main-banner

Jurisprudência


TRF5 200883000137995

Ementa
CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. CLÁUSULA DE RESÍDUO. INVALIDAÇÃO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DANO MORAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1. Apelação interposta contra sentença de improcedência do pedido de invalidação de "cláusula de resíduo" do contrato de mútuo habitacional, firmado no âmbito do SFH, com determinação de quitação do ajuste e liberação da hipoteca correspondente, bem como de condenação da instituição financeira em indenização por dano moral. 2. A CEF e a EMGEA têm, ambas, legitimidade passiva ad causam. 3. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. 4. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Trata-se de reconhecer a habitação como direito inerente à condição humana, habitação como refúgio e como permissivo da inserção do indivíduo no convívio social. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento. 5. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007). 6. Onerosidade excessiva do contrato de mútuo, diante da irrealizabilidade da liquidação do débito, com a conseqüente perda do imóvel. 7. Laconismo contratual que não se coaduna com o direito à informação do mutuário. Insuficiência que se coliga à expectativa de aquisição da casa própria, esperança fundada na certeza de que o aumento das prestações apenas acontecerá em caso de acréscimo dos salários; na convicção de que a correção do débito acompanhará a realidade vivenciada pelo mutuário (equilíbrio contratual); na idéia de que, com o adimplemento periódico e contínuo das obrigações, não haverá saldo devedor ou será ele de menor monta ("saldo devedor eventual"). 8. O mutuário não pode ser penalizado por equívocos cometidos pela instituição financeira no planejamento do sistema habitacional, nem a ele podem ser imputados todos os riscos do negócio jurídico, enquanto a instituição financeira fica salvaguardada. 9. Considerada a natureza jurídica do contrato de mútuo, o mutuário possui o direito subjetivo de ver extinta a sua dívida, uma vez adimplidas as prestações periódicas e contínuas ajustadas. O próprio Sistema Price caracteriza-se como mecanismo de cálculo que permite ao calculante estabelecer o número de prestações, nas quais poder-se-ia dividir o débito, para que seja alcançado, ao final do parcelamento ajustado, o integral pagamento da dívida, com a conseqüente desobrigação do mutuário. A lógica da regra, assim, envolve amortizações constantes pelo pagamento das prestações mensais, que se dirigem a saldar os juros e a dívida principal, com liquidação do empréstimo ao fim de um período pré-definido. Se distorções existem em relação à realização da sistemática da Tabela Price, elas não podem ser imputadas ao mutuário, que simplesmente assina um contrato de adesão. Considerando que os mutuários têm sua capacidade de pagar definida pelo valor dos salários que percebem, salários que não progridem mensalmente segundo índices financeiros, não há como se exigir do mutuário capacidade de solver um montante que, seguindo as cadernetas de poupança, se expande em maior velocidade e proporção que os salários. A cláusula de resíduo não evita a exacerbação das prestações, mas apenas transfere a exacerbação - não autorizada pela regra da equivalência salarial - ao saldo devedor, sem que o mutuário tenha compreensão desse deslocamento. A cláusula de resíduo, da forma como atualmente evolui o saldo devedor, transforma mesmo o contrato de mútuo/compra e venda em contrato de aluguel perpétuo, haja vista que, não tendo o mutuário como saldar o débito residual, perderá o imóvel que acreditava estar adquirindo a cada prestação adimplida. Considerando a finalidade do contrato de mútuo, que consiste na transferência da propriedade do bem imóvel ao mutuário, restaria, o referido tipo contratual, descaracterizado diante da insolvabilidade crescente imputada ao prestamista, insolvência que implicará na não transferência da propriedade da coisa fungível. 10. Precedente do Pleno do TRF5: "A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em desvantagem exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor" (Pleno do TRF5, AR 5589/PE, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. em 23.07.2008, unânime). 11. In casu, tendo os autores adimplido, regularmente, as 240 prestações do mútuo, de 10.03.88 a 10.02.2008, é de se reconhecer seu direito à quitação do financiamento habitacional, não se podendo admitir uma prorrogação ou renegociação para cobrir saldo dito "remanescente" de mais de R$320.000,00, em cujo início a prestação mensal salta de R$153,64 (prestação antes da prorrogação) para R$2.627,28 (depois da renegociação). 12. Nulidade da cláusula de resíduo do contrato (cláusula 16ª) que se reconhece, ordenando-se que a instituição financeira promova as providências necessárias à liberação da hipoteca em função da declaração de quitação. 13. Havendo, ainda, debate da esfera judicial, acerca da questão jurídica telada, não há como se reconhecer dano moral na conduta da instituição financeira. 14. Pelo parcial provimento da apelação, para declarar a quitação do financiamento habitacional e determinar a liberação da hipoteca correspondente, julgando-se, contudo, improcedente o pedido de condenação em indenização por dano moral. (PROCESSO: 200883000137995, AC463083/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/05/2009, PUBLICAÇÃO: DJ 10/07/2009 - Página 444)

Data do Julgamento : 14/05/2009
Classe/Assunto : Apelação Civel - AC463083/PE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 191186
PublicaÇÕes : Diário da Justiça (DJ) - 10/07/2009 - Página 444
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : AG 91589/PE (TRF5)RESP 838372/RS (STJ)AR 5589/PE (TRF5)AC 402156/PB (TRF5)AC 3421107 (TRF5)RESP 335171/SC (STJ)
Doutrinas : Obra: Sistema Financeiro da Habitação. Uma Análise Sócio-Jurídica da Gênese, Desenvolvimento e Crise do Sistema. Curitiba: Juruá. 2a ed. 2001, p. 109/110. Autor: José Maria Aragão
Obraautor: : in Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais, 3a ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 413/415 Cláudia Lima Marques
ReferÊncias legislativas : LEG-FED LEI-4380 ANO-1964 ART-1 PAR-3 ART-4 INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 ART-8 ART-9 ART-60 INC-1 INC-2 INC-3 ART-66 ART-16 ART-5 ART-6 ART-30 PAR-ÚNICO LEG-FED LEI-5762 ANO-1971 LEG-FED DEC-72512 ANO-1973 ART-8 LEG-FED DEC-88293 ANO-1983 LEG-FED LEI-4595 ANO-1964 LEG-FED DEL-2291 ANO-1986 LEG-FED DEC-58377 ANO-1966 LEG-FED LEI-5107 ANO-1966 ART-10 LEG-FED DEC-63182 ANO-1968 ART-1 ART-2 PAR-1 ART-5 PAR-2 LEG-FED LEI-4864 ANO-1965 LEG-FED DEL-19 ANO-1966 LEG-FED RES-36 ANO-1969 (Conselho de Administração do BNH) LEG-FED DEL-2349 ANO-1987 LEG-FED LEI-6205 ANO-1975 LEG-FED RES-1 ANO-1977 (Conselho de Administração do BNH) LEG-FED LEI-6423 ANO-1977 LEG-FED DEC-88371 ANO-1983 LEG-FED DEL-2045 ANO-1983 LEG-FED DEL-2065 ANO-1983 ART-23 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 PAR-5 PAR-6 PAR-7 PAR-8 LEG-FED DEL-2164 ANO-1984 ART-9 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 PAR-5 PAR-6 PAR-7 ART-22 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 PAR-5 PAR-6 PAR-7 PAR-8 PAR-9 LEG-FED DEC-2284 ANO-1986 LEG-FED LEI-8004 ANO-1990 LEG-FED LEI-8100 ANO-1990 ART-1 INC-1 INC-2 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-2 LEG-FED LEI-8177 ANO-1991 ART-18 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-23 INC-1 LET-A LET-B INC-2 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-24 PAR-1 PAR-2 PAR-3 LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 ART-1 ART-2 PAR-ÚNICO ART-3 PAR-ÚNICO ART-4 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 PAR-5 ART-5 ART-6 ART-13 ART-7 ART-8 PAR-1 PAR-2 PAR-3 PAR-4 ART-9 ART-10 ART-11 PAR-1 PAR-2 ART-12 ART-13 PAR-1 LET-A LET-B PAR-2 ART-14 ART-15 INC-1 INC-2 ART-25 PAR-2 PAR-3 ART-26 ART-27 ART-29 LEG-FED DEC-94548 ANO-1987 LEG-FED DEC-2065 ANO-1983 LEG-FED MPR-1951 ART-1 CC-02 Código Civil LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-993 LEG-FED LEI-8692 ANO-1993 LEG-FED SUM-121 (STF) LEG-FED RES-81 ANO-1969 LEG-FED DEL-19 ANO-1966 ART-1 PAR-1 LEG-FED LEI-6205 ANO-1975 ART-2 PAR-ÚNICO LEG-FED LEI-6147 ANO-1974 LEG-FED LEI-6423 ANO-1977 LICC-42 Lei de Introdução ao Codigo Civil LEG-FED DEL-4657 ANO-1942 ART-5 CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-6 INC-5 INC-3 ART-10 (CAPUT) ART-31 ART-52 CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-297 ART-396 ART-21 LEG-FED LEI-8880 ANO-1994 LEG-FED SUM-514 (STF) LEG-FED DEC-59163 ANO-1966
Votantes : Desembargador Federal José Maria Lucena Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
Mostrar discussão