TRF5 200980000002832
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. ART. 458, DO CPC. SENTENÇA FORMALMENTE CONSTRUÍDA EM RESPEITO AOS DITAMES LEGAIS. CLÁUSULA RESIDUAL. INVALIDAÇÃO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO. QUITAÇÃO E LIBERAÇÃO DA HIPOTECA. IMPOSSIBILIDADE ATUAL. INADIMPLEMENTO DAS PRESTAÇÕES DO MÚTUO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Apelação interposta por mutuária contra sentença de improcedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de reconhecimento da invalidade da cláusula contratual de resíduo, inserta em contrato de mútuo habitacional firmado no âmbito do SFH, com a conseqüente determinação de quitação do financiamento, após pagamento da última prestação.
2. A decisão vergastada apresenta-se bastante para a compreensão da lide e da sua solução, fazendo menção às questões de fato e de direito, consideradas relevantes ao deslinde da causa, não havendo que se falar, portanto, em infringência ao art. 458, do CPC, sublinhando-se que o Magistrado não está obrigado a mencionar expressamente dispositivo de lei. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada.
3. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
6. A mutuária pediu fosse invalidada a chamada "cláusula de resíduo", que impõe prorrogação contratual e perda do imóvel, caso persistente saldo residual, a despeito de quitadas as prestações regulares do mútuo habitacional. O Juízo a quo não acatou o pedido de invalidação da cláusula de resíduo, em razão da ausência de cobertura pelo FCVS.
7. Considerada a natureza jurídica do contrato de mútuo, a mutuária possui o direito subjetivo de ver extinta a sua dívida, uma vez adimplidas as prestações periódicas e contínuas ajustadas. O próprio Sistema Price caracteriza-se como mecanismo de cálculo que permite, na normalidade, ao calculante estabelecer o número de prestações, nas quais poder-se-ia dividir o débito, para que seja alcançado, ao final do parcelamento ajustado, o integral pagamento da dívida, com a conseqüente desobrigação do mutuário. A lógica da regra, assim, envolve amortizações constantes pelo pagamento das prestações mensais, que se dirigem a saldar os juros e a dívida principal, com liquidação do empréstimo ao fim de um período pré-definido. Se distorções existem em relação à realização da sistemática da Tabela Price, elas não podem ser imputadas a mutuária, que simplesmente assina um contrato de adesão. Considerando que a mutuária tem sua capacidade de pagar definida pelo valor dos salários que percebe, salários que não progridem mensalmente segundo índices financeiros, não há como se exigir da mutuária capacidade de solver um montante que, seguindo as cadernetas de poupança, se expande em maior velocidade e proporção que os salários. A cláusula de resíduo não evita a exacerbação das prestações, mas apenas transfere a exacerbação - não autorizada pela regra da equivalência salarial - ao saldo devedor, sem que os mutuários tenham compreensão desse deslocamento. A cláusula de resíduo, da forma como atualmente evolui o saldo devedor, transforma mesmo o contrato de mútuo/compra e venda em contrato de aluguel perpétuo, haja vista que, não tendo os mutuários como saldar o débito residual, perderão o imóvel que acreditavam estar adquirindo a cada prestação adimplida. Considerando a finalidade do contrato de mútuo, que consiste na transferência da propriedade do bem imóvel aos mutuários, restaria, o referido tipo contratual, descaracterizado diante da insolvabilidade crescente imputada ao prestamista, insolvência que implicará na não transferência da propriedade da coisa fungível. Precedentes desta Corte Regional. "A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em desvantagem exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor" (Pleno do TRF5, AR 5589/PE, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. em 23.07.2008, unânime)
8. Nulidade da cláusula de resíduo do contrato (cláusula 39ª) que se reconhece. Não se pode admitir uma prorrogação para cobrir saldo dito "remanescente" de mais de R$ 156.000,00, em cujo início a prestação mensal salta de R$825,56 (prestação antes da prorrogação) para R$2.728,55 (depois da prorrogação).
9. In casu, encontrando-se a autora inadimplente com as prestações do mútuo desde 23.03.2002, não há como reconhecer o direito à quitação imediata do financiamento habitacional, nem tampouco à liberação da hipoteca correlata.
10. Apelação parcialmente provida, apenas para declarar a nulidade da cláusula de resíduo (39ª), de modo que, uma vez pagas as prestações mensais regulares, o mútuo seja considerado quitado e a hipoteca seja levantada.
(PROCESSO: 200980000002832, AC474096/AL, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 03/09/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 26/10/2009 - Página 34)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. ART. 458, DO CPC. SENTENÇA FORMALMENTE CONSTRUÍDA EM RESPEITO AOS DITAMES LEGAIS. CLÁUSULA RESIDUAL. INVALIDAÇÃO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO. QUITAÇÃO E LIBERAÇÃO DA HIPOTECA. IMPOSSIBILIDADE ATUAL. INADIMPLEMENTO DAS PRESTAÇÕES DO MÚTUO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Apelação interposta por mutuária contra sentença de improcedência do pedido, proferida nos autos de ação ordinária de reconhecimento da invalidade da cláusula contratual de resíduo, inserta em contrato de mútuo habitacional firmado no âmbito do SFH, com a conseqüente determinação de quitação do financiamento, após pagamento da última prestação.
2. A decisão vergastada apresenta-se bastante para a compreensão da lide e da sua solução, fazendo menção às questões de fato e de direito, consideradas relevantes ao deslinde da causa, não havendo que se falar, portanto, em infringência ao art. 458, do CPC, sublinhando-se que o Magistrado não está obrigado a mencionar expressamente dispositivo de lei. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada.
3. O SFH foi criado com vistas a estimular a construção de habitações de interesse social e a possibilitar a aquisição da casa própria pelas classes da população que percebiam menor renda e que, portanto, não tinham condições de recorrer à iniciativa privada. O SFH foi fundado no direito à moradia, agasalhado esse pela Constituição Federal como direito social, necessidade premente do trabalhador. Consoante se apreende da evolução normativa da matéria, ao SFH se confere conotação nitidamente social (decorrente de sua finalidade), sendo a ele inerente o equilíbrio que deve permear a relação entre a renda do mutuário e as prestações do financiamento.
4. O princípio do pacta sunt servanda deve ser interpretado de forma harmônica com as outras normas jurídicas que integram o ordenamento, impondo-se o seu sopeso, inclusive e especialmente, diante do escopo do negócio jurídico ajustado.
5. "Consoante entendimento jurisprudencial é aplicável o CDC aos contratos de mútuo hipotecário pelo SFH" (STJ, Quarta Turma, RESP 838372/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 06.12.2007).
6. A mutuária pediu fosse invalidada a chamada "cláusula de resíduo", que impõe prorrogação contratual e perda do imóvel, caso persistente saldo residual, a despeito de quitadas as prestações regulares do mútuo habitacional. O Juízo a quo não acatou o pedido de invalidação da cláusula de resíduo, em razão da ausência de cobertura pelo FCVS.
7. Considerada a natureza jurídica do contrato de mútuo, a mutuária possui o direito subjetivo de ver extinta a sua dívida, uma vez adimplidas as prestações periódicas e contínuas ajustadas. O próprio Sistema Price caracteriza-se como mecanismo de cálculo que permite, na normalidade, ao calculante estabelecer o número de prestações, nas quais poder-se-ia dividir o débito, para que seja alcançado, ao final do parcelamento ajustado, o integral pagamento da dívida, com a conseqüente desobrigação do mutuário. A lógica da regra, assim, envolve amortizações constantes pelo pagamento das prestações mensais, que se dirigem a saldar os juros e a dívida principal, com liquidação do empréstimo ao fim de um período pré-definido. Se distorções existem em relação à realização da sistemática da Tabela Price, elas não podem ser imputadas a mutuária, que simplesmente assina um contrato de adesão. Considerando que a mutuária tem sua capacidade de pagar definida pelo valor dos salários que percebe, salários que não progridem mensalmente segundo índices financeiros, não há como se exigir da mutuária capacidade de solver um montante que, seguindo as cadernetas de poupança, se expande em maior velocidade e proporção que os salários. A cláusula de resíduo não evita a exacerbação das prestações, mas apenas transfere a exacerbação - não autorizada pela regra da equivalência salarial - ao saldo devedor, sem que os mutuários tenham compreensão desse deslocamento. A cláusula de resíduo, da forma como atualmente evolui o saldo devedor, transforma mesmo o contrato de mútuo/compra e venda em contrato de aluguel perpétuo, haja vista que, não tendo os mutuários como saldar o débito residual, perderão o imóvel que acreditavam estar adquirindo a cada prestação adimplida. Considerando a finalidade do contrato de mútuo, que consiste na transferência da propriedade do bem imóvel aos mutuários, restaria, o referido tipo contratual, descaracterizado diante da insolvabilidade crescente imputada ao prestamista, insolvência que implicará na não transferência da propriedade da coisa fungível. Precedentes desta Corte Regional. "A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em desvantagem exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor" (Pleno do TRF5, AR 5589/PE, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. em 23.07.2008, unânime)
8. Nulidade da cláusula de resíduo do contrato (cláusula 39ª) que se reconhece. Não se pode admitir uma prorrogação para cobrir saldo dito "remanescente" de mais de R$ 156.000,00, em cujo início a prestação mensal salta de R$825,56 (prestação antes da prorrogação) para R$2.728,55 (depois da prorrogação).
9. In casu, encontrando-se a autora inadimplente com as prestações do mútuo desde 23.03.2002, não há como reconhecer o direito à quitação imediata do financiamento habitacional, nem tampouco à liberação da hipoteca correlata.
10. Apelação parcialmente provida, apenas para declarar a nulidade da cláusula de resíduo (39ª), de modo que, uma vez pagas as prestações mensais regulares, o mútuo seja considerado quitado e a hipoteca seja levantada.
(PROCESSO: 200980000002832, AC474096/AL, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 03/09/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 26/10/2009 - Página 34)
Data do Julgamento
:
03/09/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Civel - AC474096/AL
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento
:
203774
PublicaÇÕes
:
Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 26/10/2009 - Página 34
DecisÃo
:
POR MAIORIA
Veja tambÉm
:
RESP 838372/RS (STJ)AR 5589/PE (TRF5)EINFAC 177362/SE (TRF5)
ReferÊncias legislativas
:
CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-4 ART-458
CDC-90 Código de Defesa do Consumidor LEG-FED LEI-8078 ANO-1990
LEG-FED SUM-514 (STF)
Votantes
:
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti
Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
Desembargador Federal Maximiliano Cavalcanti
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