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Jurisprudência


TRF5 2008.85.02.000331-9 200885020003319

Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL ACERCA DE ESQUEMA DE COMPRA DE AMBULÂNCIAS ATRAVÉS DE LICITAÇÃO DIRIGIDA, COM RECURSOS DE EMENDAS PARLAMENTARES. AUDITORIA DENASUS/CGU. RESPONSABILIZAÇÃO DA DIRIGENTE DE INSTITUIÇÃO QUE FIRMOU CONVÊNIO COM O MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA A AQUISIÇÃO DO BEM E DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO. COMPROVAÇÃO DO COMPORTAMENTO ÍMPROBO. ELEMENTO SUBJETIVO. REDIMENSIONAMENTO DAS SANÇÕES IMPOSTAS. EXCLUSÃO DE MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. INCLUSÃO DOS SÓCIOS RESPONSÁVEIS DA EMPRESA FORNECEDORA (BRAÇO EMPRESARIAL DO ESQUEMA). ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS. ART. 1.013, PARÁGRAFO 3º, I, DO CPC/2015 (ANTIGO ART. 515, PARÁGRAFO 3º, DO CPC/73). CAUSA MADURA. PROVAS SUFICIENTES À CONDENAÇÃO. COMINAÇÃO DE SANÇÕES. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS EM RELAÇÃO A OUTROS RÉUS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA QUANTO A ELES. 1. Apelações interpostas contra sentença exarada em ação de improbidade administrativa, que extinguiu o feito sem resolução de mérito, quanto aos réus DJV, LATV, CMTV, MAEA, RMEA, CRFM e JCSS, e julgou a demanda procedente, em relação aos réus MDOSF, MHS, AS e SCSO, enquadrados no art. 10, VIII e XII, da Lei nº 8.429/92. 2. Contextualizada no âmbito de operação da Polícia Federal e remetendo aos resultados de auditoria realizada pelo DENASUS/CGU, a ação de improbidade administrativa foi ajuizada, inicialmente, pela UNIÃO contra MDOSF, MHS, AS e SCSO, acusados, nas condições de presidente da Maternidade São Vicente de Paula (que firmou convênio com a União/Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde) e de membros da Comissão de Licitação, respectivamente, no Município de Boquim/SE, de terem contribuído para fraudar licitação na modalidade convite, tendo por objeto a aquisição de unidade móvel de saúde equipada, apontando-se várias irregularidades do processo licitatório (que teria sido direcionado), superfaturamento, incompletude e subutilização do bem. 3. Posteriormente, ante o chamado do Juízo a quo, no sentido de que a petição inicial fosse emendada, em relação às sociedades empresárias partícipes da licitação, e o entendimento da UNIÃO de não ampliar o polo passivo, o MPF pediu sua integração à lide como litisconsorte ativo, formulando aditamento à petição inicial, para que passassem a figurar como réus, também, DJV, LATV, CMTV, MAEA, RMEA, CRFM e JCSS, apontando-os como sócios responsáveis pelas empresas participantes do processo licitatório fraudado, que teriam agido em conluio, com o acertamento prévio de preços para que uma delas (no caso, a PLANAM, pela qual responsáveis DJV, LATV e CMTV) ganhasse a licitação. 4. Em relação aos réus MDOSF, MHS, AS e SCSO, a sentença espelhou corretamente as provas reunidas nos autos, descabendo falar-se em falta de individualização das condutas ou em condenação genérica, sendo certo que a sentença é um todo integrado, não podendo ser lida apenas em função de um único parágrafo. 5. Restou devidamente demonstrado que a ré MDOSF, dirigente da Maternidade e subscritora do convênio firmado com a esfera federal, chancelou o processo licitatório flagrantemente irregular, engendrado para resultar na contratação de dada empresa. Foi ela quem firmou o termo de homologação e de adjudicação do objeto, presidiu a reunião e subscreveu ata em que se consignou a abertura das propostas de preços (conquanto inexistente a assinatura dos representantes das empresas), nomeou a comissão de licitação, assinou os convites dirigidos às empresas e subscreveu a prestação de contas. 6. Os réus MHS, AS e SCSO, membros da comissão de licitação, contribuíram para o êxito do esquema de direcionamento da licitação, assinando termos de expedição de convites e subscrevendo ata em que se consignou a abertura das propostas de preços (conquanto inexistente a assinatura dos representantes das empresas proponentes). O réu AS chegou a declarar, formalmente, aos órgãos de controle, que "não recebeu treinamento para participar da comissão de licitação; que participou em outros processos de aquisição de material de consumo; que não efetuou pesquisas de preços em relação aos equipamentos e veículos adquiridos; que a relação das empresas licitantes convidadas foi enviada via SEDEX por meio do Gabinete do Deputado Cleonâncio Fonseca; que não conhecia quaisquer das empresas participantes; que os convites foram enviados às empresas via SEDEX, não havendo provas do envio de tal documentação". 7. As irregularidades verificadas na licitação em questão não têm natureza de simples "erros materiais", como afirmam os réus, correspondendo, sim, a ilicitudes relevantes que, somadas, permitiram o direcionamento da licitação e a aquisição de bem com valor superior ao de mercado. Dentre as impropriedades constatadas, listam-se: a) não se realizou pesquisa de preços para subsidiar o processo de aquisição; b) "embora o processo [licitatório] esteja numerado, as peças que o constituem estão fora de ordem cronológica dos seus atos, tendo como exemplo o termo de homologação (fls.1), ata de julgamento (fls.2), portaria de criação de comissão de licitação (fls.3), cópia do cheque (fl. 4), nota fiscal (fl. 6). Seguem-se as propostas das empresas e a documentação referente à regularidade fiscal e habilitação jurídica. Portanto fica comprovada a montagem do processo e aposição posterior de numeração e rubrica de suas folhas (caput)"; c) ausência de edital de carta convite, de publicação do edital ou entrega do convite, de termo de contrato ou instrumento equivalente e de assinatura dos licitantes presentes na ata de abertura das propostas de preços; d) "membro da comissão de licitação prestou declaração formal acerca do recebimento de relação prévia das empresas que deveriam participar do certame licitatório, informando que não conhecia qualquer das referidas empresas"; e) foram consideradas habilitadas empresas com propostas de preço acima do valor estabelecido para a modalidade de licitação, quando, "não se obtendo o número legal mínimo de três propostas aptas à seleção, na licitação sob a modalidade Convite, impõe-se a repetição do ato, com a convocação de outros possíveis interessados, ressalvadas as hipóteses previstas no parágrafo 7º, do art. 22, da Lei nº 8.666/1993" (Súmula 248 do TCU); f) superfaturamento da ordem de R$10.125,55, em valores de dezembro de 2004; g) falta de equipamentos na unidade móvel de saúde, em descompasso com o plano de trabalho; h) deficiência do controle de utilização do bem, com indício de subutilização, apontando para a desnecessidade pública da aquisição. 8. Todas essas impropriedades, somadas à constatação de que as empresas "convidadas" são do Mato Grosso e do Rio de Janeiro, numa realidade muito distante da vivenciada pelo Município de Boquim/SE, existindo outras empresas na região mais próxima aptas a fornecer o objeto licitado, conferem a certeza necessária para se concluir que houve o direcionamento do processo licitatório, que restou forjado, inclusive ocasionado dano ao erário, em razão de sobrepreço. 9. "O desconhecimento da Lei de Licitações (preservação da isonomia/legalidade/impessoalidade) e da Lei de Improbidade Administrativa (frustração da concorrência que agride os deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições) não é fundamento legítimo para descaracterizar má-fé de quem se presta justamente a participar de certames" (STJ, REsp 1231402/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 02/02/2015). 10. O montante disponibilizado no âmbito do convênio para a aquisição da unidade móvel de saúde não tem o condão de liberar a comissão de licitação do dever de pesquisar o valor de mercado do bem, no momento dos procedimentos licitatórios, para fins de verificação da adequação da proposta de venda das licitantes. In casu, a comissão de licitação não fez a pesquisa de mercado e adquiriu o bem com sobrepreço. 11. Conquanto na auditoria do DENASUS/CGU não tenha sido instaurado contraditório (e nem seria o caso, por se tratar de procedimento de fiscalização e, não, de acusação), não há nulidade da sentença que se reporta às suas conclusões, quando elas integraram os autos do processo judicial, e, nesse âmbito, foram submetidas ao contraditório. 12. A eventual aprovação da prestação de contas correspondente, na esfera administrativa, não obsta o controle na via jurisdicional, nem vincula o Poder Judiciário às suas conclusões, sobretudo quando as provas reunidas apontam em sentido contrário. 13. As autoridades fiscalizadoras constataram que a unidade móvel de saúde não estava devidamente equipada e que havia fundada dúvida, quanto à utilidade da aquisição para a instituição, considerando que, em um mês, houve transporte de pacientes em apenas quatro oportunidades. Essa conclusão não tira a importância dos deslocamentos havidos, mas serve a fortalecer, mais ainda, a compreensão de que a licitação foi manipulada. 14. A conclusão de que houve dolo é coerente com o contexto e, mesmo que não estive demonstrado, não afastaria a responsabilização com base no art. 10 da Lei nº 8.429/92, porque, para a configuração de qualquer dos tipos encartados nesse dispositivo, exige-se apenas a presença de culpa, segundo a jurisprudência tranquila do STJ: "A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual o elemento subjetivo é essencial à configuração da improbidade, exigindo-se dolo para que se configurem as hipóteses típicas dos arts. 9º e 11, ou pelo menos culpa, nas hipóteses do art. 10, todos da Lei 8.429/92" (AgRg no AREsp 210.361/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 01/06/2016). 15. A configuração do tipo do art. 10 da Lei nº 8.429/92 prescinde da demonstração de enriquecimento ilícito, que é elemento essencial à materialização das hipóteses do art. 9º da mesma lei. 16. A apelação dos réus MDOSF, MHS, AS e SCSO merece provimento, contudo, quanto a três aspectos: a) necessidade de responsabilização dos empresários envolvidos no esquema (braço empresarial); b) adequação da sanção de multa aos limites do inciso II do art. 12 da Lei nº 8.429/92; c) supressão da multa imposta quando do desprovimento de embargos de declaração. 17. O Juízo a quo condenou os réus no ressarcimento integral do dano, em solidariedade; em suspensão dos direitos políticos por seis (para MDOSF) e cinco anos (para MHS, AS e SCSO); e no pagamento de multa civil equivalente a três (para MDOSF) e duas (para MHS, AS e SCSO) vezes o valor do dano. Assim, quanto à ré MDOSF, transbordou dos limites do inciso II do art. 12 da Lei nº 8.429/92, que admite a cominação da sanção pecuniária até duas vezes o valor do dano, donde se deflui a necessidade de provimento da apelação, nesse ponto, para ajustar a condenação a esse limite, necessidade reconhecida pela própria autora. 18. Em relação à condenação no ressarcimento do prejuízo ao erário, deve-se considerar a esse título o montante de R$10.125,55, em valores de dezembro de 2004, que corresponde ao valor do sobrepreço, considerando-se que, bem ou mal, a ambulância foi entregue e está em uso. 19. "Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: 'Caracterizam-se como protelatórios os embargos de declaração que visam rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B, do CPC'. [...]" (STJ, REsp 1410839/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 22/05/2014). A partir dessa premissa, verifica-se que, ao menos em um ponto, os embargos de declaração não se afiguravam como de mera rediscussão, tanto que a apelação está sendo provida quanto a ele (readequação da sanção de multa à fronteira legal), de modo que deve ser afastada a multa de 1%. 20. Quanto aos réus MAEA, RMEA, CRFM e JCSS, o próprio MPF, que havia pedido que eles fossem integrados ao polo passivo da lide, reconheceu, em apelação, que "não há elementos necessários a concluir para a participação deles nas fraudes relativas a este caso", notadamente porque eles "colacionaram diversos documentos, inclusive laudos periciais produzidos em outras ações judiciais, que demonstrariam que seus nomes e o de suas empresas estariam sendo utilizados por terceiros, sem os seus conhecimento, para a prática de fraudes em licitações para a aquisição de ambulâncias, especificamente nas licitações que envolviam a empresa Planam". Assim, quanto a eles, mantém-se a sentença extintiva sem resolução de mérito. 21. Em relação aos réus DJV, LATV e CMTV, responsáveis pela PLANAM, impõe-se a reforma da sentença, que considerou o aditamento à petição inicial genérico, sem explicitação da participação de cada um deles na fraude, limitando-se a acusação a apontá-los como sócios das pessoas jurídicas envolvidas. Na verdade, o aditamento à inicial foi claro, quanto ao comportamento imputado aos empresários: as empresas se conluiaram para fraudar o processo licitatório, ou seja, atuaram no sentido de dar uma aparência de legalidade a processo licitatório que foi forjado para garantir que determinada empresa saísse exitosa do certame. Conquanto seja uma descrição econômica, é suficiente, sobretudo quando devidamente contextualizada. Como responsáveis pela pessoa jurídica, orientada ao cometimento do ilícito, deveriam ocupar o polo passivo. Assim, é o caso de reformar a sentença, aplicando-se, na sequência, o art. 1.013, parágrafo 3º, I, do CPC/2015 (antigo art. 515, parágrafo 3º, do CPC/73), estando a causa madura para julgamento. 22. A empresa vencedora do certame manipulado foi a PLANAM, que, portanto, se enriqueceu ilicitamente com o pagamento decorrente da fraude à licitação. Conquanto tenha constado no relatório de auditoria do DENASUS/CGU ter sido "impossível avaliar" o signatário da proposta da PLANAM, o fato é que a leitura dos autos revela outros elementos que comprovam o envolvimento dos responsáveis pela empresa. Por exemplo: a) às fls. 359/360, consta proposta da PLANAM assinada e essa assinatura encontra identidade com a que está à fl. 371, identificada como de uma das responsáveis pela empresa, que, a propósito, tinha uma procuração passada pelos réus DJV e CMTV para administrar a firma (fl. 356); b) o recibo de fl. 352, referente ao cheque de pagamento pela compra, é assinado pela pessoa autorizada a recebê-lo, segundo autorização subscrita pela ré CMTV (fl. 355), que também trocou correspondência com a Maternidade, para fins de regularização de algumas pendências relacionadas à instalação de armário e ao registro de licenciamento do veículo (fls. 263/264). Além disso, "as participantes foram citadas como integrantes do esquema que ficou conhecido 'operação sanguessuga', promovido por Luiz Antônio Trevisan Vedoin, proprietário de algumas das empresas envolvidas, inclusive a vencedora em um dos certames analisados (Planam), nos termos de depoimento nos autos da ação penal 2006.36.00.7594-5, em curso na Seção Judiciária do Mato Grosso" (APELREEX31396/PB, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 05/07/2016, PUBLICAÇÃO: DJE 14/07/2016). 23. A conduta dos réus DJV, LATV e CMTV se subsume aos tipos dos arts. 10, VIII, e 11, da Lei nº 8.429/92, razão pela qual a eles se aplicam as seguintes penas, a partir da consideração dos parâmetros do parágrafo único do art. 12 da Lei nº 8.429/92 e dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: ressarcimento integral do dano (em solidariedade); suspensão dos direitos políticos por oito anos; pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano; proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. 24. Apelação do MPF provida. 25. Apelação dos réus parcialmente provida.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 28/07/2016
Data da Publicação : 05/08/2016
Classe/Assunto : AC - Apelação Civel - 575466
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-22 PAR-7 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPC-15 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1013 PAR-3 INC-1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-12 INC-2 ART-10 INC-8 INC-12 ART-9 ART-11 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-248 (TCU) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-543-B ART-543-C ART-515 PAR-3
Fonte da publicação : DJE - Data::05/08/2016 - Página::15
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