TJSC 2013.046093-8 (Acórdão)
TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS - ICMS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DUPLA IRRESIGNAÇÃO. DEMANDA QUE TRATA DE PRETENSÕES DIRIGIDAS A DOIS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DISTINTOS. ANÁLISE EM SEPARADO DOS CAPÍTULOS DO JULGADO. "É longa e consolidada a tradição de nosso direito processual civil, segundo a qual as partes do julgado que resolvem questões autônomas formam de per si sentenças que ostentam vida própria, podendo cada qual ser mantida ou reformada sem prejuízo para as demais (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 52. Ed. 2011, p. 744). VÍCIO NO PROCEDIMENTO FISCALIZATÓRIO. PRELIMINAR REJEITADA. Apesar de o ente tributado não ter sido devidamente cientificado do primeiro termo de prorrogação, isso, por si só, não macula o procedimento fiscalizatório realizado, sobretudo porque nenhum prejuízo foi alegado em razão disso, à luz da máxima francesa pas de nullité sans grief. "No procedimento fiscal, a observância das exigências legais quanto às formalidades tem por escopo garantir ao sujeito passivo da obrigação tributária a ampla defesa. Se nenhum prejuízo resultar ao seu exercício, eventual vício formal não conduzirá à nulidade do lançamento (AgRgAI n. 81.681, Min. Rafael Mayer; AgRgAI n. 485.548, Min. Luiz Fux; REsp n. 271.584, Min. José Delgado) [...]" (TJSC, AC n. 2010.086624-1, rel. Des. Newton Trisotto, j. 7.6.11) [...] (Apelação Cível n. 2012.062258-0, de Rio do Sul, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 7-5-2013). IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO PEDIDO ANULATÓRIO, ANTE A AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO EXPRESSO NESSE SENTIDO. PREFACIAL AFASTADA. O fato de a demandante não ter feito pedido expresso para a anulação da sentença não impede a sua apreciação, uma vez que o cerceamento de defesa (tese que embasa a pretensão de cassação do decisum) poderia ser conhecido até mesmo de ofício por este Órgão Recursal, por ser matéria de ordem pública. PRETENSÃO ANULATÓRIA DIRIGIDA CONTRA A NOTIFICAÇÃO FISCAL N. 541.074-05. LIMINAR QUE SUSPENDEU A EXIGÊNCIA DE INCIDÊNCIA DE ICMS NO SISTEMA DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E DETERMINOU O RECOLHIMENTO DO IMPOSTO PELO REGIME USUAL DE COMPENSAÇÃO EM CADA OPERAÇÃO DA CADEIA NEGOCIAL. EFEITO EX TUNC DA DECISÃO RECURSAL QUE CASSOU A TUTELA DE URGÊNCIA. IRREVERSIBILIDADE DA SITUAÇÃO FÁTICA QUE IMPÕE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA AUTORA, PORQUE REQUEREU, POR SUA CONTA E RISCO, O PROVIMENTO EMERGENCIAL QUE SE MOSTROU INADEQUADO. A tutela emergencial, seja ela de cunho acautelador ou satisfativo, independentemente do tipo de ação, é sabidamente provisória e precária, de sorte que a sua cassação tem efeitos retroativos (ex tunc). "A execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado, se dá, invariavelmente, sob a inteira responsabilidade de quem a requer, sendo certo que a sua revogação acarreta efeito ex tunc, circunstâncias que evidenciam sua inaptidão para conferir segurança ou estabilidade à situação jurídica a que se refere, consoante decido pelo Plenário desta Corte nos autos do RE 608.482-RG, Rel. Min. Teori Zavascki" (STF. ARE n. 805243 AgR, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 21-10-2014). No caso de irreversibilidade das situações geradas durante a vigência da medida liminar, aquele que a pleiteou responsabiliza-se objetivamente pelos danos ocorridos, nos termos do art. 475-O, I, do CPC, aplicável ao sistema de providências de urgências (cautelares ou satisfativas) conforme a interpretação do art. 273, § 3º, e art. 811, I, ambos do Código de Processo Civil. Isso porque quem postula em juízo uma tutela de urgência o faz sob sua conta e risco, pois ciente do caráter provisório da decisão prolatada em cognição sumária. Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior: "todos os atos executivos provisórios admitidos e tutelados pelo direito processual sujeitam o promovente à responsabilidade objetiva, sejam elas medidas cautelares (art. 811), medidas de antecipação de tutela (art. 273) ou medidas promovidas no processo de execução provisória de sentença (art. 475-O) (Curso de Direito Processual Civil: Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 715-719). Hipótese em que a demandante assumiu o risco de pautar as suas condutas ao abrigo de uma decisão sabidamente precária, de modo que responde objetivamente pelos danos oriundos da execução da liminar que lhe foi deferida, porque provisória. Logo, cassada a tutela emergencial, houve o retorno ao estado anterior, no qual ressurgiu a incidência de ICMS sob o sistema de substituição tributária, no que os danos suportados pelo Estado de Santa Catarina recaem sobre a contribuinte. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. Em que pese ser mero método arrecadatório, a inobservância da substituição tributária, quando devida, pode sim acarretar prejuízo ao erário, sobretudo diante da atividade de distribuição e comércio de bebida, na qual o contribuinte final, no mais das vezes, deixa de solicitar a nota fiscal na aquisição do produto, o que prejudica por demais a fiscalização e o recolhimento do tributo. Daí decorre o possível prejuízo da Fazenda, que deverá ser suportado pela empresa autora, porquanto foi ela que assumiu o risco de executar uma decisão sabidamente provisória. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL, A FIM DE AVERIGUAR SE OS CONTRIBUINTES QUE ADQUIRIRAM AS MERCADORIAS DA AUTORA RECOLHERAM O ICMS SOB A SISTEMÁTICA USUAL DE COMPENSAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. IMPRESCINDIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. NULIDADE DA SENTENÇA. Embora cassada, não se pode esquecer os efeitos concretos que se materializaram ao longo do interregno de vigência da tutela de urgência, no qual a exigência de substituição tributária estava suspensa e o imposto era devido em cada operação mercantil, conforme o método de compensação (art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal e arts. 19 e 20 da Lei Complementar n. 87/1996). Assim, presume-se, porque ordinário, que, durante o período fiscalizado, os contribuintes que sucederam a distribuidora de bebidas (autora) fizeram o recolhimento do tributo nas respectivas etapas da cadeia negocial, ou, no mínimo, deveriam tê-lo feito. Nesse caso, o Estado de Santa Catarina estaria recebendo duas vezes o imposto sobre o mesmo fato gerador (uma vez do contribuinte final, sob o regime de compensação, e outra da autora, sob a sistemática da substituição tributária), o que resultaria no seu enriquecimento ilícito. Portanto, a cobrança indistinta dos valores que deveriam ser adimplidos pelo método de substituição tributária, tal como demonstrado na notificação fiscal n. 54107405, sem que se aprecie o recolhimentos dos contribuintes finais da cadeia negocial, não se mostra acertada. Logo, no capítulo da sentença referente à notificação fiscal n. 54107405, conquanto afastadas as teses principais da autora, a abertura da fase de instrução processual era imprescindível para a devida prestação jurisdicional, uma vez que a requerente, em todas as suas postulações, pugnou pela necessidade de comprovação dos valores tributários quitados pelos contribuintes que a sucederam nos atos comerciais. Ou seja, o juízo singular julgou antecipadamente o feito em situação que não se subsome às hipóteses previstas pelo art. 330, I, do Código de Processo Civil, porquanto a questão era de direito e de fato e havia a necessidade de instrução probatória, razão pela qual a anulação do julgado, neste capítulo específico, é medida que se impõe. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO PROCESSUAL (ART. 339 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL) E DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS PROBATÓRIO. DEVER DE DEMONSTRAR EVENTUAL ADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO DO VAREJISTA QUE RECAI SOBRE O ESTADO DE SANTA CATARINA, PORQUANTO É O ÚNICO COM PODERES PARA TANTO. A hipótese vertente é a típica situação na qual a literalidade do art. 333, I, do CPC não é suficiente para o deslinde da controvérsia. Nessa feita, cumpre analisar o ônus probatório conforme a sua distribuição dinâmica, alicerçada no princípio da cooperação processual (art. 339 do CPC) e na necessidade de adaptação dos preceitos legais ao caso concreto, no que a produção da prova compete àquele com melhores condições para tanto. Ainda calcado na cooperação processual, cabe à demandante apontar quais foram os sujeitos que lhe sobrevieram na cadeia negocial e os produtos que cada um adquiriu, de modo a possibilitar que o ente tributante faça o cotejo das mercadorias adquiridas com o que foi recolhido por cada varejista a título de ICMS pelo sistema usual de compensação, para poder apurar o eventual prejuízo ao erário. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, PARA ANULAR A SENTENÇA NO TOCANTE AO CAPÍTULO REFERENTE À NOTIFICAÇÃO FISCAL N. 541.074-05. PRETENSÃO ANULATÓRIA DIRIGIDA CONTRA A NOTIFICAÇÃO FISCAL N. 1.000.609-51. SENTENÇA QUE DECLAROU A FALTA DE INTERESSE DE AGIR QUANTO À PARCELA DA DÍVIDA INSERIDA EM PROGRAMA DE PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. PREAMBULAR ADUZIDA PARA ESTENDER A CARÊNCIA DE AÇÃO À INTEGRALIDADE DO DÉBITO. PREFACIAL AFASTADA E MODIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO JULGADO NO PONTO QUE DECLAROU A AUTORA CARECEDORA DE AÇÃO. A adesão da devedora em programa de parcelamento administrativo não impede a discussão acerca dos aspectos jurídicos da exação, muito embora as questões fáticas relacionadas com a respectiva tributação não possam ser objeto da jurisdição, salvo no caso de vício de consentimento constatado na confissão do débito. "A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários [...] Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008" (REsp. n. 1133027/SP, rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 13-10-2010). Assim, é de rigor a rejeição da prefacial aduzida pelo Estado de Santa Catarina, de sorte a não estender a carência de ação a todo o crédito tributário representado na notificação fiscal n. 1.000.609-51. Além disso, cumpre reformar, de ofício, a sentença na parcela que declarou a ausência de interesse de agir sobre a o montante da notificação fiscal n. 1.000.609-51 que foi objeto do programa de parcelamento administrativo, apesar da inércia da contribuinte. MÉRITO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM RAZÃO DA MATRIZ DA EMPRESA TER DEIXADO DE SUBMETER À TRIBUTAÇÃO MERCADORIAS SUJEITAS À INCIDÊNCIA DE ICMS/SUBSTITUIÇÃO. MENÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DAS MERCADORIAS DA FILIAL PARA A MATRIZ QUE NÃO DESCONFIGURA A ILICITUDE DA INFRAÇÃO. PROCEDIMENTO IRREGULAR DETALHADAMENTE EXPLICITADO PELO ÓRGÃO FISCALIZADOR EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE DESCONSTITUIÇÃO DA PRESUNÇÃO RELATIVA DE REGULARIDADE E LEGALIDADE DO LANÇAMENTO. MANUTENÇÃO DA DÍVIDA. Não se desconhece o acertado entendimento jurisprudencial de que a mera transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular não é fato gerador do ICMS. Ocorre que, em detida análise da íntegra do procedimento administrativo pelo qual o débito foi definitivamente constituído, verifica-se que não foi isso que ocorreu, em que pese a infeliz menção feita pela fazenda ao final da descrição fática da conduta tributada. Com efeito, o ilícito praticado pela autora emerge das notas fiscais de saída da matriz para os varejistas, nas quais estava destacado "imposto retido na fonte", quando, em verdade, essa retenção era inexistente, uma vez que as mercadorias, na origem, eram adquiridas pela filial, que estava albergada por uma liminar que suspendeu a exigência de tributação pelo sistema de substituição. O procedimento realizado pela contribuinte foi detalhadamente explicitado pela Fazenda e as afirmações não foram infirmadas durante o presente processo judicial, uma vez que, no tocante ao crédito tributário materializado na notificação fiscal n. 1.000.609-51, a postulante se limitou à tese de que não cabe tributação por ICMS em transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, o que não retrata a origem do crédito tributário em comento. Noutras palavras, a presunção relativa de legitimidade do lançamento tributário representado na notificação fiscal n. 1.000.609-51 não foi desconstituída pela contribuinte, de modo que a dívida não merece ser anulada. Enfim, diferentemente da situação constatada na notificação fiscal n. 54107405, em que há dúvida plausível quanto ao recolhimento do ICMS pelos varejistas, no caso da dívida representada pela notificação n. 1.000.609-51, as notas fiscais traziam a falsa informação de que o imposto havia sido recolhido na fonte, pelo que se presume que não houve o pagamento pelo regime usual de compensação, razão pela qual a dilação probatória, aqui, é despicienda. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DECISÃO QUE DECLARA A IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO VEICULADA NA INICIAL. JULGADO COM CARGA PREPONDERANTE DECLARATÓRIA NEGATIVA. VERBA HONORÁRIA FIXADA CONFORME OS §§ 3º E 4º DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VALOR REFERENTE APENAS AO CAPÍTULO DA SENTENÇA DIRIGIDO À NOTIFICAÇÃO FISCAL N. 1.000.609-51. APELO DA AUTORA DESPROVIDO E RECLAMO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, BEM COMO REEXAME NECESSÁRIO PROVIDOS COM RELAÇÃO AO CAPÍTULO DA SENTENÇA RELATIVO À NOTIFICAÇÃO FISCAL N. 1.000.609-51. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.046093-8, de Blumenau, rel. Des. Vanderlei Romer, Terceira Câmara de Direito Público, j. 15-09-2015).
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TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS - ICMS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DUPLA IRRESIGNAÇÃO. DEMANDA QUE TRATA DE PRETENSÕES DIRIGIDAS A DOIS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DISTINTOS. ANÁLISE EM SEPARADO DOS CAPÍTULOS DO JULGADO. "É longa e consolidada a tradição de nosso direito processual civil, segundo a qual as partes do julgado que resolvem questões autônomas formam de per si sentenças que ostentam vida própria, podendo cada qual ser mantida ou reformada sem prejuízo para as demais (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito pro...
Data do Julgamento
:
15/09/2015
Classe/Assunto
:
Terceira Câmara de Direito Público
Órgão Julgador
:
Edson Marcos de Mendonça
Relator(a)
:
Vanderlei Romer
Comarca
:
Blumenau
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