TJPR 0002748-50.2015.8.16.0004 (Decisão monocrática)
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002748-
50.2015.8.16.0004, DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
DE CURITIBA
Apelante : MUNICÍPIO DE CURITIBA
Apelada : LN 8 INCORPORAÇÃO E
EMPREENDIMENTOS LTDA
Interessados : SECRETÁRIO DE URBANISMO DE
CURITIBA e SECRETÁRIO DE FINANÇAS
DE CURITIBA
Relator : Des. LEONEL CUNHA
Vistos, RELATÓRIO
1) Em 01/04/2015, LN 8 INCORPORAÇÃO E
EMPREENDIMENTOS LTDA impetrou MANDADO DE
SEGURANÇA, com pedido liminar (mov. 1.1 NU
0002748-50.2015.8.16.0004), contra ato do Senhor
SECRETÁRIO DE URBANISMO DO MUNICÍPIO DE
CURITIBA e do Senhor SECRETÁRIO DE FINANÇAS DO
MUNICÍPIO DE CURITIBA, alegando que: a) é empresa
dedicada à incorporação de imóveis residenciais, tendo
finalizado o empreendimento denominado “Residencial
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
Red”; b) para entregar as unidades imobiliárias aos
adquirentes, é necessária a obtenção do Certificado de
Vistoria de Conclusão de Obra (CVCO); c) em
25/03/2015, protocolou o pedido de expedição do
CVCO perante a SECRETARIA DE URBANISMO DO
MUNICÍPIO DE CURITIBA; d) os Impetrados exigiram,
para a liberação do CVCO, a comprovação de quitação
dos débitos relativos ao imóvel, bem como a
apresentação de Certidão Negativa de Débitos
Tributários relativos ao ISS; e) o pedido de expedição
do CVCO não foi acompanhado da Certidão Negativa de
Débito do ISS, por existirem débitos de terceiros
pendentes de pagamento; f) a vinculação da expedição
do CVCO à quitação de imposto é descabida,
caracterizando verdadeira sanção política, bem como
desvio de finalidade; g) o artigo 80, § 2º, da Lei
Complementar nº 40/2001 e o Decreto nº 1.876/2013,
que exigem a prova de quitação do ISS para a
expedição do CVCO, violam o artigo 37, “caput”, da
Constituição Federal, em especial, o princípio da
legalidade. Requereu a concessão da liminar, a fim de
“determinar a desvinculação da expedição do CVCO da
quitação integral dos débitos tributários relativos ao
imóvel” (f. 09, mov. 1.1) e, ao final, a concessão da
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
segurança.
2) A decisão de mov. 31.1 deferiu a
liminar, para “determinar a expedição do Certificado de
Vistoria de Conclusão de Obra (“CVCO”) do
empreendimento “Residencial Red”,
independentemente da comprovação da quitação
integral dos tributos municiais relacionados, desde que
preenchidos os requisitos autorizadores previstos na
legislação municipal” (f. 03, mov. 31.1).
3) O SECRETÁRIO DE URBANISMO DO
MUNICÍPIO DE CURITIBA e o SECRETÁRIO DE FINANÇAS
DO MUNICÍPIO DE CURITIBA apresentaram informações
(mov. 52.1), sustentando que: a) a Lei Complementar
nº 40/2001, que dispõe sobre as normas tributárias do
MUNICÍPIO DE CURITIBA, expressamente estabelece, no
§ 8º, do artigo 80, que “Para liberação de CVCO –
Certificado de Vistoria e Conclusão de Obras, deverá o
interessado apresentar a certidão negativa relativa ao
Imposto Sobre Serviços”; b) a norma jamais foi
declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário, de
forma que a negativa foi baseada em dispositivo legal;
c) há possibilidade de empreiteiros que participaram do
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
empreendimento serem de fora de Curitiba, de forma
que “faz-se necessária esta comprovação da
regularidade fiscal, pois do contrário o MC pode se
frustrar na sua tentativa de cobrança dos créditos
fiscais pendentes” (f. 03, mov. 52.1); d) a emissão do
CVCO é um assunto de interesse local, sendo
competência do MUNICÍPIO DE CURITIBA legislar sobre
o tema.
4) A sentença (mov. 74.1) julgou
procedente o pedido inicial e concedeu a segurança, a
fim de “determinar que as Autoridades Coatoras se
abstenham de exigir a comprovação do pagamento de
tributos municipais como condição à expedição do
Certificado de Vistoria e Conclusão de Obra – CVCO
forneça a certidão negativa de débitos fiscais
estaduais” (f. 14, mov. 74.1). Ainda, condenou os
Impetrados ao pagamento das custas processuais,
deixando de condená-los ao pagamento de honorários
advocatícios.
5) O MUNICÍPIO DE CURITIBA apelou
(mov. 83.1), reiterando integralmente os termos das
informações apresentadas em mov. 52.1.
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
6) Contrarrazões no mov. 114.1.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA
impetrado por LN 8 INCORPORAÇÃO E
EMPREENDIMENTOS LTDA contra o indeferimento da
emissão do Certificado de Vistoria de Conclusão de
Obra (CVCO), pelos Senhores SECRETÁRIO DE
URBANISMO DO MUNICÍPIO DE CURITIBA e SECRETÁRIO
DE FINANÇAS DO MUNICÍPIO DE CURITIBA, em razão da
não apresentação de certidão de quitação do ISSQN.
Como se vê, a controvérsia se resume à
possibilidade de expedição do Certificado de Vistoria de
Conclusão de Obras (CVCO) sem a apresentação de
Certidão Negativa de Débitos do ISSQN, desde que,
também, preenchidos os demais requisitos
administrativos.
Dos autos, verifica-se que as Autoridades
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
Coatoras indeferiram o pedido de liberação do CVCO,
feito pela Empresa ora Apelada, sob o fundamento de
que “foram encontradas pendências de: comércio e/ou
prestação de serviços.” (f. 02, mov. 1.5).
O MUNICÍPIO DE CURITIBA embasa a
necessidade de comprovação de inexistência de
débitos relativos ao ISSQN para a expedição do CVCO
na exigência do artigo 1º, do Decreto Municipal nº
1.876/2013, que dispõe sobre a emissão da certidão
negativa do ISS, para fins de liberação do CVCO:
“Art. 1º. Para a liberação do Certificado de
Vistoria e Conclusão de Obras - CVCO, conforme
previsto no § 8º do artigo 80, da Lei Complementar
Municipal nº 40, de 18 de dezembro de 2001, o
contribuinte ou responsável deverá apresentar certidão
negativa do Imposto Sobre Serviços - ISS, liberada pela
Secretaria Municipal de Finanças, da respectiva obra.”
A seu turno, referida Lei Complementar nº
40/2001, que dispõe sobre os tributos municipais,
estabelece em seus §§ 2º e 8º que:
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
“§ 2º. A aprovação de unificação ou
subdivisão de imóvel, ou a liberação de CVCO -
Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras de
condomínios, fica condicionada a quitação total de
débitos relativos ao imóvel, ainda que tenham sido
anteriormente parcelados, caso em que as parcelas
vincendas terão sua data de vencimento antecipada à
época da decisão final do processo de aprovação,
devendo o interessado apresentar a certidão negativa
respectiva.”
“§ 8º. Para liberação de CVCO - Certificado
de Vistoria de Conclusão de Obras, deverá o
interessado apresentar a certidão negativa relativa ao
Imposto Sobre Serviços. (Parágrafo acrescentado pela
Lei Complementar Nº 80 DE 21/06/2011).)”
Ocorre que, em respeito ao princípio da
livre iniciativa, que engloba o direito ao livre exercício
da atividade profissional, tal exigência, embora prevista
em lei, não há que ser aplicada ao caso.
Nesse sentido, o artigo 170, parágrafo
único, da Constituição Federal, determina que: “É
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei” (destaquei).
Dessa forma, sendo o livre exercício de
atividade econômica um direito constitucionalmente
protegido, não pode ser tolhido pelo MUNICÍPIO no
intuito de forçar o pagamento de débitos tributários.
Noutras palavras, não pode o MUNICÍPIO,
praticando conduta abusiva e ilegal, impedir que a
Empresa desenvolva sua atividade, impondo-lhe a
obrigação de recolhimento de tributo. O que se verifica
é verdadeira utilização de exigência ilegal como meio
coercitivo para a cobrança de tributos.
Sobre o tema, necessário destacar as,
pertinentes, Súmulas do STF:
“Súmula 70. É inadmissível a interdição de
estabelecimento como meio coercitivo para cobrança
de tributo”
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
“Súmula 323. É inadmissível a apreensão
de mercadorias como meio coercitivo para pagamento
de tributos”
“Súmula 547. Não é lícito à autoridade
proibir que o contribuinte em débito adquira
estampilhas, despache mercadorias nas alfandegas e
exerça suas atividades profissionais”
Portanto, percebe-se que aquela Corte
Suprema, desde muito, combate a utilização de meio
coercitivo na cobrança de tributos. Não é outra, senão
essa, a situação imposta pelo MUNICÍPIO DE CURITIBA,
ao se valer da exigência de apresentação de CND-ISS
para a liberação do CVCO.
Aliás, o tema foi pacificado pelo STF, em
julgamento de repercussão geral no Recurso
Extraordinário com Agravo nº 914.045/MG:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF.
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO
DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE
COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência
pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de
repercussão geral, entende que é desnecessária a
submissão de demanda judicial à regra da reserva de
plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver
fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo
Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos
termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481,
parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal
tem reiteradamente entendido que é inconstitucional
restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de
atividade econômica ou profissional, quanto aquelas
forem utilizadas como meio de cobrança indireta de
tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para
negar seguimento ao recurso extraordinário,
reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com
os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do
artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais.”
(STF, ARE 914045 RG/MG, Rel. Min. EDSON FACHIN, J.
15/10/2015, DJe 18/11/2015, destaquei)
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
A controvérsia não é nova, e vem há
tempos sendo apreciada por este Tribunal:
“MANDADO DE SEGURANÇA. UNIFICAÇÃO
DE IMÓVEL. REQUERIMENTO DE EMISSÃO DE CERTIDÃO
POSITIVA DE DÉBITOS COM EFEITO DE NEGATIVA.
EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO,
NOS TERMOS DO ART. 80, § 2º DA LEI COMPLEMENTAR
MUNICIPAL Nº 40, de 2001. ATO ABUSIVO. VIOLAÇÃO AO
LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA E
UTILIZAÇÃO DE MEIO COERCITIVO DE COBRANÇA.
DÉBITOS TRIBUTÁRIOS COM A EXIGIBILIDADE
SUSPENSA. APLICAÇÃO DO ART. 206 DO CÓDIGO
TRIBUTÁRIO NACIONAL. NEGADO PROVIMENTO AO
RECURSO.” (TJPR, AC 1719204-2, 3ª C. Cív., Rel. Des.
JEFFERSON ALBERTO JOHNSSON, J. 14/11/2017, Pub.
24/11/2017, destaquei)
“MANDADO DE SEGURANÇA.
REQUERIMENTO JUNTO À MUNICIPALIDADE DE CERTIDÃO
POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA DE DÉBITOS
TRIBUTÁRIOS DE IMÓVEL PARA EMISSÃO DE
CERTIFICADO DE VISTORIA E CONCLUSÃO DE OBRAS
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
(CVCO). CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS COM A EXIGIBILIDADE
SUSPENSA POR FORÇA DE DEPÓSITO JUDICIAL NAS
RESPECTIVAS EXECUÇÕES FISCAIS (CTN, ART. 151,
INCISO II). PEDIDO NEGADO COM FUNDAMENTO NO ART.
80, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 40/2001. EXIGÊNCIA
DE QUITAÇÃO INTEGRAL DOS DÉBITOS DE IPTU QUE SE
MOSTRA ABUSIVA EM CONCRETO. PROIBIÇÃO DO USO
DE MEIO COERCITIVO (STF, SÚMULAS 70, 323 E 547).
DÍVIDA ATIVA JÁ COBRADA MEDIANTE EXECUÇÃO
FISCAL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA PARA EMISSÃO DE
CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA COM
ESCOPO NA OBTENÇÃO DO CVCO. PRECEDENTES DESTE
TRIBUNAL. RECURSO DESPROVIDO E SENTENÇA
MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.” (TJPR, AC
1485534-4, 2ª C. Cív., Rel. Des. LAURO LAERTES DE
OLIVEIRA, J. 12/04/2016, Pub. 11/05/2016, destaquei)
Portanto, correta a sentença, que concluiu
que “as regras contidas no artigo 1º do Decreto
Municipal nº 1.876/2013 e §2º do artigo 80 da Lei
Complementar nº 40/2001 são, na espécie, derrotados
pelos princípios da livre iniciativa e exercício de
atividade profissional e econômica, devendo, por
conseguinte receber interpretação conforme à
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
Constituição para afastar de sua esfera de aplicação as
situações em que, como no caso dos autos, verifica-se a
imposição de condição para a obtenção de documento
essencial à sua atividade profissional” (f. 11, mov.
74.1).
Noutro aspecto, há que se ressaltar que os
demais documentos exigidos para a liberação do CVCO
foram todos apresentados às Autoridades Coatoras (cf.
mov. 29), não havendo maiores impedimentos para a
sua expedição.
ANTE O EXPOSTO, considerando a
existência de julgamento de recurso com repercussão
geral pelo STF, nego provimento ao apelo e mantenho a
sentença em Reexame Necessário, com fulcro no artigo
932, inciso IV, alínea “b”, do Código de Processo Civil.
Não é caso de arbitramento de honorários
recursais (artigo 85, § 11, Código de Processo Civil), por
observância ao artigo 25, da Lei 12.016/2009 (“Art. 25.
Não cabem, no processo de mandado de segurança, a
interposição de embargos infringentes e a condenação
ao pagamento dos honorários advocatícios, sem
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 0002748-50.2015.8.16.0004
prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância
de má-fé”).
Intimem-se.
Autorizo a Chefia da Primeira Divisão Cível
a assinar os expedientes necessários.
CURITIBA, 10 de maio de 2018.
Desembargador LEONEL CUNHA
Relator
(TJPR - 5ª C.Cível - 0002748-50.2015.8.16.0004 - Curitiba - Rel.: Leonel Cunha - J. 10.05.2018)
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002748-
50.2015.8.16.0004, DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
DE CURITIBA
Apelante : MUNICÍPIO DE CURITIBA
Apelada : LN 8 INCORPORAÇÃO E
EMPREENDIMENTOS LTDA
Interessados : SECRETÁRIO DE URBANISMO DE
CURITIBA e SECRETÁRIO DE FINANÇAS
DE CURITIBA
Relator : Des. LEONEL CUNHA
Vistos, RELATÓRIO
1) Em 01/04/2015, LN 8 INCORPORAÇÃO E
EMPREENDIMENTOS LTDA impetrou MANDADO DE
SEGURANÇA, com pedido liminar (mov. 1.1 NU
0002748-50.2015.8.16.0004), contra ato do Senhor
SECRETÁRIO DE URBANISMO DO MUNICÍPIO DE
CURITIBA e do Senhor SECRETÁRIO DE FINANÇAS DO...
Data do Julgamento
:
10/05/2018 00:00:00
Data da Publicação
:
10/05/2018
Órgão Julgador
:
5ª Câmara Cível
Relator(a)
:
Leonel Cunha
Comarca
:
Curitiba
Mostrar discussão