TRF5 200880000016103
PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONADO MAJORADO. FRAUDE NO PAGAMENTO DE TRIBUTO FEDERAL POR MEIO DE CHEQUE SEM SUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS. ART. 171, PARÁGRAFO 2º, IV C/C PARÁGRAFO 3º DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL APENAS QUANTO A UM DOS ACUSADOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CRIME. NÃO APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS NÃO CONFIGURADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. IMPERTINÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO INDENIZÁVEL. PARCIAL PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. Apelações Criminais interpostas contra sentença que condenou os acusados pela prática do delito tipificado no art. 171, parágrafo 2º, VI, c/c parágrafo 3º do CPB, consistente em fraude no pagamento de tributos federais por meio de cheque sem suficiente provisões de fundos.
2. O princípio da insignificância, colorário dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, tratando-se de direito penal, visa excluir a tipicidade penal. A aplicação do referido princípio exige, na análise da materialidade do tipo penal, a presença de certos vetores, tais como "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público" (HC 93453, JOAQUIM BARBOSA, STF).
3. No caso dos autos, não há como definir como insignificante as condutas dos denunciados que praticaram estelionato contra a Receita Federal, órgão público federal, utilizando-se de fraude para conseguir vantagem econômica, através da emissão de dois cheques sem provisão de fundos, nos valores de R$ 20.424,19 (vinte mil, quatrocentos e vinte e quatro reais e dezenove centavos) e R$ 11.261,22 (onze mil, duzentos e sessenta e um reais e vinte e dois centavos) para liberação de mercadorias apreendidas originadas do exterior.
4. No estelionato a finalidade do tipo penal não é apenas punir o infrator em decorrência do prejuízo econômico sofrido pela vítima, mas devido à forma utilizada para conseguir a vantagem econômica. Ademais, no caso houve não apenas violação ao patrimônio público, mas a própria moral administrativa e a fé pública. (STJ, HC 135.917/CE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 14/12/2011).
5. Autoria e materialidade delitiva encontram-se configurada através da ação dos acusados de emitir cheques sem suficiente provisão de fundos para pagamento de dois Documentos de Arrecadação de Receitas Federais - DARFs, com a finalidade de pagar tributos referentes a importação de produtos trazidos dos Estados Unidos da América. Existente, portanto, o intuito de obter vantagem ilícita em face da Receita Federal, recuperando os bens que foram apreendidos na Alfândega.
6. Não merece prosperar a alegação de atipicidade da conduta, por ausência de fraude e dano patrimonial, uma vez que apenas se considera atípico o pagamento realizado por meio de cheque sem fundo, quando o mesmo é descaracterizado como ordem de pagamento a vista, como se pode verificar no caso da conhecida prática de "cheque pré-datado", situação não configurada nos autos.
7. A palavra "fraude" contida na Súmula nº. 246 do STF ("Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos"), não se refere à autenticidade do título de crédito, mas ao dolo do denunciado de emitir o cheque consciente de que não haveria fundos ou mesmo sustá-lo posteriormente, sem motivo justo, com a finalidade de ludibriar o fisco e permanecer com todos os objetos comprados no exterior.
8. Não se pode enquadrar a conduta dos acusados como aceitável, pois os recorrentes possuíam pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, sabedores de que os produtos trazidos do exterior em valor superior ao permitido deveriam se declarados à Alfândega, com o pagamento dos tributos devidos, sob pena das mercadorias ficarem apreendidas. Inexigibilidade de conduta diversa afastada.
9. A Lei nº 11.719, de 20.06.2008, alterando o art. 387 do Código de Processo Penal, estabeleceu no inciso nº. IV como requisito essencial da sentença condenatória, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, tendo em consideração os prejuízos sofridos pelo ofendido, contudo por se tratar de alteração legislativa posterior a data do fato delitivo (ano de 2006), não é possível a sua retroação para prejudicar o réu, em observância ao caráter penal-sancionatório, uma vez que a reparação do dano possui natureza material.
10. Configurados os requisitos para o reconhecimento do concurso material em relação a um dos denunciados, considerando que este participou duas condutas delitivas, a primeira ao assinar o cheque, emitido no dia 22/06/2006, destinado ao pagamento do DARF, para liberação de mercadorias originadas do exterior. A segunda ao pedir para a segunda denunciada assinar o cheque, emitido no dia 08/10/2006, no valor de R$ 11.261,22 (onze mil, duzentos e sessenta e um reais e vinte e dois centavos), para o pagamento do DARF, referente a tributos de outras mercadorias originadas do exterior.
11. Reconhecimento da prescrição retroativa em relação a primeira conduta de um dos denunciados, nos termos do art. 110 do CP, na redação anterior a Lei nº 12.234/2010, pois considerando a pena de 1 (um) ano e 04 (quatro) meses (contagem isolada nos termos do art. 119 do CP), aplicando-se o prazo prescricional de 4 (quatro) anos, tem-se que o mesmo já se esgotou uma vez que o cheque foi emitido em 22.06.2006 e a denúncia recebida em 29.09.2010.
12. Apelações parcialmente providas.
(PROCESSO: 200880000016103, ACR9322/AL, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 11/09/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 20/09/2012 - Página 472)
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONADO MAJORADO. FRAUDE NO PAGAMENTO DE TRIBUTO FEDERAL POR MEIO DE CHEQUE SEM SUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS. ART. 171, PARÁGRAFO 2º, IV C/C PARÁGRAFO 3º DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL APENAS QUANTO A UM DOS ACUSADOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CRIME. NÃO APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS NÃO CONFIGURADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. IMPERTINÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO INDENIZÁVEL. PARCIAL PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. Apelações Criminais interpostas contra sentença que condenou os acusados pela prática do delito tipificado no art. 171, parágrafo 2º, VI, c/c parágrafo 3º do CPB, consistente em fraude no pagamento de tributos federais por meio de cheque sem suficiente provisões de fundos.
2. O princípio da insignificância, colorário dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, tratando-se de direito penal, visa excluir a tipicidade penal. A aplicação do referido princípio exige, na análise da materialidade do tipo penal, a presença de certos vetores, tais como "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público" (HC 93453, JOAQUIM BARBOSA, STF).
3. No caso dos autos, não há como definir como insignificante as condutas dos denunciados que praticaram estelionato contra a Receita Federal, órgão público federal, utilizando-se de fraude para conseguir vantagem econômica, através da emissão de dois cheques sem provisão de fundos, nos valores de R$ 20.424,19 (vinte mil, quatrocentos e vinte e quatro reais e dezenove centavos) e R$ 11.261,22 (onze mil, duzentos e sessenta e um reais e vinte e dois centavos) para liberação de mercadorias apreendidas originadas do exterior.
4. No estelionato a finalidade do tipo penal não é apenas punir o infrator em decorrência do prejuízo econômico sofrido pela vítima, mas devido à forma utilizada para conseguir a vantagem econômica. Ademais, no caso houve não apenas violação ao patrimônio público, mas a própria moral administrativa e a fé pública. (STJ, HC 135.917/CE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 14/12/2011).
5. Autoria e materialidade delitiva encontram-se configurada através da ação dos acusados de emitir cheques sem suficiente provisão de fundos para pagamento de dois Documentos de Arrecadação de Receitas Federais - DARFs, com a finalidade de pagar tributos referentes a importação de produtos trazidos dos Estados Unidos da América. Existente, portanto, o intuito de obter vantagem ilícita em face da Receita Federal, recuperando os bens que foram apreendidos na Alfândega.
6. Não merece prosperar a alegação de atipicidade da conduta, por ausência de fraude e dano patrimonial, uma vez que apenas se considera atípico o pagamento realizado por meio de cheque sem fundo, quando o mesmo é descaracterizado como ordem de pagamento a vista, como se pode verificar no caso da conhecida prática de "cheque pré-datado", situação não configurada nos autos.
7. A palavra "fraude" contida na Súmula nº. 246 do STF ("Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos"), não se refere à autenticidade do título de crédito, mas ao dolo do denunciado de emitir o cheque consciente de que não haveria fundos ou mesmo sustá-lo posteriormente, sem motivo justo, com a finalidade de ludibriar o fisco e permanecer com todos os objetos comprados no exterior.
8. Não se pode enquadrar a conduta dos acusados como aceitável, pois os recorrentes possuíam pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, sabedores de que os produtos trazidos do exterior em valor superior ao permitido deveriam se declarados à Alfândega, com o pagamento dos tributos devidos, sob pena das mercadorias ficarem apreendidas. Inexigibilidade de conduta diversa afastada.
9. A Lei nº 11.719, de 20.06.2008, alterando o art. 387 do Código de Processo Penal, estabeleceu no inciso nº. IV como requisito essencial da sentença condenatória, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, tendo em consideração os prejuízos sofridos pelo ofendido, contudo por se tratar de alteração legislativa posterior a data do fato delitivo (ano de 2006), não é possível a sua retroação para prejudicar o réu, em observância ao caráter penal-sancionatório, uma vez que a reparação do dano possui natureza material.
10. Configurados os requisitos para o reconhecimento do concurso material em relação a um dos denunciados, considerando que este participou duas condutas delitivas, a primeira ao assinar o cheque, emitido no dia 22/06/2006, destinado ao pagamento do DARF, para liberação de mercadorias originadas do exterior. A segunda ao pedir para a segunda denunciada assinar o cheque, emitido no dia 08/10/2006, no valor de R$ 11.261,22 (onze mil, duzentos e sessenta e um reais e vinte e dois centavos), para o pagamento do DARF, referente a tributos de outras mercadorias originadas do exterior.
11. Reconhecimento da prescrição retroativa em relação a primeira conduta de um dos denunciados, nos termos do art. 110 do CP, na redação anterior a Lei nº 12.234/2010, pois considerando a pena de 1 (um) ano e 04 (quatro) meses (contagem isolada nos termos do art. 119 do CP), aplicando-se o prazo prescricional de 4 (quatro) anos, tem-se que o mesmo já se esgotou uma vez que o cheque foi emitido em 22.06.2006 e a denúncia recebida em 29.09.2010.
12. Apelações parcialmente providas.
(PROCESSO: 200880000016103, ACR9322/AL, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 11/09/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 20/09/2012 - Página 472)
Data do Julgamento
:
11/09/2012
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal - ACR9322/AL
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Barros Dias
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
307462
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 20/09/2012 - Página 472
DecisÃo
:
UNÂNIME
Veja tambÉm
:
HC 88759 (STF)HC 93453 (STF)HC 84412/SP (STF)HC 135917/CE (STJ)ACR 200983020007672 (TRF5)ACR 200741000050527 (TRF1)ACR 00091127920054036181 (TRF3)
Doutrinas
:
Obra: Código de Processo Penal anotado. 24ª Ed. Editora Saraiva. São Paulo: 2010, p. 332
Autor: Jesus, Damásio de.
Revisor
:
Desembargador Federal Paulo Gadelha
ReferÊncias legislativas
:
CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 PAR-2 INC-6 PAR-3 ART-29 PAR-1 ART-299 ART-110 PAR-1 PAR-2 ART-109 INC-5 ART-119
CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 (CAPUT) INC-4 ART-198 ART-63
LEG-FED SUM-521 (STF)
LEG-FED SUM-244 (STJ)
LEG-FED SUM-246 (STF)
LEG-FED LEI-11719 ANO-2008 ART-387 INC-4
CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-40
LEG-FED LEI-12234 ANO-2001
Votantes
:
Desembargador Federal Francisco Barros Dias
Desembargador Federal Francisco Wildo
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