provimento para julgar procedente a denúncia contra o acusado LAÍRE ROSADO FILHO. A Turma, por
unanimidade, deferiu ainda o pedido do MPF de declaração da extinção da punibilidade pela prescrição do crime de quadrilha em relação a todos os acusados, com exceção de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA;
b) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo causado à vítima, providência que se estende a todos os
acusados dado seu caráter objetivo;
c) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de VALNEY MOREIRA DA COSTA para lhe refazer a dosimetria da pena, fixando-lhe pena privativa de liberdade no montante consolidado de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 10
(dez) dias de reclusão, mantidas todas as demais condições, e pena de multa de 112 (cento e doze) dias-multa, mantido o valor do dia-multa;
d) Por maioria, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Leonardo Coutinho, dar integral provimento à apelação de MARIA SALETE SILVA para, reformando a sentença, julgar improcedente a denúncia, vencido o relator, que lhe dava parcial
provimento apenas para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima;
e) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de VÂNIA MARIA DE AZEVEDO;
f) Por maioria, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de VERA LÚCIA NOGUEIRA para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima, vencido o Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, que lhe dava
provimento em maior extensão para declarar a extinção da punibilidade pela prescrição em relação a todos os crimes;
g) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima;
h) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar integral provimento à apelação de MARIA EROTILDES DE MELO para, reformando a sentença, julgar improcedente a denúncia;
i) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de GILMAR LOPES BEZERRA;
j) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO;
k) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de MANUEL ALVES DO NASCIMENTO para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. PECULATO. QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO. CONVÊNIOS. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS. LICITAÇÕES FRAUDULENTAS. DOCUMENTOS, NOTAS FISCAIS, RECIBOS. PRESTAÇÕES DE CONTAS. FALSIFICAÇÕES. LAVAGEM DE DINHEIRO NÃO CONFIGURADA. CRIMES DE
PECULATO EM CONTINUIDADE DELITIVA. QUADRILHA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO DO CRIME DE QUADRILHA PELA PENA APLICADA PARA PARTE DOS ACUSADOS. ABSOLVIÇÃO DE UMA ACUSADA. AFASTAMENTO DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO
PARA INDENIZAÇÃO DA VÍTIMA. DOSIMETRIA DA PENA. REFORMA EM RELAÇÃO A UM ACUSADO. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSOS IMPROVIDOS E RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Tratam os presentes autos de recursos de apelação criminal interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos acusados Francisco de Andrade Silva Filho, Valney Moreira da Costa, Alex Moacir de Souza Pinheiro, Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de
Azevedo Moreira, Manuel Alves do Nascimento Filho, Vera Lúcia Nogueira Almeida, Maria Salete Silva, Joacílio Ribeiro Marques e Maria Erotildes de Melo contra sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido: a) proferiu sentença penal
condenatória de dez acusados por crimes de peculato (CP, 312) em continuidade delitiva (CP, 71); b) proferiu sentença penal condenatória de sete acusados por formação de quadrilha (CP, 288), aplicando a regra do concurso material (CP, 69); c) absolveu
todos os acusados do crime de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/98); d) absolveu, por falta de provas, dois acusados da imputação de peculato e um da imputação de quadrilha; e) declarou a extinção da punibilidade pela prescrição em relação ao crime de
quadrilha em relação a dois acusados; f) fixou valor mínimo para indenização do prejuízo; g) concedeu aos réus o direito de apelar em liberdade.
2. Em sua denúncia, dizia o MPF que, entre os anos de 1999 a 2001, a União, através dos Convênios n. 412/99, 217/00 e 203/01, se obrigou a repassar à Fundação Vingt Rosado a quantia de R$800mil para a aquisição de remédios e alimentos para a população
carente de Mossoró e região. Os dirigentes da fundação, em conjunto com membros das comissões de licitação e particulares, teriam desviado os recursos em proveito próprio, valendo-se da simulação de procedimento licitatório, da apresentação de notas
fiscais e recibos falsificados, adulteração de espelhos de cheques e prestações de contas fraudulentas. Da sentença recorreram, além do MPF, os acusados Francisco de Andrade Silva Filho (que era , Valney Moreira da Costa, Alex Moacir de Souza Pinheiro,
Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de Azevedo Moreira, Manuel Alves do Nascimento Filho, Vera Lúcia Nogueira Almeida, Maria Salete Silva, Joacílio Ribeiro Marque e Maria Erotildes de Melo.
3. MPF junto ao TRF5 requereu a declaração de extinção da punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados com exceção de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e de VALNEY MOREIRA DA COSTA. Alega que todos receberam penas de até um ano e seis meses
e o máximo a que chegariam se provido o recurso do MPF não ultrapassaria dois anos, implicando prescrição pela pena aplicada em quatro anos. Como já se teria ultrapassado esse lapso temporal entre o encerramento da estabilidade da quadrilha (2003) e o
recebimento da denúncia (2008), o crime estaria prescrito. Tem razão o MPF. Declara-se extinta a punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados Alex Moacir de Souza Pinheiro, Gilmar Lopes Bezerra, Vânia Maria de Azevedo Moreira, Vera Lúcia
Nogueira Almeida e Joacílio Ribeiro Marques pela prescrição com base na pena aplicada (CP, art. 109, V, c/c 110, caput e parágrafo 1º).
4. O MPF afirma que LAÍRE ROSADO FILHO, então deputado federal e valendo-se dessa condição, destinou recursos para a Fundação Vingt Rosado "já no intento de proceder ao desvio em análise". A despeito de retraçar todos os passos do esquema criminoso, o
MPF não indica, contudo, quaisquer elementos de prova que confirmem esse "intento de proceder ao desvio em análise", menos ainda que o referido acusado, afora o trabalho para destinação de recursos (inerente ao trabalho parlamentar), tenha praticado
qualquer conduta para o desvio ou a apropriação desses recursos. A mera circunstância ser o autor das emendas parlamentares que destinaram recursos à Fundação não atribui automática responsabilidade pelos fatos ocorridos na condução dos trabalhos da
fundação. Sentença mantida.
5. O MPF pede a revaloração da circunstância judicial do comportamento da vítima (CP, 59), alegando que deva ser valorada negativamente nos casos em que a vítima não tenha colaborado com o crime. A vítima, no caso, é a União, que, de fato não colaborou
para a prática criminosa. Tese que, se admitida, implica que todos os crimes praticados contra entes públicos devam implicar valoração negativa dessa circunstância, conclusão não autorizada pelo ordenamento jurídico. O comportamento da vítima é uma
circunstância judicial de preponderante potencial favorável ao acusado. Naqueles casos em que o comportamento da vítima tenha colaborado para prática criminosa, essa culpabilidade compartilhada deve amenizar o peso da culpabilidade do acusado, servindo
de contrapeso à primeira entre todas as circunstâncias judiciais. Diversamente do que diz o MPF, o comportamento da vítima pode ser neutro na avaliação do juiz na primeira fase de fixação da pena. Sentença mantida.
6. A extinção da punibilidade do crime de quadrilha pela prescrição em razão da pena em concreto não se aplica aos acusados FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA. A prescrição com base na pena em concreto depende do trânsito em
julgado da sentença para a acusação, o que não ocorreu nesse caso, já que o MPF recorreu pugnando pela revaloração do comportamento da vítima como circunstância negativa para a fixação da pena-base também em relação ao recorrente. Como esse aspecto da
sentença não transitou em julgado para a acusação, sua pena aplicada poderá, em tese e de acordo como recurso do MPF, superar os dois anos (o que não acontece com os demais acusados), o que conduziria o prazo prescricional para oito anos. Todos esses
fatores impedem, no caso concreto, a análise da prescrição do crime de quadrilha para o recorrente com base na pena em concreto. Sentença mantida.
7. É dever do juízo determinar às partes a regularização da relação processual, extirpando os defeitos e irregularidades sanáveis a todo tempo. A idoneidade da relação processual para seguir a sua marcha até a sentença final é questão de interesse da
jurisdição tanto quanto das partes. Em vista disso, intimação do MPF para emenda da denúncia não viola os princípios acusatório, da inércia da jurisdição ou do devido processo legal, ainda mais quando em momento anterior ao recebimento da denúncia.
8. A substituição de testemunha, mediante requerimento fundamentado, é providência tão comum quanto natural no processo penal, direito acessível a qualquer das partes no processo. Considerando a possibilidade de oitiva de testemunhas convocadas pelo
próprio juízo, resguardado o direito à contradita das partes, a oitiva de testemunhas não arroladas na denúncia não é, ipso facto, causa de nulidade do processo, especialmente se a prerrogativa da contradita é respeitada na audiência. Assim, não causa
nulidade decisão que defere substituição de testemunha a requerimento da acusação, especialmente se garantido o direito à contradita. Precedente da Quarta Turma do TRF5: HC 00147747320114050000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta
Turma, DJE - Data::01/03/2012 - Página::364.
9. A alegação de que a dispensa da oitiva das testemunhas Ênio Henrique Bezerra e Raimundo Dias causaria nulidade em razão da essencialidade de seus depoimentos para a busca pela verdade real é totalmente contraditória com o fato de que nenhum dos
acusados arrolou, em suas defesas, ditas testemunhas. Se entendiam - realmente - que seus depoimentos seriam essenciais, natural que pelo menos um entre todos os acusados as tivesse indicado em sua defesa para oitiva em juízo. Em vez disso, não fizeram
a indicação e, tendo sido dispensadas pelo MPF, passou-se-lhes a exigir o depoimento, o que configura comportamento contraditório no processo (venire contra factum proprium non potest) e violação ao princípio da cooperação. Além disso, em momento algum
o recorrente demonstra em que consistiria a essencialidade dos depoimentos dessas testemunhas, não comprovando, assim, qualquer prejuízo a partir de sua dispensa. Sobre a dispensa de testemunhas inicialmente arroladas pela acusação, a jurisprudência do
STJ "é firme em assinalar que a dispensa de testemunha da acusação independe da concordância da defesa" (REsp 942.407/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 23/09/2015).
10. Alega-se nulidade da decisão que indeferiu o pedido de reinquirição de Antônio Vieira de Queiroz. Alegava que a má qualidade da videoconferência não permitiu o reconhecimento pelo depoente de sua assinatura em documento. O juízo fundamentou
corretamente o indeferimento do pedido afirmando que nenhuma das partes havia questionado a autenticidade do documento em causa, nem aventado a necessidade de contato pessoal do depoente com o documento, pelo que lhes caberia ter, a tempo e modo,
apontado ao juízo a respectiva necessidade, não podendo pretender paralisar e mesmo retroceder a marcha do processo em razão de omissões que apenas a si poderiam ser atribuídas. Além do mais, diz o juízo que os acusados não teriam logrado demonstrar
prejuízo em termos probatórios a partir do indeferimento.
11. Alega-se ainda nulidade da decisão que indeferiu pedido da defesa de quebra de sigilo fiscal da Drogaria Lizziane, corretamente indeferido pelo juízo sob o fundamento de que a Drogaria Lizziane sequer é parte no processo, de modo que não haveria
sentido algum em se lhe decretar a quebra de sigilo fiscal. O responsável pela empresa negou participação na licitação, fornecimento de medicamentos à Fundação e recebimento de cheques ou assinatura de recibos. Também em relação a tal diligência, os
acusados nem lhes provam a imprescindibilidade, nem tampouco o prejuízo em termos probatórios causados pela decisão de indeferimento, não sendo suficiente, por óbvio, simplesmente requerer determinado meio de prova sem demonstrar sua pertinência,
viabilidade e, sobretudo, utilidade para o processo.
12. A ausência do interrogatório do acusado não causa nulidade se o juízo lhe houver garantido a oportunidade de ser ouvido em audiência, não sendo possível à defesa alegar que a audiência para tal designada se estendeu além do horário de expediente
como motivo para ausentar-se o acusado e exigir do juízo designação de nova data. De fato, "[s]erão concluídos após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano" (art. 212, parágrafo 1º,
com redação similar no CPC/73, art. 172, parágrafo 1º). Caberia ao recorrente manter-se presente na audiência e, se eventual causa de força maior lhe tornasse impossível ficar, deveria seu advogado comprová-lo nos autos, não podendo simplesmente erigir
o horário de expediente judiciário ou a regra processual civil da prática de atos processuais como fundamento para exigir novo agendamento de audiência, com toda a mecânica de preparação, intimação e execução que o ato requer num processo com a
quantidade de réus e advogados que tem o presente feito.
13. Alega-se nulidade em razão da averbação de suspeição do juiz da causa por motivo de foro íntimo. Ora, o que poderia invalidar o processo seria a atuação de um juiz suspeito de parcialidade, nunca o contrário. O recorrente, em momento algum, comprova
prejuízo a partir da averbação de suspeição do juiz, sendo certo que os motivos de foro íntimo não precisam ser expostos pelo juiz, nem podem ser dele cobrados. Da mesma forma, averbação superveniente de suspeição por motivo de foro íntimo não invalida
o processo, nem mesmo os atos processuais anteriores à averbação, como, aliás, já decidido no STJ: RHC 201301613102, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 06/11/2017.
14. A afirmação de nulidade com a utilização de provas ditas "inquisitivas" para a condenação é matéria que depende do exame sobre a valoração dada pelo juízo sobre as provas e, por isso, respeita ao mérito. Considerando-se que há provas objetivamente
irrepetíveis, não se pode, aprioristicamente, excluir a admissibilidade em juízo de meios de provas produzidos em estágio pré-processual. Nesse contexto, os relatórios de auditoria de órgãos e entidades de controle de contas (CGU, TCU etc.) são
documentos elaborados por técnicos, servidores públicos cujos atos são dotados de fé pública. O resultado da auditoria através do relatório submete-se ao crivo do contraditório em juízo, podendo as partes, inclusive, requerer a intimação de técnicos
como testemunhas (quando demonstrada a necessidade e utilidade do depoimento), bem como apresentar outros elementos de prova que infirmem as conclusões ali constantes. Não existe, portanto, prejuízo à defesa, uma vez que se trata de prova irrepetível
(não se realizará nova auditoria no curso do processo) e suas conclusões são assim consideradas pelo juízo.
15. Alega-se nulidade por violação ao princípio da identidade física do juiz, afirmando-se que o magistrado sentenciante teria desconsiderado decisão de magistrado anterior e julgado o mérito da causa sem considerar parecer técnico juntado pela defesa,
atendo-se a anterior decisão que havia indeferido pedido de diligências complementares de alguns acusados. Eventual omissão do juízo sentenciante poderia ser corrigida com embargos declaratório. A diversidade entre os juízes sentenciante e instrutor só
causaria nulidade se o primeiro não tivesse acesso a todas as provas a que tivera o último, o que não ocorreu no caso: a alegação de omissão é sobre documento (parecer técnico) constante nos autos e acessível a qualquer juiz que assumisse a tarefa de
julgar a demanda. Não há sequer alegação de prejuízo nesse sentido, menos ainda prova de sua ocorrência.
16. Analisando-se a denúncia, pode-se observar que narra, com clareza e objetividade, todos os fatos em seus aspectos mais relevantes, individualizando em relação a cada um dos acusados seu papel no contexto geral dos fatos delitivos ali descritos,
viabilizando plenamente o exercício do direito de defesa. Não procede a afirmação de que a peça vestibular seria inepta, não permitindo ao acusado conhecer exatamente o fato de que deverá se defender. Não há, pois, cerceamento ao exercício do direito de
defesa e, portanto, nulidade alguma a declarar.
17. Alega-se nulidade de provas obtidas por requisição direta do MPF sem autorização judicial, consistentes em cheques e informações bancárias requisitadas diretamente a instituições financeiras. No caso dos autos, as requisições de informações e dados
realizadas pelo MPF se referiam a movimentações com recursos públicos federais, informações essencialmente públicas dado o princípio da publicidade. Não se pode argumentar com sigilo bancário em relação a verbas públicas, sobretudo quando se trata de
investigar possíveis crimes que envolvam apropriação e desvio desses recursos federais. Nesse sentido: AgInt no REsp 1650853/AL, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 10/11/2017.
18. A defesa juntou aos autos parecer técnico e documentos. Examinando o texto, pode-se ver que o perito particular, ao mesmo tempo em que admite os fatos constatados e registrados pelos técnicos do DENASUS, revalora-os para discordar das conclusões,
tecendo juízos de valor na linha da regularidade do comportamento adotado pelos demandados na prática dos atos a eles atribuídos. O perito tece juízos de valor ora sobre as intenções dos membros da CPL, ora sobre sua falta de capacidade técnica para os
atos. Se as boas intenções da administração da Fundação são salientadas, por um lado, quando o perito refere que foram designados servidores capacitados para a boa condução dos trabalhos de licitação e contratação, essa mesma administração é escusada,
por outro, quando o perito afirma a falta de capacidade técnica da Fundação para a realização de licitações (em argumento que tenho como sutilmente contraditório). O perito em questão analisa cada um dos convênios.
18.1 CONVÊNIO N. 412/99.
18.1.1 O perito constata: a) designação de CPL por quatro anos como violação à lei; b) as licitações não foram formalizadas em processo administrativo, autuadas, protocoladas e numeradas nos termos da Lei n. 8666/93; c) em nenhuma das licitações houve
pesquisa de mercado; d) a autorização sem assinatura do presidente da Fundação (o que ocorreu em todas as licitações do Convênio n. 412/99); e) ausência de identificação dos responsáveis pelas empresas que retiraram os convites; f) irregularidades nas
propostas de preços.
18.1.2 A despeito do argumento de que a ausência de identificação dos licitantes seria falha formal, sabe-se que a única garantia de que uma carta-convite tenha real publicidade (não sendo mera fraude com a emissão de cartas apenas a poucos e conhecidos
licitantes, já combinados sobre o vencedor) é a obediência às normas sobre identificação das empresas e respectivos representantes, não sendo suficiente mera assinatura sem a identificação completa, como ocorreu no caso concreto.
18.1.3 No que diz respeito às falhas apresentadas nas propostas, o perito remete novamente ao conceito de erros materiais ou formais por falta de conhecimento, ao mesmo tempo em que enumera as irregularidades de propostas de preço em cada uma das
licitações. O problema com esse pensamento é que as propostas são elaboradas pelas empresas, não pela CPL, de modo que o argumento pretende estender a falta de conhecimento dos membros da CPL também aos elaboradores das propostas de preços, como se
todos os personagens de todos os certames licitatórios analisados fossem desconhecedores das regras e exigências de licitações.
18.1.4 Consta do relatório do DENASUS e dos documentos que o instruem, no que diz respeito particularmente ao Convênio n. 412/1999 (apenso 6, f. 22), referência à inidoneidade da NF 00542 da empresa L. Ventura e Cia. Ltda., com registro cancelado desde
22 nov. 1997 (Portaria n. 046/97) segundo a Gerência de Fiscalização de Estabelecimento da Secretaria das Finanças do Estado da Paraíba (f. 485, apenso 8). A empresa que teria sido vencedora do Convite n. 004/1999 tinha por nome de fantasia "Metalúrgica
Borborema" e sua atividade principal era a "fabricação de outros produtos de metal". Consta ainda que a autorização para emissão do talonário n. 2165/98-RRGC-PB seria de responsabilidade da firma "A Casa do Colegial Maria Amélia Ltda.", sendo que o
número de CNPJ 08.965.584/0001-41 e a inscrição estadual n. 16.068.137-5 constantes da NF como sendo de "L. Ventura e Cia. Ltda." pertencem a "A Casa do Colegial Maria Amélia Ltda.". Consta ainda na NF que o transporte teria sido efetuado pela Fundação,
consistindo em volume considerável de caixas, sem carimbo de qualquer posto de fiscalização dos Estados de Paraíba e Rio Grande do Norte. Essa mesma NF teria sido paga com quatro cheques emitidos pelo acusado Francisco A. Silva Filho.
18.1.6 Consta ainda do relatório a constatação de que nenhum dos cheques teria sido emitido nominalmente aos vencedores da licitação, ou seja, os beneficiários que assinaram os recibos de quitação do pagamento dos valores correspondentes às NFs que
constam da prestação de contas (há quadro na f. 25, apenso 6). Também nesse relatório há informação sobre visitas às entidades/associações supostamente beneficiadas, com registro de não recebimento de medicamentos e da falta de critérios para sua
distribuição, além da ausência de entrega à equipe de auditoria da relação de doação feita pela Apamin, com a conclusão de que apenas 10% dos medicamentos teria sido distribuída. A sentença retrata todo esse panorama com exatidão. Traz um quadro
esquemático com cada uma das licitações realizadas, os licitantes vencedores e os valores pagos pelas supostas aquisições. Refere o pagamento à empresa L. Ventura e Cia. Ltda. Com NF ideologicamente falsa (como disse acima, a empresa estava desativada
desde 1997 e tinha como finalidade a fabricação de produtos de metal).
18.1.7 Consta ainda que as exigências legais relacionadas à habilitação dos licitantes foram dispensadas pelos membros da CPL, no caso, ALEX MOACIR DE SOUSA PINHEIRO, GILMAR LOPES BEZERRA e VÂNIA MARIA DE AZEVEDO MOREIRA. O atestado de recebimento das
mercadorias referentes à NF 00542, no valor de R$ 51.180,00, ficou a cargo da acusada VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA. Nesse contexto, as provas documentais e testemunhais tomadas em juízo comprovaram que sequer os cheques eram nominais aos vencedores, mas,
ao contrário, eram sacados por empregados a serviço da COMARQUES, de propriedade do acusado JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES, em benefício de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO.
18.2 CONVÊNIO N. 217/2000
18.2.1 O perito constata: a) licitações não foram formalizadas em processo administrativo, autuadas, protocoladas e numeradas; b) não houve ato administrativo de autorização assinado pelo presidente da Fundação para a elaboração dos convites; c) CPL
teria sido nomeada para atuação por quatro anos; d) não teria havido pesquisa de preços em qualquer dos três convites referentes a esse convênio.
18.2.2 Sobre o Convite 001/2000: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 30/08/2000; nas propostas apresentadas, não consta CPF dos signatários.
18.2.3 Sobre o Convite 002/2000: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 08/01/2001, seis dias após a realização do convite e da emissão dos termos de adjudicação e homologação (02/01/2001) e, ainda assim, em
papel sem timbre do INSS, diversa da apresentada com a mesma data no Convite n. 001/2001, realizado em 01/03/2001; nas propostas apresentadas, não consta CPF dos signatários.
18.2.4 Sobre o Convite 001/2001: o edital não estabeleceu prazo para a entrega dos produtos; o edital de publicação, emitido pelo presidente da CPL, não está datado; não há identificação do responsável pela retirada do convite; não consta da
documentação apresentada o CPF, endereço, telefone e email dos responsáveis pela retirada dos convites; a CPL, descumprindo cláusula contratual, dispensou a comprovação dos cadastros de contribuintes nas receitas federal, estadual e municipal; a
certidão positiva com efeito de negativa apresentada pela empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda) é datada de 08/01/2001, a mesma apresentada no Convite n. 002/2000, mas sem o timbre da previdência social; nas propostas apresentadas, não consta
CPF dos signatários.
18.2.5 Em diversos pontos, o perito particular da defesa, sem negar a veracidade das afirmações do DENASUS sobre os achados a partir da auditoria, procura apenas revalorar os fatos para afirmá-los como falhas materiais ou formais decorrentes de
desconhecimento ou inexperiência dos membros da CPL. No que diz respeito especificamente à dispensa dos cadastros de regularidade fiscal perante as receitas federal, estadual e municipal, diz o perito (o trecho está transcrito no recurso) que, "[d]entre
os documentos citados pela auditoria, aqueles que possuem caráter apenas cadastral, não fornecem subsídios para qualquer julgamento referente à regularidade dos licitantes junto aos entes federativos", concluindo que "seria desnecessária a manutenção
destes como prerrogativa de habilitação", como se, constante a exigência no edital, pudesse a CPL simplesmente dispensá-la no momento da habilitação por julgá-la desnecessária.
18.2.6 O perito ainda admite que as propostas de preço não continham sequer a assinatura do respectivo representante legal, argumentando que, a despeito disso, os valores ofertados teriam sido cumpridos, de modo que a falta de assinatura das propostas
não causaria dano ao erário e teriam sido decorrentes da "falta de experiência da equipe de licitantes como também dos empresários presentes no certame".
18.2.7 O perito particular, analisando a constatação do DENASUS de que constaria dos documentos certidão positiva de débitos com efeito de negativa (em relação à empresa vencedora do Convite n. 02/2000) datada de seis dias depois da realização da
licitação, da homologação e da adjudicação de seu objeto, como também que a mesma empresa teria apresentado certidão com a mesma data do convênio anterior, mas em papel sem o timbre da previdência social (Convite n. 01/2001), limitou-se a repetir o
texto do exame referente ao Convite n. 001/2000, sobre a dispensabilidade, pela CPL e no momento da habilitação, de documentos meramente cadastrais e a igualdade de valor entre certidões negativas e positivas com efeito de negativas.
18.2.8 O perito ainda examinou constatação do DENASUS, no sentido de que, malgrado tenha a empresa M. Albuquerque Cia Ltda. apresentado menor preço para o item Complexo B Xarope, a compra teria sido efetuada à empresa Antônio Vieira de Queiroz - ME.
Atribui o fato à falta de experiência e à inexistência dos sistemas computacionais de controle, traduzindo "mera troca diante dos inúmeros itens listados no referido processo".
18.2.9 Pode-se observar que algumas "irregularidades" apontadas no relatório do DENASUS se apresentaram com tal gravidade que o perito particular sequer fez menção em tentar apresentar-lhes uma justificativa (como fizera acerca de outros pontos), a
exemplo da certidão com data posterior à realização da licitação.
18.2.10 Analisando o relatório do DENASUS e os documentos que o instruem, em relação ao Convênio n. 217/2000, consta o seguinte (apenso 4, f. 28): "Da análise das relações ou anotações de medicamentos e materiais médico-hospitalares doados à Apamim,
constatamos que não há comprovação de distribuição a pacientes ou para outras entidades de vários itens dos produtos adquiridos no montante de R$ 26.849,90 (vinte e seis mil oitocentos e quarenta e nove reais e noventa centavos) conforme Anexo II". Em
outro ponto (f. 29): "A fundação apresentou à equipe listagens de medicamentos e de material de consumo hospitalar doados a diversas entidades/associações, medicamentos injetáveis e de consumo hospitalar, sendo que as mesmas não prestam atendimento
médico". "Das visitas às entidades/associações de acordo com as declarações dos presidentes, afirmaram não ter recebido estes medicamentos e a falta de critérios da fundação para estas distribuições, concluímos que houve montagem destas relações com o
intuito de justificar as aquisições." "Não foi entregue a equipe de auditoria a relação de doação feita para a Apamin relativa a este convênio. Constatamos que apenas 10% dos medicamentos deste convênio foram distribuídos, anexo VIX [sic]".
18.2.11 Nesse mesmo relatório pode-se constatar que foram admitidas em processo licitatório de Carta-Convite - que pressupõe o envio de cartas pela Administração a licitantes previamente cadastrados - três empresas com mesmo nome de fantasia (Droga
Nossa) e mesmos proprietários (indicativo de direcionamento do processo licitatório).
18.2.12 A sentença retratou fielmente o quadro apresentado pelo DENASUS e, alicerçada pelos documentos que o instruíam e pelos depoimentos prestados em juízo, concluiu pela comprovação da prática de desvios dos recursos federais do convênio a partir de
fraudes em licitação e contratos, tudo com a atuação dos acusados (membros da CPL, particulares e integrantes da Fundação). A CPL era formada pelos acusados ALEX MOACIR DE SOUSA PINHEIRO, VÂNIA MARIA AZEVEDO MOREIRA e GILMAR LOPES BEZERRA, secretariando
os trabalhos a acusada VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA.
18.2.13 Nesse particular ponto, consta que cheques apresentados com a prestação de contas apresentariam os nomes dos licitantes vencedores como destinatários, em dissonância com a via fornecida pelo Banco do Brasil, que apresentava terceiros como
destinatários, o que comprovaria a fraude na formação dos autos de prestações de contas. Nesse sentido, a sentença refere o depoimento de empregada da COMARQUES, de JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES, no sentido de que sacava os cheques na boca do caixa e
repassava o produto ao acusado FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO. Da mesma forma em relação a Miguel Pinto Barra, que trabalhava com operações de factoring. Também nesse ponto, o depoimento de Antônio Vieira de Queiroz é muito interessante, eis que,
afirmou jamais ter participado de licitação junto à Fundação, negou reconhecer as assinaturas nos recibos que lhe foram apresentados e que sequer realizou vendas no montante das NFs que lhe mostraram e, apesar disso, sua empresa figurava como vencedora
do Convite n. 001/2001. O recebimento das mercadorias teria sido atestado por ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO.
18.3 CONVÊNIO N. 203/2001.
18.3.1 Sobre a Tomada de Preços n. 01/2001, o parecer refere que o relatório do DENASUS teria constatado as seguintes irregularidades: a não realização de pesquisa de preços; edital não registra local e data de entrega dos medicamentos e materiais de
consumo; despacho de publicação da licitação, emitido pelo presidente da CPL, não estaria assinado e a data de emissão seria de 03/09/2002, a data de realização da licitação seria de 28/09/2000, quando a TP foi realizada em 28/09/2001; ausência de
exigência de identificação para retirada do edital; protocolo de entrega dos editais não registraria CNPJ da empresa, identificação dos signatários pela retirada e meio de comunicação com os membros; das quatro empresas que retiraram o edital apenas
duas compareceram e a ata não identifica os representantes das empresas, registrando apenas que eles se identificaram, constando procuração apenas do representante da empresa Protomédica Produtos Hospitalares Ltda.; na documentação da empresa Diprofarma
não consta indicação do representante para a licitação; após a adjudicação em out. 2001, celebrou-se um termo aditivo em 08 jan. 2002 (em valor superior a R$40mil com Diprofarma) e o Convite n. 002/2002 (valor superior a R$64mil) em 24 jan. 2002; não
foram firmados contratos com as empresas vencedoras; em relação ao termo aditivo com a empresa Diprofarma, tem-se que foi celebrado em 08 jan. 2002, tendo a empresa supostamente apresentado Certificado de Regularidade do FGTS emitido em 15 jan. 2002,
sendo que o anterior tivera validade até 29 set. 2001, e apresentado ainda Certidão Negativa de Débitos estaduais em 15 jan. 2002, sendo que a anterior tivera validade até 13 out. 2001; o valor do termo aditivo em questão teria passado de R$40.926,39
para R$53.254,39, traduzindo o acréscimo (R$12.328,00) valor referente à NF 0001293, de 30 jan. 2002, da empresa Diprofarma, aumento que não conta com justificativa nos documentos apresentados pela Fundação; os valores unitários da aquisição no termo
aditivo seriam superiores aos valores cotados na tomada de preços, inclusive em comparação com os de outra empresa; ocorre que, comparando esses números com os dos produtos afirmados como entregues, constatou-se que os valores unitários seriam os
mesmos, mas as quantidades haviam sido alteradas para se resultar no mesmo valor de R$40.926,39 e, com o acréscimo de 16 itens, o valor subiu para R$53.254,39.
18.3.2 Sobre o Convite n. 002/2002, as seguintes irregularidades: pesquisa de preços não informaria a empresa consultada; o edital não especificaria local nem prazo para a entrega dos medicamentos; o protocolo de entrega dos convites não registraria o
CNPJ das empresas, nem a identificação dos signatários; as propostas não teriam a identificação nem a assinatura do responsável pela proponente; valores unitários superiores aos praticados na Tomada de Preços e termo aditivo; não fora celebrado contrato
com a empresa vencedora (M. Albuquerque e Cia. Ltda.).
18.3.3 Sobre a primeira dispensa de licitação, as seguintes irregularidades: a dispensa foi autorizada pelo presidente da Fundação em 04 fev. 2002, no valor de R$ 3,1mil, não constando relação de medicamentos a serem adquiridos, sendo favorecida a
empresa M. Albuquerque e Cia Ltda.; a dispensa foi autorizada em 04 fev. 2002, tendo sido emitida a nota fiscal, pago o valor e recebido a mercadoria em 04 mar. 2002.
18.3.4 Sobre a segunda dispensa de licitação, as seguintes irregularidades: dispensa autorizada pelo presidente da Fundação em 13 fev. 2002, no valor de R$202,21, para a aquisição de medicamentos junto à empresa M. Albuquerque e Cia. Ltda.; a dispensa
foi realizada em 13 fev. 2002, emitida a NF em 27 mar. 2002, sendo que os carimbos de certidão e de atestado de recebimento do material e o visto de pague-se seriam datados de 13 fev. 2002; posteriormente a empresa teria retificado a NF.
18.3.5 Afora referir-se às constatações do DENASUS como erros materiais e formais, o perito nada explica acerca dos questionamentos sobre as datas das certidões negativas apresentadas ao ensejo do aditivo contratual, limitando-se a dizer "que não há
impedimentos legais para entrega de novos documentos na fase de aditamento contratual". No que diz respeito às modificações dos valores unitários, inicialmente, e dos quantitativos, posteriormente, resultando no mesmo valor, limitou-se a dizer que o
fato não implicou dano ao erário.
18.3.6 Com base nesse parecer, o recorrente afirma ter ficado comprovado que nenhum dos acusados teria se locupletado de patrimônio público, agindo, no máximo, com culpa dada sua inexperiência e, mesmo assim, sem causar dano ao erário. Afirmou ainda que
suas alegações seriam corroboradas pelos depoimentos de Maria das Graças Montenegro, Katia Maria e Elione Rodrigues. Na verdade, nem o afirmado "parecer técnico" do perito da defesa infirma as conclusões do DENASUS, nem são suficientes a isso os
referidos depoimentos. O parecer simplesmente não nega as constatações de fato afirmadas pelo DENASUS e que, ao fim e ao cabo, serviram de base para a sentença penal condenatória recorrida, mas procura revalorar esses fatos, trazendo argumentos para
tentar justificar as condutas que resultaram nos fatos ali constatados. Evidência disso é que, não raro, o parecerista se manifesta sobre questões jurídicas, apesar de a proposta ser de um parecer contábil que servisse como prova sobre fatos, não para
acrescer argumentos jurídicos aos trazidos pelo recorrente. Já os depoimentos referidos não servem à defesa, uma vez que, posteriormente, os próprios órgãos de controle decidiram por realizar nova auditoria nos convênios, o que resultou nas constatações
vertidas no relatório do DENASUS e que instrui a presente ação penal.
18.3.7 Acerca da materialidade do crime de peculato, consta de relatório do DENASUS (apenso 1, f. 34), relativamente ao Convênio n. 203/2001: "Do levantamento na relação de medicamentos destinados às entidades/associações constatamos a distribuídos
[sic; provavelmente: distribuição] de apenas o valor de R$ 14.033,32 (quatorze mil e trinta e três reais e trinta centavos). Portanto, não foi comprovado em estoque como distribuído o valor de R$ 466.645,60 (quatrocentos e sessenta e seis mil e
seiscentos e quarenta e cinco reais e sessenta centavos), conforme Anexo X." "Das visitas às entidades/associações de acordo com as declarações dos presidentes, afirmaram não ter recebido estes medicamentos e a falta de critérios da fundação para estas
distribuições, concluímos que houve montagem destas relações com o intuito de justificar as aquisições".
18.3.8 No particular caso da Tomada de Preços 001/2001, consta da sentença, conforme relatório do DENASUS, que a entrega dos medicamentos teria ocorrido dois dias antes da adjudicação e da homologação do certame, inclusive com emissão e pagamento de
três cheques no valor de R$120 mil, sendo atestado o recebimento das mercadorias no mesmo dia.
18.3.9 Em relação a esse convênio (mas não apenas em relação a ele), constataram-se propostas de preços não assinadas e a ausência de identificação do representante legal da empresa supostamente vencedora, aspectos que apontam para uma mal-sucedida
montagem de processo licitatório. Os membros da CPL, no caso, eram os acusados MANUEL ALVES DO NASCIMENTO FILHO, VERA LÚCIA NOGUEIRA ALMEIDA e MARIA SALETE SILVA.
18.3.10 A sentença registra que se constatou terem sido emitidos - com dinheiro do convênio e em suposto pagamento a licitantes vencedores - cheques em favor dos acusados MANOEL ALVES DO NASCIMENTO FILHO e ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO, sendo que, de
acordo com a prestação de contas apresentada pela FUNDAÇÃO, os mesmos cheques teriam sido emitidos em favor da empresa M. ALBUQUERQUE LTDA. Os cheques foram assinados pelos acusados FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA.
19. Os recorrentes VALNEY MOREIRA DA COSTA, GILMAR LOPES BEZERRA e VÂNIA MARIA DE AZEVEDO tecem alegações genéricas de ausência de prova de sua participação, do dolo e de prejuízo ao erário. Constam dos autos provas de que o acusado praticou as condutas
a ele atribuídas na denúncia, assinando cheques como tesoureiro da Fundação Vingt Rosado, emitindo-os em nome de pessoas diversas daquelas que, supostamente, teriam vencido os certames licitatórios, de maneira consciente e voluntária, conhecedor que era
do procedimento adotado por todos os demais integrantes da empreitada criminosa, sobretudo do presidente da Fundação, responsável direto pelo desvio dos recursos. O prejuízo ficou totalmente comprovado a partir do relatório do DENASUS, constatando-se
inclusive que os possíveis beneficiários relataram jamais ter recebido os medicamentos supostamente adquiridos. Suas alegações de falta de provas da conduta e do elemento subjetivo não encontram ressonância nos elementos de instrução contidos nos
presentes autos, como também não encontra a negação de prejuízo ao erário. Pelo mesmo motivo não é possível aplicar-lhe o princípio do in dubio pro reo, eis que não há dúvida no exame das provas, mas juízo de certeza sobre a autoria e materialidade dos
crimes.
20. A conduta atribuída aos acusados e devidamente comprovada compreende a associação de mais de três pessoas para a prática de diversos crimes em determinada extensão temporal. No caso dos autos, os acusados praticaram diversas condutas classificáveis
como crimes (fraudes na realização de licitações, contratações e prestações de contas relativamente a cada um dos três convênios, falsificações documentais e ideológicas etc.) ao longo da vigência dos convênios (de 1999 a 2003), com estabilidade,
divisão de tarefas e organização, sempre voluntária e conscientemente. A condenação pelo crime de quadrilha, portanto, não merece reforma.
21. O recorrente alega que a norma do CP, art. 327, parágrafo 1º, em sua redação atual - dispositivo responsável pela equiparação a funcionário público de quem "exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa
prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública" - teria sido publicada no DOU em 17 jul. 2000, de modo que os fatos relacionados aos convênios celebrados em 1999 e 2000 não poderiam ser
enquadrados como peculato. Considerando que os repasses do Convênio n. 217/2000 ocorreram de set. 2000 a fev. 2001, e que a referida lei foi publicada em jul. 2000, apenas aos dois últimos convênios ela se aplicaria, deixando de fora o primeiro
(Convênio n. 412/1999). Ocorre que, tendo entendido pela continuidade delitiva, o juízo sentenciante aplicou apenas uma das penas, aumentada em 1/5 (um quinto), patamar muito próximo do mínimo (1/6), em conta da quantidade de delitos (três crimes de
peculato). A continuidade delitiva só foi possível porque os crimes eram da mesma espécie, ou seja, crimes contra a administração. Afastando-se a incidência do CP, art. 327, parágrafo 1º, sobre os repasses do primeiro convênio, os fatos ali praticados,
em tudo e por tudo similares aos demais, se reenquadrariam como estelionato majorado (CP, art. 171, parágrafo 3º), crime contra o patrimônio e, portanto, de espécie diversa do peculato. A consequência disso seria que os crimes continuados de peculato
teriam as penas recalculadas, reduzindo-se o acréscimo de 1/5 para um 1/6, mas teriam que ser somadas à punição do crime de estelionato majorado (CP, art. 171, parágrafo 3º) em razão do concurso material de crimes (CP, 69), o que implicaria severo
prejuízo para o acusado. Por conta disso, para o caso concreto, a retroatividade da Lei n. 9.983/2000 é benéfica ao acusado, permitindo que os fatos praticados em razão do primeiro convênio sejam absorvidos pela continuidade delitiva.
22. No que diz respeito à alegação de ausência de prova de apropriação ou vantagem pessoalmente obtida, é de se registrar que o crime de peculato, na forma do art. 312, caput, 2ª parte, do Código Penal, também se consuma a partir da conduta dolosa que
acarreta o desvio em favor de terceiros, configurando o chamado peculato-desvio. No caso dos autos, há provas suficientes de que os acusados simularam procedimentos licitatórios e falsificaram documentos, inclusive notas fiscais e recibos de entrega de
mercadorias, com a finalidade de desviar os recursos federais transferidos de sua finalidade conveniada.
23. A fixação na sentença penal condenatória de valor mínimo para a indenização do prejuízo causado à vítima, de acordo com o CPP, art. 387, IV, com redação da Lei n. 11.719/2008, tem sido considerada medida gravosa ao réu, submetida ao princípio da
irretroatividade em relação ao fato. Desse modo tem entendido o E. TRF da 5ª Região. Nesse sentido: ACR 00017041920144058201, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Primeira Turma, DJE 15/06/2018 - Pág. 98; ACR 00096297020104050000,
Desembargador Federal Cid Marconi, TRF5 - Terceira Turma, DJE 16/11/2015 - Pág. 50. O pleito recursal de exclusão da fixação de valor mínimo para a condenação deve ser acolhido e, tratando-se que questão não estritamente pessoal, a providência deve
alcançar todos os acusados.
24. Impossível a desclassificação do crime de peculato para peculato culposo. De fato, o desenho da conduta dos acusados revela plena consciência e vontade, não apenas da conduta em si, mas de seus efeitos materiais e jurídicos e mesmo de sua relevância
penal. Não houve, assim, mera colaboração pontual e isolada por "descuido" ou "desatenção", mas a prática plúrima de condutas que, ao longo de três anos, conduziam ao desvio de recursos públicos federais de seu objeto conveniado em proveito particular,
tudo a partir do sofisticado expediente de falsificarem-se certames licitatórios inteiros e dispensas de licitação, além de prestações de contas aos órgãos competentes. A consciência e vontade despontam da forma como as condutas foram praticadas, não
podendo haver dúvida sobre sua presença no caso em tela.
25. Impossível a aplicação do princípio da consunção para que o peculato absorva o crime de quadrilha. Entre os crimes de quadrilha (CP, 288) e peculato (CP, 312) não existe a relação de "meio necessário" essencial à aplicação do princípio da consunção.
Note-se que apenas teria aplicação ao caso o princípio da consunção se, além dessa relação de meio necessário, a quadrilha não tivesse qualquer potencial residual além do peculato em si, o que também não é correto afirmar, seja aprioristicamente, seja
levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto. Em se acolhendo a tese recursal, jamais seria o delito de quadrilha punido: sendo elemento do tipo a associação de mais de três pessoas com o objetivo de cometer crimes, a prática desses crimes
sempre absorveria a quadrilha formada com o objetivo de praticá-los. Nesse sentido: HC 201000896960, MOURA RIBEIRO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 21/05/2014.
26. Impossível a aplicação do concurso formal entre quadrilha e peculato. Embora os fatos tenham lugar na mesma extensão temporal, não se pode afirmar que seja sempre uma e a mesma conduta que preencha os elementos do tipo de um e outro delito. O crime
de quadrilha se consuma a partir da associação relativamente estável de mais de três pessoas (redação do CP, 288, na época do fato) com o objetivo de cometer crimes, independentemente das condutas que poderão configurar os crimes a praticar. Não há,
portanto, a prática de dois crimes com uma só conduta, requisito inerente à configuração do concurso formal. Precedentes: ACR 200683000081762, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::16/06/2009 - Página::222 - Nº::112;
ACR 200680000046720, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::09/04/2008 - Página::1330 - Nº::68.
27. Impossível a desclassificação do crime de peculato para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93 (fraude a licitação). As condutas dos acusados, sobretudo dos integrantes das comissões de licitação, se amoldam com perfeição ao tipo do CP,
art. 312, eis que a conduta de simulação de certames licitatórios inexistentes não se confunde com práticas subversivas da competitividade de certame licitatório realmente existente. No caso, a "fabricação" das licitações caracterizava-as como ato
simulado, não como simulações da competição em licitações reais cujo caráter competitivo teria sido frustrado pelo réu. Assim sendo, toda sua conduta era o instrumento consciente e voluntário da prática dos desvios que configuravam os crimes de
peculato. O fato de executar apenas parte do tipo é irrelevante, desde que sua intenção seja atuar para o sucesso do crime globalmente considerado, no caso, o peculato.
28. Quanto à dosimetria das penas aplicadas, apenas em relação à pena aplicada a VALNEY MOREIRA DA COSTA, a dosimetria precisa ser refeita para, excluindo-se o fundamento de que o acusado teria coordenado o esquema criminoso com FRANCISCO DE ANDRADE
SILVA FILHO (o que não parece encontrar suporte probatório suficiente) e mantendo-se as demais condições, fixar-se-lhe, pelo crime de peculato: a) pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão; b) pena de
multa de 112 (cento e doze) dias-multa; e, pelo crime de quadrilha: pena privativa de liberdade de de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão. Mantidas as demais condições. O aumento da pena com base no art. 71 do CP foi perfeitamente justificado,
sobretudo por ter sido fixado no mínimo. Todos os demais acusados tiveram penas correta e proporcional definidas e aplicadas, nada havendo que reformar nesse aspecto.
29. O recurso de MARIA EROTILDES DE MELO merece provimento integral.
29.1 O juízo sentenciante entendeu provadas autoria e materialidade em relação a MARIA EROTILDES DE MELO no que diz respeito ao fornecimento de notas fiscais e recibos falsos para falsa comprovação de fornecimento e recebimento de mercadorias. Os
cheques referentes a tais aquisições teriam sido emitidos nominalmente a pessoas diversas da acusada e de sua empresa. Em juízo, a acusada disse que nunca participou de licitação nem recebeu cheque da Fundação Vingt Rosado, que não reconhecia as letras
nas NFs nem as assinaturas dos recibos. Apesar disso, afirmou que as NFs não seriam fraudulentas porque a compra e venda existiu, tendo sido devidamente pagas.
29.2 O depoimento se harmoniza aos documentos constantes dos autos (NFs, recibos, cheques etc.) e não sugere, ao contrário do que consta da sentença, que tenha sido a autora ou alguém a seu serviço a falsificá-los. Converge, inclusive, para a afirmação
de que os cheques eram normalmente emitidos pela Fundação em nome de terceiros estranhos aos supostos vencedores das licitações, que os descontavam e devolviam o dinheiro. Ao afirmar que não assinou os recibos, não preencheu as NFs e que nunca recebeu
cheque da Fundação e que sequer participou de licitação, mas que forneceu as mercadorias, a acusada descreve o que teria sido uma venda direta, sem licitação, não me parecendo que devesse saber que a venda a uma fundação privada dependesse de licitação.
29.3 Harmoniza também com as constatações do DENASUS de que algum percentual das mercadorias supostamente adquiridas, no fim das contas, foi recebido e entregue pela Fundação, de modo que a existência de operações comerciais reais - a despeito de
fundamentadas em licitações simuladas, documentos falsificados e retratadas em prestações de contas fraudulentas - está em sintonia com a tese aceita pela sentença. Provimento da apelação de MARIA EROTILDES DE MELO para, reformando a sentença, julgar
improcedente a denúncia.
30. Com exceção da situação de MARIA EROTILDES DE MELO e ressalvados os ajustes já registrados acima, em suma, tem-se que a sentença, livre de quaisquer nulidades processuais, reconheceu adequadamente a comprovação de autoria e materialidade dos crimes
de peculato (CP, 312) praticados em continuidade delitiva (CP, 71) e quadrilha (CP, 288), praticado em concurso material com os primeiros (CP, 69). Além disso, reconheceu, com base nos elementos de prova constantes dos autos, a autoria dos delitos acima
em relação a cada um dos acusados, individualizando-lhes a colaboração, caracterizando-lhes a natureza consciente e voluntária da conduta, fundamentando adequadamente todas as suas conclusões. Deve ser reformada unicamente para absolver-se MARIA
EROTILDES DE MELO, para ajustar-se as penas aplicadas a VALNEY MOREIRA DA COSTA, para afastar-se a fixação do valor mínimo de indenização à vítima e para declarar a extinção da punibilidade do crime de quadrilha em relação aos acusados referidos no
tópico pertinente.
31. CONCLUSÃO: Apelações conhecidas para, no mérito:
a) Por maioria, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação do MPF, vencido o Desembargador Federal Leonardo Coutinho, que lhe dava parcial provimento para julgar procedente a denúncia contra o acusado LAÍRE ROSADO FILHO. A Turma, por
unanimidade, deferiu ainda o pedido do MPF de declaração da extinção da punibilidade pela prescrição do crime de quadrilha em relação a todos os acusados, com exceção de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO e VALNEY MOREIRA DA COSTA;
b) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de FRANCISCO DE ANDRADE SILVA FILHO para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo causado à vítima, providência que se estende a todos os
acusados dado seu caráter objetivo;
c) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de VALNEY MOREIRA DA COSTA para lhe refazer a dosimetria da pena, fixando-lhe pena privativa de liberdade no montante consolidado de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 10
(dez) dias de reclusão, mantidas todas as demais condições, e pena de multa de 112 (cento e doze) dias-multa, mantido o valor do dia-multa;
d) Por maioria, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Leonardo Coutinho, dar integral provimento à apelação de MARIA SALETE SILVA para, reformando a sentença, julgar improcedente a denúncia, vencido o relator, que lhe dava parcial
provimento apenas para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima;
e) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de VÂNIA MARIA DE AZEVEDO;
f) Por maioria, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de VERA LÚCIA NOGUEIRA para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima, vencido o Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, que lhe dava
provimento em maior extensão para declarar a extinção da punibilidade pela prescrição em relação a todos os crimes;
g) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de JOACÍLIO RIBEIRO MARQUES para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo à vítima;
h) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar integral provimento à apelação de MARIA EROTILDES DE MELO para, reformando a sentença, julgar improcedente a denúncia;
i) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de GILMAR LOPES BEZERRA;
j) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, negar provimento à apelação de ALEX MOACIR DE SOUZA PINHEIRO;
k) Por unanimidade, nos termos do voto do relator, dar parcial provimento à apelação de MANUEL ALVES DO NASCIMENTO para afastar a fixação de valor mínimo para a indenização do prejuízo.
Data do Julgamento
:
02/08/2018
Data da Publicação
:
08/08/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 11715
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Mostrar discussão