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Jurisprudência


TRF5 200985000013488

Ementa
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E/OU TRATAMENTO MÉDICO. UNIÃO E ESTADO DE ALAGOAS. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO ENTRE AUTORIDADE IMPETRADA E ENTE PÚBLICO. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE 1.º GRAU. DIREITO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. NATUREZA PRESTACIONAL POSITIVA CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO COMO MERA NORMA PROGRAMÁTICA. LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INSUFICIÊNCIA COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DO REFERIDO DIREITO FUNDAMENTAL. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO MÉDICO RECONHECIDO PELA ANVISA. ESSENCIALIDADE. DIREITO AO FORNECIMENTO. INÉRCIA NA INCLUSÃO NA LISTA DE MEDICAMENTO DOS SUS. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIR-SE EM ÓBICE AO DIREITO À SAÚDE. 1. A jurisprudência do STJ encontra-se pacificada no sentido de que as ações relativas à assistência à saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico, inclusive, no exterior) podem ser propostas em face de qualquer dos entes componentes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), sendo todos legitimados passivos para responderem a elas, individualmente ou em conjunto. 2. São, portanto, tanto a UNIÃO como o Estado de Sergipe legitimados passivos para a causa, não podendo a divisão administrativa de atribuições estabelecida pela legislação decorrente da Lei n.º 8.080/90 restringir essa responsabilidade, servindo ela, apenas, como parâmetro da repartição do ônus financeiro final dessa atuação, o qual, no entanto, deve ser resolvido pelos entes federativos administrativamente ou em ação judicial própria, não podendo ser oposto como óbice à pretensão da população a seus direitos constitucionalmente garantidos como exigíveis deles de forma solidária. 3. No caso presente, é viável o litisconsórcio entre autoridade impetrada estadual e a UNIÃO, sem necessidade de que este se estabeleça com autoridade pública federal específica, bem como é o Juízo Federal de 1.º Grau competente para a causa em função do local de exercício funcional da autoridade coatora estadual, o que não seria alterado por eventual litisconsórcio com autoridade federal. 4. A saúde está expressamente prevista no art.196, cabeça, da CF, como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo uma responsabilidade comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios a concretização de tal direito. 5. Enquanto direito essencialmente vinculado à vida e à proteção da integridade físico-psíquica do ser humano, a saúde não pode ser interpretada apenas como um enunciado meramente programático, mas, sim, como um direito fundamental cuja efetivação é dever do Poder Público, pois a sua não concretização consiste em evidente afronta à dignidade da pessoa humana. Ainda que tal direito não estivesse expressamente previsto na CF/88, a sua estreita vinculação com o direito à vida, bem supremo do ser humano, o conduziria à situação de direito fundamental implícito, de modo que a sua efetivação também seria um dever do Estado, vez que a ação deste está vinculada pela imediata aplicabilidade das normas dos direitos fundamentais. 6. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito à saúde (art.23, inciso II, da CF), o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas. O Poder Público não se exime de tal responsabilidade quando investe ou repassa recursos para serem aplicados na área da saúde. Em sendo investida verba pública para tais fins e não havendo a efetivação do direito que se quer garantir, é notório que a política adotada não se coaduna com a realidade a ser enfrentada ou que tal política não foi concretizada como programada, sendo dever de todos os entes federados atentarem para tal fato e atuarem de modo a cumprir com as suas responsabilidades constitucionais. 7. A jurisprudência nacional possui reiteradas decisões no sentido de que o direito à saúde é líquido e certo, bem como de que a saúde é direito público subjetivo, não podendo ser reduzido a mera promessa constitucional vazia, sendo tal direito exigível em Juízo por não ser um mero enunciado programático. Dessa forma, vigora o entendimento de que é dever do Poder Público disponibilizar tratamento médico-hospitalar à população que dele necessitar, ou seja, oferecer o serviço essencial na esfera médica, o que inclui o fornecimento de medicamentos, sob pena de incidência em grave comportamento inconstitucional, ainda que por omissão, pelo não fornecimento de condições materiais de efetivação de tal direito fundamental. 8. Nesse sentido: STF (AI-AgR n.º 648.971/RS e RE n.º 195.192/RS) e STJ (RMS n.º 11.183/PR). 9. A alegação genérica de limitações orçamentárias vinculadas à reserva do possível, além de não provada concretamente quanto à eventual indisponibilidade de fundos para o atendimento da pretensão inicial, não é suficiente para obstar a concretização do direito constitucional em exame, sobretudo quando notório o fato de que o Poder Público possui verbas de grande vulto destinadas a gastos vinculados a interesses bem menos importantes do que a saúde da população (por exemplo, publicidade, eventos festivos etc), os quais podem e devem ser, se for necessário, redirecionados para a satisfação de direitos essenciais da população. 10. Não se está, ressalte-se, diante de intromissão indevida do Poder Judiciário em esfera de atuação reservada aos demais Poderes, mas, ao contrário, de atuação judicial de natureza prestacional positiva calcada em relevante fundamento constitucional e na omissão ilegal do Poder Público em seu atendimento, sem que este tenha, concretamente, apresentado qualquer fundamento minimamente oponível à sua concretização. 11. No caso presente, a gravidade da condição de saúde da Apelada (portadora de trombofilia geradora de aborto e óbito fetal, encontrando-se, à época, em estado gestacional) e a essencialidade do tratamento medicamentoso por ela necessitado (CLEXANE 40mg), o qual é regulamentado pela ANVISA, servem de base fática suficiente para o direito postulado judicialmente. 12. Ressalte-se, ademais, que o referido tratamento não é de baixo custo (menos de cem reais) e de uso por prazo curto (até trinta dias após o parto), razão pela qual a inércia do Poder Público para sua inclusão na lista de medicamentos do SUS não poder ser óbice à obtenção pela Apelada do tratamento médico adequado à sua situação de risco à saúde. 13. Não provimento da apelação e da remessa oficial. (PROCESSO: 200985000013488, APELREEX7917/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Primeira Turma, JULGAMENTO: 14/01/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 28/01/2010 - Página 79)

Data do Julgamento : 14/01/2010
Classe/Assunto : Apelação / Reexame Necessário - APELREEX7917/SE
Órgão Julgador : Primeira Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão (Convocado)
Comarca : Tribunal Regional Federal - 5ª Região
Código do documento : 212410
PublicaÇÕes : Diário da Justiça Eletrônico TRF5 (DJE) - 28/01/2010 - Página 79
DecisÃo : UNÂNIME
Veja tambÉm : REsp 878080/SC (STJ)REsp 772264/RJ (STJ)REsp 656979/RS (STJ)AgRg no REsp 1028835/DF (STJ)AI AgR 648971/RS (STF)RE 195192/RS (STF)RMS 11183/PR (STJ)
ReferÊncias legislativas : CF-88 Constituição Federal de 1988 ART-23 INC-2 ART-196 LEG-FED LEI-8080 ANO-1990
Votantes : Desembargador Federal Francisco Cavalcanti Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira
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