TRF5 2009.81.02.001529-9 200981020015299
PENAL E PROCESSUAL PENAL. FRUSTRAÇÃO OU FRAUDE DO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI 8.666/1993). SUPERFATURAMENTO NA LICITAÇÃO OU NA EXECUÇÃO DO CONTRATO (ART. 96, I, DA LEI 8.666/1993). SENTENÇA CONDENATÓRIA. ELEMENTOS DE PROVA HÁBEIS À
CONDENAÇÃO. EXCLUSIVAMENTE EM INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS DE TEOR CONDENATÓRIO PRODUZIDOS EM JUÍZO. MEROS INDÍCIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVA (ART. 386, INCISOS V E VII, CPP). PROVIMENTO
DAS APELAÇÕES DOS RÉUS.
- Cuida-se de apelações criminais interpostas pelos Réus JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, JOSÉ EUGÊNIO PEREIRA DE PAIVA, PEDRO LIRA NOBRE, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA, ARINALDO FELINTO DA CRUZ e CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, contra sentença de fls. 1044/1092,
proferida em 25 de novembro de 2014, que os condenou, à exceção do último que fora absolvido do crime do art. 96, I, da Lei 8.666/1993, pela prática dos delitos de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação e de superfaturamento na
licitação ou na execução do contrato, em concurso material, tipificados nos arts. 90 e 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, cominando, respectivamente, as penas de 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de detenção ao primeiro, de 8 (oito) anos, 1 (um) mês e 10
(dez) dias de detenção ao segundo, de 6 (seis) anos e um mês de detenção a cada um dos três seguintes e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses ao último, a serem cumpridas inicialmente em regime semiaberto e, para aquele último condenado, regime aberto, e ao
pagamento de multa no valor correspondente a 3% (três por cento) do montante do contrato licitado individualmente, tendo absolvido ainda os denunciados CÍCERO DE LIMA LEITE, GALBA MATOS CARDOSO DE ALENCAR e MARIA LÚCIA MOREIRA CABRAL da imputação dos
dois crimes, a teor do art. 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal.
- Em suas razões de apelo (fls. 1145/1177), aduz JOÃO LUIZ PITOMBEIRA os seguintes argumentos em seu prol: a) nulidade do processo, em razão do defensor dativo nomeado em sua defesa pelo juiz da causa ter sido o delegado e presidente do inquérito
policial instaurado para investigar os fatos narrados na denúncia; b) a coincidência na sequência numérica dos selos de autenticidade nos documentos de habilitação da J. R. Comercial LTDA e da C. F. Ribeiro da Silva não tem o condão de demonstrar a
existência de suposto conluio entre as empresas, até porque, além de serem concorrentes, é comum contratarem os mesmos despachantes para realizarem serviços burocráticos, tais como autenticação de documentos e requerimento de certidões; c) é
entendimento pacífico do TCU a possibilidade de participação em licitações de empresas com sócios em comum; d) o Laudo de Exame em Mídia de Armazenamento Computacional nº 182/05-SR/CE, emitido pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de
Polícia Federal (fls. 1370/1373), não chega à conclusão de que houve fraude na confecção das propostas comerciais, das coletas de preços de licitações, recibos e contratos, supostamente efetuadas no mesmo computador.
- JOSÉ EUGÊNIO PEREIRA DE PAIVA, em recurso de apelação manejado às fls. 1292/1325, advoga, em suma, que: a) o decreto condenatório amparou-se, unicamente, em elementos apurados no âmbito de inquéritos policiais e no depoimento de José Nildo Rodrigues
da Cunha Filho prestado em outro inquérito e que fora objeto de retratação; b) existem várias irregularidades na instauração do inquérito policial destinado a apurar supostos desvios de verbas do FUNDEF, entre as quais a obtenção ilícita de documentos
através de ordem de busca e apreensão decretada pela Justiça Eleitoral de Juazeiro do Norte/CE, por corresponderem a elementos probantes estranhos a processos eleitorais; c) a condenação baseou-se tão somente em meros indícios colhidos por ocasião da
fase inquisitorial produzidos pela autoridade policial; d) escapa à sua responsabilidade pela custódia e articulação de arquivos vinculados aos licitantes em computadores da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, pois nem sequer havia tais
equipamentos na sala onde trabalhava; e) não houve sobrepreço ou superfaturamento de preços; f) constata-se contradição na definição da dosimetria da pena, na medida em que, embora o juízo sentenciante tenha considerado todas as circunstâncias judiciais
do art. 59 do CP como favoráveis, acabou por fixar a pena-base acima do mínimo legal, não tendo havido a adequada fundamentação das agravantes genéricas do art. 61, II, "g", e art. 62, do Código Penal; g) restou sobejamente demonstrada a ocorrência de
encontro fortuito de provas obtidas originariamente por meios antijurídicos e a ilicitude por derivação ("teoria dos frutos da árvore envenenada") e que, embora tenham sido ouvidas testemunhas em juízo, a prova utilizada para incriminar foi produzida
por ocasião do inquérito policial.
- No recurso de apelação acostado às fls. 1326/1349, PEDRO LIRA NOBRE aponta, em fórmula sintética, as seguintes razões: a) a Justiça Federal é incompetente, em razão de parcela das verbas referentes ao FUNDEF serem oriundas de recursos do Estado e do
próprio município; b) falta de individualização das condutas típicas, sendo o caso de se reconhecer a inépcia da denúncia; c) consumou-se a prescrição retroativa, por já ter decorrido mais de 8 (oito) anos entre o fato imputado e o recebimento da
denúncia; d) não participou de qualquer esquema de montagem de procedimentos licitatórios, esclarecendo que a comissão de licitação recomendava às empresas que apresentassem as propostas em mídia digital (DVD ou disquete), a fim de facilitar o manejo
dos mapas comparativos de preços e, por via de consequência, diminuir o tempo de duração das sessões de licitação; e) de posse das mídias, um funcionário da Prefeitura salvava os arquivos digitais trazidos pelas empresas nos computadores do Setor de
Licitação, em um novo arquivo e os manuseava, para evitar o manejo dos próprios arquivos dos licitantes e, por conseguinte, não alterá-los mantendo a sua integridade original e a sua similitude com os arquivos em papel; f) no Laudo Pericial nº 182/05
relativo à investigação dos arquivos encontrados nos computadores apreendidos na Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, foi constatado que não havia possibilidade de afirmar a existência de fraude; g) ausência de sobrepreço, pois os preços
praticados foram compatíveis com a época, sobretudo porque as propostas dos licitantes foram apresentados em quilos ou litros, ao passo que os valores esposados pela acusação foram em grama ou mililitro; e h) a dosimetria da pena-base encontra-se,
equivocadamente acima do mínimo legal.
- ANTÔNIO MORAIS PEREIRA oferta as suas razões recursais às fls. 1352/1372, defendendo, em síntese, que: a) a ausência de individualização da conduta na denúncia, o que impõe a sua rejeição; b) participou do procedimento licitatório, na condição de
procurador da empresa Vitória Comércio e Representações LTDA, tendo apresentado propostas de preços sem qualquer suposta combinação a configurar fraude licitatória; c) não foi quem elaborou as propostas, nem fez avaliação de preços no mercado,
informando, ainda, que a própria Administração municipal recomendava que todos os licitantes apresentassem propostas impressas lacradas, em envelope e em forma de mídia digital (disquete ou CD-ROOM), para que facilitasse o serviço da comissão quando
fosse avaliar os preços, o que propiciava mais celeridade, organização e eficiência ao procedimento; d) não tem força probante o Relatório de Ação de Controle, ante a ausência de assinatura dos responsáveis por sua confecção; e e) os preços dos produtos
estavam dentro da normalidade para a época.
- Às fls. 1373/1427, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS apresenta as suas razões de apelo, em apertada síntese, com os seguintes pontos: a) inépcia da inicial; b) nulidade processual pela designação de ex-delegado como defensor dativo de JOSÉ LUIZ
PITOMBEIRA e PEDRO NOBRE; b) participou do certame, na qualidade de representante da empresa Ivan Dantas de Souza - ME, mas que atuou por determinação de seu proprietário; c) Relatório de controle apócrifo; d) jamais foi representante da empresa I. B.
Q. Alencar Alimentícios - ME, não atuando em mais de uma sociedade empresarial; e) inexistiu qualquer ilícito penal ou fraude no manejo dos arquivos na Prefeitura; f) houve cerceamento de defesa quanto a documentos produzidos pela acusação sem
submetê-los ao crivo do contraditório; g) as prestações de contas referentes ao contrato em apreço foram aprovadas pelo FNDE e pelo TCU; h) ausência de dolo ou dano ao erário; i) exasperação indevida da pena-base acima do mínimo legal.
- Na apelação hospedada às fls. 1448/1458 (1460/1470, no original), ARINALDO FELINTO DA CRUZ traz à baila as seguintes razões recursais: a) não praticou o crime do art. 96, I, da Lei 8.666/1993, pois a elevação dos preços decorreu de expressa previsão
encartada no art. 65 daquele diploma legal, que possibilita o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo; b) figurou no certame como procurador da empresa M. Silvana Granjeiro - ME, não tendo, porém, elaborado em nome dela as propostas
ofertadas; c) não há prova do elemento subjetivo do tipo do art. 90 da Lei 8.666/1993, já que inexiste qualquer demonstração nos autos de sua ligação com os demais licitantes para fraudar o caráter competitivo da licitação.
- O tipo incriminador disposto no art. 90 da Lei 8.666/1993 tem como verbos "frustrar ou fraudar". A conduta de "frustrar" deve ser entendida como iludir a expectativa de competitividade do certame e a de "fraudar" como burlar, enganar, tal
competitividade. Essa fraude ou frustração objetiva atingir o caráter competitivo do procedimento licitatório, de sorte a acarretar a ausência de concorrentes ou a pouca quantidade destes, abrindo espaço, por conseguinte, à adjudicação direta do objeto
ao único participante do certame, ou a atribuição da falsa qualidade de vencedor a um dos poucos participantes que, em regra, já estava previamente em conluio para tal fim. Essa infração penal capitulado no art. 90 da Lei de Licitações só pode ser
praticada mediante dolo, direto ou eventual, consistente na vontade de fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação. Porém, ao dolo de praticar essa conduta deve-se agregar outro elemento subjetivo do tipo, o especial fim de agir "com o
intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação".
- Configura o crime de superfaturamento ou fraude na licitação ou na execução do contrato capitulado no art. 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, a conduta de fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou
mercadorias, ou contrato dela decorrente, elevando arbitrariamente os preços. Esse tipo penal busca evitar que o patrimônio público seja desfalcado por intermédio de licitações fraudulentas para aquisição ou venda de bens ou mercadorias ou através de
contratos celebrados em decorrência do certame.
- Narra a denúncia que o acusados cometeram fraudes no certame licitatório na Concorrência Pública nº 08/2001, desencadeado pela Secretaria Municipal de Administração de Juazeiro do Norte/CE, visando à aquisição de gêneros alimentícios destinados ao
Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, instituído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, para fornecimento em várias unidades escolares. Relata, outrossim, a peça acusatória ter havido frustração do caráter competitivo do
processo licitatório, uma vez que 6 (seis) das 8 (oito) propostas das empresas licitantes, representadas pelos denunciados JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA, PEDRO LIRA NOBRE E ARINALDO FELINTO DA CRUZ, foram
elaborados no mesmo computador pertencente ao Setor de Licitações da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, o que demonstra a montagem do certame pelos demais denunciados, a caracterizar a ocorrência dos crimes tipificados nos arts. 90 e 96,
inciso I, da Lei 8.666/1993.
- É indubitável que eventual malversação de recursos repassados pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF, sujeitas naturalmente à prestação de contas perante órgão federal, nos
termos da Súmula nº 208/STJ, atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal, por se tratar de bem e de interesse direto da União. Os recursos do FUNDEF, justamente por serem repassados pela União, solidificam a competência
da Justiça Federal para processar e julgar a demanda penal, na forma do insculpido no art. 109, inciso IV, da Constituição de 1988.
- Argui a defesa a inépcia da inicial, devido à suposta falta de individualização de condutas. No entanto, inexiste, na espécie, qualquer mácula na peça acusatória capaz de acoimá-la de inepta. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apontou as condutas praticadas
pelos acusados que, em tese, configurariam os tipos penais desenhado nos arts. 90 e 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, não comprometendo ou impedindo em nada o exercício do contraditório e da ampla defesa.
- Não há como acatar a preliminar de nulidade processual, em face da designação como defensor dativo de ex-Delegado da Polícia Federal que presidiu o inquérito policial relativo aos fatos relatados na denúncia. É que, na hipótese, não se demonstrou a
existência de algum prejuízo à defesa dos réus JOÃO LUIZ PITOMBEIRA e PEDRO LIRA NOBRE durante o iter processual em que houve por aquele a promoção da defesa técnica. Apenas se alega que o ex-Delegado não poderia atuar, mas nada de concreto se aponta
como efetivo prejuízo à defesa. É regra comezinha de que somente se decreta a nulidade processual, quando se constata prejuízo (pas de nullité sans grief). Note-se, na fase das alegações finais e, portanto, antes da prolação da sentença, os réus já
contavam com advogados constituídos.
- O Réu PEDRO LIRA NOBRE ventila a ocorrência de prescrição retroativa entre o fato imputado e o recebimento da denúncia, que ocorreu em 1º de dezembro de 2009. Segundo alega, já teria havido mais de 8 (oito) anos entre os marcos temporais. Contudo,
somente há indícios de suposta prática do delito de fraude ou frustração do caráter competitivo (art. 90 da Lei 8.666/1993) com a adjudicação do objeto licitado, que ocorreu em 17 de janeiro de 2002, não tendo, portanto, havido prescrição da pretensão
punitiva na modalidade retroativa.
- No ambiente meritório, é de bom alvitre realçar que o raciocínio desfilado na sentença recorrida em que se apoia a condenação dos réus alicerça-se, em essência, no depoimento da testemunha José Nildo Rodrigues da Cunha Filho (fls. 98/105 do IPL
158/2005), ouvida apenas no inquérito policial e que, posteriormente se retratou (fls. 799/800 do mesmo IPL), e no Laudo Pericial nº 182/2005 (fls. 71/74 do IPL 158/2005).
- As declarações originais de José Nildo Rodrigues da Cunha Filho, por sua vez, dão conta de que havia um conluio entre os licitantes e os verdadeiros responsáveis pela seleção das propostas vencedoras, porém sequer foi arrolada como testemunha pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na denúncia. Aliás, outras foram as testemunhas indicadas pela acusação e que foram ouvidas por ocasião da audiência instrutória. As testemunhas José Tarso Magno Teixeira da Silva, Carlos Frederico Ribeiro da Silva, Cícero
Belém, Antônio Kleber de Moura e José Jusifran Diniz, arroladas pelo parquet federal, nada disseram em juízo que servisse de prova a condenar quaisquer dos réus.
- O Laudo Pericial nº 182/2005, confeccionado pela Polícia Federal ainda na fase inquisitorial, com o escopo de investigar os arquivos encontrados nos computadores apreendidos na Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE quando do cumprimento de
mandado de busca e apreensão, conclui que não havia possibilidade de afirmar a existência de fraude. Diante dessa fragilidade constatada na perícia técnica, o juízo a quo, no decreto condenatório, passa a reconhecer a prática criminosa dos réus baseada
na constatação encontrada na Informação Técnica nº 025/2013 - UTEC/DPF/JNE/CE (fls. 501/504), que traz a lume o resultado a respeito dos metadados dos arquivos detectados nos computadores apreendidos. Constata-se, a partir de tais elementos, que dois
arquivos chamados "Proposta - merenda - Padaria.doc" e "Proposta - merenda - JR.doc" foram elaborados, respectivamente, nos dias 09 e 10 de julho de 2001, e, assim, antes da solicitação de abertura do certame, cujo edital somente foi publicado no Diário
Oficial do Município em 06 de dezembro de 2001.
- De acordo com as informações constantes na mesma informação técnica, os metadados contidos em quatro arquivos ("Proposta - merenda - Ivan.doc", "Proposta - merenda - CF.doc", "Proposta - merenda - Vitoria.doc" e "Proposta - merenda - Diancal.doc"
noticiam que foram criados com intervalo de menos de 17 (dezessete) horas uns dos outros e todos foram modificados e impressos após o dia que ocorreu a sessão de abertura e julgamento dos envelopes das propostas, em 07 de janeiro de 2002. Com base
nesses indícios, o julgador singular inferiu que, como tais propostas estariam relacionadas às empresas licitantes cujos denunciados ARINALDO FELINTO DA CRUZ, JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA e PEDRO LIRA
NOBRE seriam representantes ou procuradores delas, residiria aí o elemento objetivo da caracterização do conluio próprio da perpetração do crime de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação.
- A sequência numérica dos selos de autenticação entre a J.R. Comercial LTDA e a C. F. Ribeiro da Silva também estaria a comprovar a prática delituosa de JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, ARINALDO FELINTO DA CRUZ, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS
PEREIRA e PEDRO LIRA NOBRE. No entanto, é por demais cediço que não se pode condenar o acusado com base unicamente em prova colhida na fase inquisitorial, nem mesmo em meros indícios, sem que se demonstre minimamente, mediante elementos probantes, a
ligação entre os comportamentos considerados ilícitos e as condutas dos réus.
- Dispõe o art. 155 da Lei Instrumental Penal que: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."
- O Superior Tribunal de Justiça, pelas suas duas turmas especializadas em matéria criminal (5ª e 6ª Turmas), tem posição remansosa no sentido de que não se admite a condenação criminal alicerçada exclusivamente em elementos de informação obtidos
durante o inquérito policial, porém se torna possível quando também se baseia em elementos de provas judicializadas, colhidas no âmbito do devido processo legal (AGRESP 1366683, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14/11/2017, DJU
24/11/2017; AGARESP 1096705, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/06/2017, DJU 21/06/2017). Em outras palavras, o que entende o STJ, na esteira do desenhado no art. 155 do CPP, é que não se exige que todas as provas detentoras de
força condenatória sejam judicializadas. Basta haver uma única prova colhida no ambiente jurisdicional que ostente essa aptidão condenatória para afastar a vedação do art. 155 do CPP.
- Na hipótese dos autos, não há uma única prova produzida em juízo que sinalize a autoria criminosa dos réus em relação à prática do delito do art. 90 da Lei 8.666/1993. Possivelmente, houve fraude, embora não se tenha certeza dela, mas inexiste prova
de que foram perpetradas pelos réus condenados. A simples circunstância de terem sido licitantes da Concorrência Pública nº 08/2001 não indicam que praticaram a fraude licitatória, sobretudo porque suposta materialidade deu-se por meio dos computadores
da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE. Nenhuma testemunha ou elemento probatório sinalizou que algum dos réus, ao menos, utilizou algum dos computados apreendidos e que supostamente teria protagonizado a fraude. O que se tem - e isso parece
inegável - são indícios de prática criminosa, porém não prova suficiente que estabeleça um vínculo com os réus. Com efeito, não há prova no acervo encontradiço nos autos que fora produzida na arena jurisdicional a indicar que os réus concorreram à
prática do crime de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação, capitulado no art. 90 da Lei 8.666/1993, devendo, portanto, serem absolvidos, na forma do estipulado no art. 386, inciso V, do Estatuto Processual Penal.
- Naquilo que atina ao crime de superfaturamento de licitação ou da execução do contrato inserto no art. 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, também não se pode asseverar que há elementos capazes de levar à configuração da conduta delituosa perpetrada pelos
réus. A licitação realizada tinha a finalidade de obter vários gêneros alimentícios destinados à merenda escolar.
- O tipo penal, por seu turno, exige a elevação arbitrária e, portanto, injustificada, de preços de modo a enganar a Administração pública. Para servir como parâmetro de superfaturamento, a sentença valeu-se do Laudo de Exame Contábil nº
381/2008-SR/DPF/CE (fls. 768/779 do IPL 158/2005), que se lastreia em pesquisas de preço informadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE de cidades como Fortaleza/CE e Recife/PE. Além de se referir apenas a alguns itens, e não a
globalidade do objeto licitado, é possível perceber que as referências comparativas efetuadas não levam em conta os quantitativos, que se afiguraram diferenciados. As propostas dos licitantes foram apresentadas em quilos ou litros, ao passo que os
valores apontados no Laudo de Exame Contábil no qual se ancorou a acusação foram em gramas ou mililitros.
- Tanto isso é verdade que o próprio juízo sentenciante reconheceu a inexistência de prova suficiente à condenação em relação a vários fatos narrados na denúncia quanto ao suposto superfaturamento. Porém, reconheceu a prática criminosa quando o
sobrepreço chegou a 25% (vinte e cinco por cento) ou a 35% (trinta e cinco por cento) de elevação. Em que pese ter havido, de fato, aumento de preço, difícil concluir com sólida certeza de que foi arbitrária simplesmente porque subiu. O crime não
encerra apenas a conduta de elevação de preços, mas elevação arbitrária de preços e somente com esteio em dados do IBGE de Fortaleza/CE e Recife/PE não é possível dessumir que se caracterizou o tipo penal delineado no art. 96, inciso I, da Lei
8.666/1993.
- Incabível qualquer condenação a recair sobre os réus, por faltar suficiente prova quanto à perpetração dos crimes imputados, devendo os apelos ser providos, para absolvê-los dos crimes dos arts. 90 e 96, I, da Lei 8.666/1993, na forma do disposto no
art. 386, incisos V e VII, do Diploma Processual Penal.
- Provimento das apelações dos réus.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. FRUSTRAÇÃO OU FRAUDE DO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI 8.666/1993). SUPERFATURAMENTO NA LICITAÇÃO OU NA EXECUÇÃO DO CONTRATO (ART. 96, I, DA LEI 8.666/1993). SENTENÇA CONDENATÓRIA. ELEMENTOS DE PROVA HÁBEIS À
CONDENAÇÃO. EXCLUSIVAMENTE EM INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS DE TEOR CONDENATÓRIO PRODUZIDOS EM JUÍZO. MEROS INDÍCIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVA (ART. 386, INCISOS V E VII, CPP). PROVIMENTO
DAS APELAÇÕES DOS RÉUS.
- Cuida-se de apelações criminais interpostas pelos Réus JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, JOSÉ EUGÊNIO PEREIRA DE PAIVA, PEDRO LIRA NOBRE, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA, ARINALDO FELINTO DA CRUZ e CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, contra sentença de fls. 1044/1092,
proferida em 25 de novembro de 2014, que os condenou, à exceção do último que fora absolvido do crime do art. 96, I, da Lei 8.666/1993, pela prática dos delitos de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação e de superfaturamento na
licitação ou na execução do contrato, em concurso material, tipificados nos arts. 90 e 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, cominando, respectivamente, as penas de 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de detenção ao primeiro, de 8 (oito) anos, 1 (um) mês e 10
(dez) dias de detenção ao segundo, de 6 (seis) anos e um mês de detenção a cada um dos três seguintes e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses ao último, a serem cumpridas inicialmente em regime semiaberto e, para aquele último condenado, regime aberto, e ao
pagamento de multa no valor correspondente a 3% (três por cento) do montante do contrato licitado individualmente, tendo absolvido ainda os denunciados CÍCERO DE LIMA LEITE, GALBA MATOS CARDOSO DE ALENCAR e MARIA LÚCIA MOREIRA CABRAL da imputação dos
dois crimes, a teor do art. 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal.
- Em suas razões de apelo (fls. 1145/1177), aduz JOÃO LUIZ PITOMBEIRA os seguintes argumentos em seu prol: a) nulidade do processo, em razão do defensor dativo nomeado em sua defesa pelo juiz da causa ter sido o delegado e presidente do inquérito
policial instaurado para investigar os fatos narrados na denúncia; b) a coincidência na sequência numérica dos selos de autenticidade nos documentos de habilitação da J. R. Comercial LTDA e da C. F. Ribeiro da Silva não tem o condão de demonstrar a
existência de suposto conluio entre as empresas, até porque, além de serem concorrentes, é comum contratarem os mesmos despachantes para realizarem serviços burocráticos, tais como autenticação de documentos e requerimento de certidões; c) é
entendimento pacífico do TCU a possibilidade de participação em licitações de empresas com sócios em comum; d) o Laudo de Exame em Mídia de Armazenamento Computacional nº 182/05-SR/CE, emitido pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de
Polícia Federal (fls. 1370/1373), não chega à conclusão de que houve fraude na confecção das propostas comerciais, das coletas de preços de licitações, recibos e contratos, supostamente efetuadas no mesmo computador.
- JOSÉ EUGÊNIO PEREIRA DE PAIVA, em recurso de apelação manejado às fls. 1292/1325, advoga, em suma, que: a) o decreto condenatório amparou-se, unicamente, em elementos apurados no âmbito de inquéritos policiais e no depoimento de José Nildo Rodrigues
da Cunha Filho prestado em outro inquérito e que fora objeto de retratação; b) existem várias irregularidades na instauração do inquérito policial destinado a apurar supostos desvios de verbas do FUNDEF, entre as quais a obtenção ilícita de documentos
através de ordem de busca e apreensão decretada pela Justiça Eleitoral de Juazeiro do Norte/CE, por corresponderem a elementos probantes estranhos a processos eleitorais; c) a condenação baseou-se tão somente em meros indícios colhidos por ocasião da
fase inquisitorial produzidos pela autoridade policial; d) escapa à sua responsabilidade pela custódia e articulação de arquivos vinculados aos licitantes em computadores da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, pois nem sequer havia tais
equipamentos na sala onde trabalhava; e) não houve sobrepreço ou superfaturamento de preços; f) constata-se contradição na definição da dosimetria da pena, na medida em que, embora o juízo sentenciante tenha considerado todas as circunstâncias judiciais
do art. 59 do CP como favoráveis, acabou por fixar a pena-base acima do mínimo legal, não tendo havido a adequada fundamentação das agravantes genéricas do art. 61, II, "g", e art. 62, do Código Penal; g) restou sobejamente demonstrada a ocorrência de
encontro fortuito de provas obtidas originariamente por meios antijurídicos e a ilicitude por derivação ("teoria dos frutos da árvore envenenada") e que, embora tenham sido ouvidas testemunhas em juízo, a prova utilizada para incriminar foi produzida
por ocasião do inquérito policial.
- No recurso de apelação acostado às fls. 1326/1349, PEDRO LIRA NOBRE aponta, em fórmula sintética, as seguintes razões: a) a Justiça Federal é incompetente, em razão de parcela das verbas referentes ao FUNDEF serem oriundas de recursos do Estado e do
próprio município; b) falta de individualização das condutas típicas, sendo o caso de se reconhecer a inépcia da denúncia; c) consumou-se a prescrição retroativa, por já ter decorrido mais de 8 (oito) anos entre o fato imputado e o recebimento da
denúncia; d) não participou de qualquer esquema de montagem de procedimentos licitatórios, esclarecendo que a comissão de licitação recomendava às empresas que apresentassem as propostas em mídia digital (DVD ou disquete), a fim de facilitar o manejo
dos mapas comparativos de preços e, por via de consequência, diminuir o tempo de duração das sessões de licitação; e) de posse das mídias, um funcionário da Prefeitura salvava os arquivos digitais trazidos pelas empresas nos computadores do Setor de
Licitação, em um novo arquivo e os manuseava, para evitar o manejo dos próprios arquivos dos licitantes e, por conseguinte, não alterá-los mantendo a sua integridade original e a sua similitude com os arquivos em papel; f) no Laudo Pericial nº 182/05
relativo à investigação dos arquivos encontrados nos computadores apreendidos na Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, foi constatado que não havia possibilidade de afirmar a existência de fraude; g) ausência de sobrepreço, pois os preços
praticados foram compatíveis com a época, sobretudo porque as propostas dos licitantes foram apresentados em quilos ou litros, ao passo que os valores esposados pela acusação foram em grama ou mililitro; e h) a dosimetria da pena-base encontra-se,
equivocadamente acima do mínimo legal.
- ANTÔNIO MORAIS PEREIRA oferta as suas razões recursais às fls. 1352/1372, defendendo, em síntese, que: a) a ausência de individualização da conduta na denúncia, o que impõe a sua rejeição; b) participou do procedimento licitatório, na condição de
procurador da empresa Vitória Comércio e Representações LTDA, tendo apresentado propostas de preços sem qualquer suposta combinação a configurar fraude licitatória; c) não foi quem elaborou as propostas, nem fez avaliação de preços no mercado,
informando, ainda, que a própria Administração municipal recomendava que todos os licitantes apresentassem propostas impressas lacradas, em envelope e em forma de mídia digital (disquete ou CD-ROOM), para que facilitasse o serviço da comissão quando
fosse avaliar os preços, o que propiciava mais celeridade, organização e eficiência ao procedimento; d) não tem força probante o Relatório de Ação de Controle, ante a ausência de assinatura dos responsáveis por sua confecção; e e) os preços dos produtos
estavam dentro da normalidade para a época.
- Às fls. 1373/1427, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS apresenta as suas razões de apelo, em apertada síntese, com os seguintes pontos: a) inépcia da inicial; b) nulidade processual pela designação de ex-delegado como defensor dativo de JOSÉ LUIZ
PITOMBEIRA e PEDRO NOBRE; b) participou do certame, na qualidade de representante da empresa Ivan Dantas de Souza - ME, mas que atuou por determinação de seu proprietário; c) Relatório de controle apócrifo; d) jamais foi representante da empresa I. B.
Q. Alencar Alimentícios - ME, não atuando em mais de uma sociedade empresarial; e) inexistiu qualquer ilícito penal ou fraude no manejo dos arquivos na Prefeitura; f) houve cerceamento de defesa quanto a documentos produzidos pela acusação sem
submetê-los ao crivo do contraditório; g) as prestações de contas referentes ao contrato em apreço foram aprovadas pelo FNDE e pelo TCU; h) ausência de dolo ou dano ao erário; i) exasperação indevida da pena-base acima do mínimo legal.
- Na apelação hospedada às fls. 1448/1458 (1460/1470, no original), ARINALDO FELINTO DA CRUZ traz à baila as seguintes razões recursais: a) não praticou o crime do art. 96, I, da Lei 8.666/1993, pois a elevação dos preços decorreu de expressa previsão
encartada no art. 65 daquele diploma legal, que possibilita o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo; b) figurou no certame como procurador da empresa M. Silvana Granjeiro - ME, não tendo, porém, elaborado em nome dela as propostas
ofertadas; c) não há prova do elemento subjetivo do tipo do art. 90 da Lei 8.666/1993, já que inexiste qualquer demonstração nos autos de sua ligação com os demais licitantes para fraudar o caráter competitivo da licitação.
- O tipo incriminador disposto no art. 90 da Lei 8.666/1993 tem como verbos "frustrar ou fraudar". A conduta de "frustrar" deve ser entendida como iludir a expectativa de competitividade do certame e a de "fraudar" como burlar, enganar, tal
competitividade. Essa fraude ou frustração objetiva atingir o caráter competitivo do procedimento licitatório, de sorte a acarretar a ausência de concorrentes ou a pouca quantidade destes, abrindo espaço, por conseguinte, à adjudicação direta do objeto
ao único participante do certame, ou a atribuição da falsa qualidade de vencedor a um dos poucos participantes que, em regra, já estava previamente em conluio para tal fim. Essa infração penal capitulado no art. 90 da Lei de Licitações só pode ser
praticada mediante dolo, direto ou eventual, consistente na vontade de fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação. Porém, ao dolo de praticar essa conduta deve-se agregar outro elemento subjetivo do tipo, o especial fim de agir "com o
intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação".
- Configura o crime de superfaturamento ou fraude na licitação ou na execução do contrato capitulado no art. 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, a conduta de fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou
mercadorias, ou contrato dela decorrente, elevando arbitrariamente os preços. Esse tipo penal busca evitar que o patrimônio público seja desfalcado por intermédio de licitações fraudulentas para aquisição ou venda de bens ou mercadorias ou através de
contratos celebrados em decorrência do certame.
- Narra a denúncia que o acusados cometeram fraudes no certame licitatório na Concorrência Pública nº 08/2001, desencadeado pela Secretaria Municipal de Administração de Juazeiro do Norte/CE, visando à aquisição de gêneros alimentícios destinados ao
Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, instituído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, para fornecimento em várias unidades escolares. Relata, outrossim, a peça acusatória ter havido frustração do caráter competitivo do
processo licitatório, uma vez que 6 (seis) das 8 (oito) propostas das empresas licitantes, representadas pelos denunciados JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA, PEDRO LIRA NOBRE E ARINALDO FELINTO DA CRUZ, foram
elaborados no mesmo computador pertencente ao Setor de Licitações da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE, o que demonstra a montagem do certame pelos demais denunciados, a caracterizar a ocorrência dos crimes tipificados nos arts. 90 e 96,
inciso I, da Lei 8.666/1993.
- É indubitável que eventual malversação de recursos repassados pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF, sujeitas naturalmente à prestação de contas perante órgão federal, nos
termos da Súmula nº 208/STJ, atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal, por se tratar de bem e de interesse direto da União. Os recursos do FUNDEF, justamente por serem repassados pela União, solidificam a competência
da Justiça Federal para processar e julgar a demanda penal, na forma do insculpido no art. 109, inciso IV, da Constituição de 1988.
- Argui a defesa a inépcia da inicial, devido à suposta falta de individualização de condutas. No entanto, inexiste, na espécie, qualquer mácula na peça acusatória capaz de acoimá-la de inepta. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apontou as condutas praticadas
pelos acusados que, em tese, configurariam os tipos penais desenhado nos arts. 90 e 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, não comprometendo ou impedindo em nada o exercício do contraditório e da ampla defesa.
- Não há como acatar a preliminar de nulidade processual, em face da designação como defensor dativo de ex-Delegado da Polícia Federal que presidiu o inquérito policial relativo aos fatos relatados na denúncia. É que, na hipótese, não se demonstrou a
existência de algum prejuízo à defesa dos réus JOÃO LUIZ PITOMBEIRA e PEDRO LIRA NOBRE durante o iter processual em que houve por aquele a promoção da defesa técnica. Apenas se alega que o ex-Delegado não poderia atuar, mas nada de concreto se aponta
como efetivo prejuízo à defesa. É regra comezinha de que somente se decreta a nulidade processual, quando se constata prejuízo (pas de nullité sans grief). Note-se, na fase das alegações finais e, portanto, antes da prolação da sentença, os réus já
contavam com advogados constituídos.
- O Réu PEDRO LIRA NOBRE ventila a ocorrência de prescrição retroativa entre o fato imputado e o recebimento da denúncia, que ocorreu em 1º de dezembro de 2009. Segundo alega, já teria havido mais de 8 (oito) anos entre os marcos temporais. Contudo,
somente há indícios de suposta prática do delito de fraude ou frustração do caráter competitivo (art. 90 da Lei 8.666/1993) com a adjudicação do objeto licitado, que ocorreu em 17 de janeiro de 2002, não tendo, portanto, havido prescrição da pretensão
punitiva na modalidade retroativa.
- No ambiente meritório, é de bom alvitre realçar que o raciocínio desfilado na sentença recorrida em que se apoia a condenação dos réus alicerça-se, em essência, no depoimento da testemunha José Nildo Rodrigues da Cunha Filho (fls. 98/105 do IPL
158/2005), ouvida apenas no inquérito policial e que, posteriormente se retratou (fls. 799/800 do mesmo IPL), e no Laudo Pericial nº 182/2005 (fls. 71/74 do IPL 158/2005).
- As declarações originais de José Nildo Rodrigues da Cunha Filho, por sua vez, dão conta de que havia um conluio entre os licitantes e os verdadeiros responsáveis pela seleção das propostas vencedoras, porém sequer foi arrolada como testemunha pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na denúncia. Aliás, outras foram as testemunhas indicadas pela acusação e que foram ouvidas por ocasião da audiência instrutória. As testemunhas José Tarso Magno Teixeira da Silva, Carlos Frederico Ribeiro da Silva, Cícero
Belém, Antônio Kleber de Moura e José Jusifran Diniz, arroladas pelo parquet federal, nada disseram em juízo que servisse de prova a condenar quaisquer dos réus.
- O Laudo Pericial nº 182/2005, confeccionado pela Polícia Federal ainda na fase inquisitorial, com o escopo de investigar os arquivos encontrados nos computadores apreendidos na Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE quando do cumprimento de
mandado de busca e apreensão, conclui que não havia possibilidade de afirmar a existência de fraude. Diante dessa fragilidade constatada na perícia técnica, o juízo a quo, no decreto condenatório, passa a reconhecer a prática criminosa dos réus baseada
na constatação encontrada na Informação Técnica nº 025/2013 - UTEC/DPF/JNE/CE (fls. 501/504), que traz a lume o resultado a respeito dos metadados dos arquivos detectados nos computadores apreendidos. Constata-se, a partir de tais elementos, que dois
arquivos chamados "Proposta - merenda - Padaria.doc" e "Proposta - merenda - JR.doc" foram elaborados, respectivamente, nos dias 09 e 10 de julho de 2001, e, assim, antes da solicitação de abertura do certame, cujo edital somente foi publicado no Diário
Oficial do Município em 06 de dezembro de 2001.
- De acordo com as informações constantes na mesma informação técnica, os metadados contidos em quatro arquivos ("Proposta - merenda - Ivan.doc", "Proposta - merenda - CF.doc", "Proposta - merenda - Vitoria.doc" e "Proposta - merenda - Diancal.doc"
noticiam que foram criados com intervalo de menos de 17 (dezessete) horas uns dos outros e todos foram modificados e impressos após o dia que ocorreu a sessão de abertura e julgamento dos envelopes das propostas, em 07 de janeiro de 2002. Com base
nesses indícios, o julgador singular inferiu que, como tais propostas estariam relacionadas às empresas licitantes cujos denunciados ARINALDO FELINTO DA CRUZ, JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS PEREIRA e PEDRO LIRA
NOBRE seriam representantes ou procuradores delas, residiria aí o elemento objetivo da caracterização do conluio próprio da perpetração do crime de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação.
- A sequência numérica dos selos de autenticação entre a J.R. Comercial LTDA e a C. F. Ribeiro da Silva também estaria a comprovar a prática delituosa de JOÃO LUIZ PITOMBEIRA, ARINALDO FELINTO DA CRUZ, CÍCERO CEZAR DE ALENCAR SANTOS, ANTÔNIO MORAIS
PEREIRA e PEDRO LIRA NOBRE. No entanto, é por demais cediço que não se pode condenar o acusado com base unicamente em prova colhida na fase inquisitorial, nem mesmo em meros indícios, sem que se demonstre minimamente, mediante elementos probantes, a
ligação entre os comportamentos considerados ilícitos e as condutas dos réus.
- Dispõe o art. 155 da Lei Instrumental Penal que: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."
- O Superior Tribunal de Justiça, pelas suas duas turmas especializadas em matéria criminal (5ª e 6ª Turmas), tem posição remansosa no sentido de que não se admite a condenação criminal alicerçada exclusivamente em elementos de informação obtidos
durante o inquérito policial, porém se torna possível quando também se baseia em elementos de provas judicializadas, colhidas no âmbito do devido processo legal (AGRESP 1366683, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14/11/2017, DJU
24/11/2017; AGARESP 1096705, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/06/2017, DJU 21/06/2017). Em outras palavras, o que entende o STJ, na esteira do desenhado no art. 155 do CPP, é que não se exige que todas as provas detentoras de
força condenatória sejam judicializadas. Basta haver uma única prova colhida no ambiente jurisdicional que ostente essa aptidão condenatória para afastar a vedação do art. 155 do CPP.
- Na hipótese dos autos, não há uma única prova produzida em juízo que sinalize a autoria criminosa dos réus em relação à prática do delito do art. 90 da Lei 8.666/1993. Possivelmente, houve fraude, embora não se tenha certeza dela, mas inexiste prova
de que foram perpetradas pelos réus condenados. A simples circunstância de terem sido licitantes da Concorrência Pública nº 08/2001 não indicam que praticaram a fraude licitatória, sobretudo porque suposta materialidade deu-se por meio dos computadores
da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE. Nenhuma testemunha ou elemento probatório sinalizou que algum dos réus, ao menos, utilizou algum dos computados apreendidos e que supostamente teria protagonizado a fraude. O que se tem - e isso parece
inegável - são indícios de prática criminosa, porém não prova suficiente que estabeleça um vínculo com os réus. Com efeito, não há prova no acervo encontradiço nos autos que fora produzida na arena jurisdicional a indicar que os réus concorreram à
prática do crime de fraude ou frustração do caráter competitivo da licitação, capitulado no art. 90 da Lei 8.666/1993, devendo, portanto, serem absolvidos, na forma do estipulado no art. 386, inciso V, do Estatuto Processual Penal.
- Naquilo que atina ao crime de superfaturamento de licitação ou da execução do contrato inserto no art. 96, inciso I, da Lei 8.666/1993, também não se pode asseverar que há elementos capazes de levar à configuração da conduta delituosa perpetrada pelos
réus. A licitação realizada tinha a finalidade de obter vários gêneros alimentícios destinados à merenda escolar.
- O tipo penal, por seu turno, exige a elevação arbitrária e, portanto, injustificada, de preços de modo a enganar a Administração pública. Para servir como parâmetro de superfaturamento, a sentença valeu-se do Laudo de Exame Contábil nº
381/2008-SR/DPF/CE (fls. 768/779 do IPL 158/2005), que se lastreia em pesquisas de preço informadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE de cidades como Fortaleza/CE e Recife/PE. Além de se referir apenas a alguns itens, e não a
globalidade do objeto licitado, é possível perceber que as referências comparativas efetuadas não levam em conta os quantitativos, que se afiguraram diferenciados. As propostas dos licitantes foram apresentadas em quilos ou litros, ao passo que os
valores apontados no Laudo de Exame Contábil no qual se ancorou a acusação foram em gramas ou mililitros.
- Tanto isso é verdade que o próprio juízo sentenciante reconheceu a inexistência de prova suficiente à condenação em relação a vários fatos narrados na denúncia quanto ao suposto superfaturamento. Porém, reconheceu a prática criminosa quando o
sobrepreço chegou a 25% (vinte e cinco por cento) ou a 35% (trinta e cinco por cento) de elevação. Em que pese ter havido, de fato, aumento de preço, difícil concluir com sólida certeza de que foi arbitrária simplesmente porque subiu. O crime não
encerra apenas a conduta de elevação de preços, mas elevação arbitrária de preços e somente com esteio em dados do IBGE de Fortaleza/CE e Recife/PE não é possível dessumir que se caracterizou o tipo penal delineado no art. 96, inciso I, da Lei
8.666/1993.
- Incabível qualquer condenação a recair sobre os réus, por faltar suficiente prova quanto à perpetração dos crimes imputados, devendo os apelos ser providos, para absolvê-los dos crimes dos arts. 90 e 96, I, da Lei 8.666/1993, na forma do disposto no
art. 386, incisos V e VII, do Diploma Processual Penal.
- Provimento das apelações dos réus.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
27/02/2018
Data da Publicação
:
02/03/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 13683
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Carlos Wagner Dias Ferreira
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Doutrina
:
AUTOR:André Guilherme Tavares de Freitas
OBRA:Crimes na Lei de Licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
Referência
legislativa
:
LEG-FED SUM-208 (STJ)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-61 INC-2 LET-G ART-62
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-5 INC-7 ART-41 ART-155
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-96 INC-1 ART-90
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-109 INC-4
Fonte da publicação
:
DJE - Data::02/03/2018 - Página::101
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