TJSC 2014.034691-6 (Acórdão)
APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO REVISIONAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - FINANCIAMENTO DE VEÍCULO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSO DE AMBOS LITIGANTES. JULGAMENTO "EXTRA PETITA" COM RELAÇÃO ÀS TARIFAS DE CADASTRO, DE AVALIAÇÃO DO BEM, DE REGISTRO DE CONTRATO E AO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF) - PREFACIAL SUSCITADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO NA PEÇA INICIAL EM RELAÇÃO AOS TÓPICOS - EXEGESE DOS ARTS. 128 E 460 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - VIOLAÇÃO À SÚMULA 381 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA - VIABILIDADE, CONTUDO, DE DECOTE DO EXCESSO NESTA INSTÂNCIA REVISORA. Sabe-se que ao Magistrado é defeso acolher pretensão diversa das deduzidas nos autos ou deferir pleito em proporção maior ou menor que a postulada pelo demandante, sob pena de incorrer em julgamento "extra", "ultra" ou "citra"/"infra" "petita", respectivamente, bem como considerar questões não levantadas pelas partes, exceto se constituírem matéria de ordem pública. Ademais, em se tratando de demanda revisional de ajuste bancário, o julgador deve observar ainda o teor da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, que veda o conhecimento de ofício de abusividades nas cláusulas contratuais. Na hipótese, incidiu em julgamento "extra petita" a decisão que, embora ausente requerimento na inicial acerca das tarifas de cadastro, avaliação e registro de contrato, bem como do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), procedeu à análise e revisão do ajuste nesse tocante. Não obstante, a despeito da constatação da mácula quanto ao julgamento, não se mostra necessário o retorno dos autos à origem, pois plenamente viável o decote do excesso em Segundo Grau de Jurisdição. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO, PELA RÉ, DE AFRONTA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AOS ARTS. 165 E 458, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FORMA CLARA E SUFICIENTE PELO TOGADO "A QUO" - INSUBSISTÊNCIA DA TESE - PRELIMINAR AFASTADA. Não há falar em ausência de prestação jurisdicional quando, como no caso, existente no "decisum" argumentação suficiente, deixando claras, dentro dos critérios lógicos, as razões e fundamentos que formaram o convencimento do prolator, ainda que em sentido contrário ao pretendido, em atenção ao quanto previsto pelo art. 93, inc. IX, da Constituição Federal e pelos arts. 165 e 458 do Diploma Processual. JUSTIÇA GRATUITA, APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E REVISÃO CONTRATUAL - INTENTOS JÁ ATINGIDOS ANTERIORMENTE À INTERPOSIÇÃO DO PRESENTE RECLAMO - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO DO APELO DA CONSUMIDORA NOS PONTOS. Constitui-se o interesse recursal pressuposto geral de admissibilidade de todo recurso, de maneira que, para requerer a reforma da sentença, deve o apelante demonstrar o prejuízo advindo da manutenção judicial atacada. Uma vez que as matérias tocantes à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, à possibilidade de revisão do ajuste e à concessão da gratuidade da justiça foram julgadas favoravelmente aos interesses da consumidora anteriormente à interposição do presente reclamo, não sobeja interesse recursal que justifique a análise das temáticas nesta ocasião. REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO "PACTA SUNT SERVANDA" - INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA - RECLAMO DA DEMANDADA DESPROVIDO. "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça). Estando a relação negocial salvaguardada pelos ditames desta norma, mitiga-se a aplicabilidade do princípio do pacta sunt servanda, viabilizando a revisão dos termos pactuados, uma vez que a alteração das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou até mesmo as que se tornem excessivamente onerosas em decorrência de fato superveniente à assinatura do instrumento, configura direito básico do consumidor, nos moldes do inc. V do art. 6º da Lei n. 8.078/90. JUROS REMUNERATÓRIOS - AJUSTE QUE OSTENTA PERCENTUAL SUPERIOR À MÉDIA DE MERCADO - ABUSIVIDADE PRESENTE - LIMITAÇÃO DA TAXA CONVENCIONADA ÀQUELA CONSTANTE DA TABELA DIVULGADA PELO BACEN PARA A ESPÉCIE E PERÍODO DA CONTRATAÇÃO - INCONFORMISMOS DE AMBOS OS LITIGANTES REJEITADOS NO PONTO. É válida a taxa de juros livremente pactuada nos contratos bancários, desde que em percentual inferior à média de mercado divulgada pelo Bacen. No caso, tratando-se cédula de crédito bancário de financiamento de veículo, em que o patamar exigido a título de juros remuneratórios (43,91% ao ano) é superior à taxa média de mercado para a espécie e período de contratação (20,46% ao ano), imperativa a limitação do encargo a este parâmetro. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO CONCOMITANTE DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE INCIDÊNCIA - PREVISÃO LEGAL E DISPOSIÇÃO CONTRATUAL EXPRESSA - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA (LEI N. 10.931/2004) QUE PERMITE A PRÁTICA - EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA ESTABELECENDO A POSSIBILIDADE DE COBRANÇA NA MODALIDADE MENSAL - DEVER DE INFORMAÇÃO OBSERVADO - EXIGÊNCIA ADMITIDA - INACOLHIMENTO DA INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. A legalidade da capitalização de juros encontra-se atrelada ao preenchimento concomitante de dois requisitos: autorização legal e disposição contratual expressa prevendo a possibilidade. Nos termos da Lei n. 10.931/2004 (art. 28, §1º, I), é permitida a incidência da capitalização mensal de juros nas cédulas de crédito bancário. Na espécie, verificando-se que a cédula de crédito bancário objeto do litígio fora celebrada em 5/2/2013, ou seja, posteriormente ao advento da mencionada legislação e ostentando o pacto disposição expressa acerca da prática de anatocismo (cláusula 12.2.1.i), em atendimento ao dever de informação do consumidor, deve a medida ser admitida. TABELA PRICE - SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO QUE CULMINA EM CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO ACERCA DO REFERIDO MÉTODO DE ABATIMENTO DA DÍVIDA - INOBSERVÂNCIA AO ART. 6º, III, 46 E 52 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INCIDÊNCIA INADMITIDA, AINDA QUE RECONHECIDA A POSSIBILIDADE DE PRÁTICA DO ANATOCISMO - IRRESIGNAÇÃO DA ACIONANTE AGASALHADA NESTE TOCANTE. A teor do recente entendimento deste Órgão Julgador, acompanhando o posicionamento dominante do Pretório, a aplicação da Tabela Price como método de amortização da dívida é possível quando previsto o anatocismo e claramente pactuado aludido método de abatimento do débito, em observância ao dever de informação estatuído no art. 6º, III, 46 e 52, da Lei n. 8.078/1990. Considerando, portanto, que a avença apreciada não ostenta previsão de utilização da Tabela Price como sistema de amortização da dívida, deve ser inadmitido o cálculo por meio de referido método contábil, ainda que reconhecida a possibilidade de prática do anatocismo. "MORA DEBITORIS" - NECESSIDADE DE AFERIÇÃO DE ABUSIVIDADES NO PERÍODO DA NORMALIDADE CONTRATUAL - ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NOVO ENTENDIMENTO DA CÂMARA NO SENTIDO DE NÃO MAIS EXAMINAR A PRESENÇA DE ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA DÍVIDA - CASO CONCRETO EM QUE SE LIMITARAM OS JUROS COMPENSATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO E ADMITIU-SE A CAPITALIZAÇÃO MENSAL - DESCARACTERIZAÇÃO - ÓBICE DE EXIGÊNCIA DOS ENCARGOS ORIUNDOS DA IMPONTUALIDADE ATÉ A INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA O PAGAMENTO DO DÉBITO APÓS APURAÇÃO DO "QUANTUM DEBEATUR" E DE INCLUSÃO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO CREDITÍCIA - APELO DA RÉ DESPROVIDO QUANTO À TEMÁTICA. A descaracterização da mora tem como pressuposto assente no Superior Tribunal de Justiça a abusividade dos encargos no período de normalidade do contratual (juros remuneratórios e anatocismo). Ainda quanto ao tema, por muito, permanecera firme o entendimento nesta Segunda Câmara de Direito Comercial de que, além das ilegalidades no período da normalidade contratual, deveriam ser examinadas as peculiaridades de cada situação submetida à apreciação jurisdicional, ponderando-se a ocorrência, ou não, de adimplemento substancial da dívida, tanto pelo pagamento extrajudicial das prestações, como pela consignação de valores em Juízo. Não obstante, após intensos debates na sessão de julgamento de 21/7/2015, este Colegiado, de forma unânime, deliberou pela supressão de exame do segundo pressuposto (adimplemento substancial) em hipóteses desse jaez, passando a ser sopesada apenas a presença de exigências ilegais na normalidade contratual. Mesmo porque, coincidentes os efeitos práticos da descaracterização da mora e da suspensão desta (impossibilidade de exigência de encargos oriundos da impontualidade, inscrição em róis de inadimplentes, eventual manutenção na posse de bens), havendo a necessidade, em ambos os casos, de proceder-se à intimação da parte devedora após a apuração do montante devido, mediante o recálculo do débito. "In casu", verifica-se que, ao apreciar os encargos da normalidade, as taxas de juros remuneratórios contratadas foram limitadas à média de mercado, de forma que não se considera configurada a "mora debitoris". Por consectário, impossibilita-se, até recômputo do débito e intimação da devedora para pagamento, a exigência de encargos oriundos da impontualidade e obsta-se a inclusão do nome da parte autora em cadastros de restrição creditícia. COMPENSAÇÃO OU RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR - POSSIBILIDADE NA FORMA SIMPLES DESDE QUE VERIFICADO O PAGAMENTO INDEVIDO - RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADES NA AVENÇA - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 322 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA REJEITADA NO TÓPICO - SILÊNCIO DO JULGADOR MONOCRÁTICO ACERCA DOS CONSECTÁRIOS INCIDENTES SOBRE OS VALORES PAGOS A MAIOR (CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS) - ANÁLISE, DE OFÍCIO, PERMITIDA, POR SE TRATAR DE PEDIDO IMPLÍCITO, DECORRENTE DE LEI (CPC, ART. 293). À luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor, havendo quitação indevida, admite-se a compensação ou repetição do indébito na forma simples em favor do adimplente, independentemente da comprovação do erro. Na hipótese de existir saldo a devolver ou a compensar em favor da parte autora, o respectivo montante deve ser atualizado monetariamente pelo INPC, desde a data de cada pagamento indevido, mais juros de mora no patamar de 1% ao mês a contar da citação (CPC, art. 219, caput), a despeito do silêncio do julgador singular a respeito, por se tratar de consectário lógico da condenação, na forma do art. 293 do Código de Processo Civil. PREQUESTIONAMENTO - PEDIDO GENÉRICO E DESPIDO DE FUNDAMENTAÇÃO - EXEGESE DO ART. 514, II, DA LEI ADJETIVA CIVIL - NÃO CONHECIMENTO DO RECLAMO DA CASA BANCÁRIA NA "QUAESTIO". Conforme disposição do art. 514, II, do Código de Processo Civil, a apelação deve, obrigatoriamente, conter os fundamentos de fato e de direito com base nos quais o recorrente pretende a reforma da decisão. SUCUMBÊNCIA - PEDIDO, FORMULADO PELA ACIONADA, DE INVERSÃO PARA QUE O ADIMPLEMENTO RECAIA TÃO SOMENTE SOBRE A PARTE ADVERSA - RECIPROCIDADE CONFIGURADA - ART. 21, "CAPUT", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NECESSIDADE DE REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS PARA QUE SEJAM SUPORTADOS "PRO RATA" PELAS PARTES - PROPORÇÃO QUE REFLETE A PARCELA DE ÊXITO E DERROTA DOS LITIGANTES - OBSTADA A EXIGIBILIDADE QUANTO À AUTORA, POR TER SIDO CONTEMPLADA COM A JUSTIÇA GRATUITA (ART. 12 DA LEI N. 1.060/1950) - MANUTENÇÃO, ADEMAIS, DO "QUANTUM" DO ESTIPÊNDIO PATRONAL, POR NÃO FIGURAR COMO OBJETO DE INSURGÊNCIA NESTA INSTÂNCIA - SENTENÇA CONSERVADA. Constatando-se a parcial procedência dos pedidos exordiais formulados, há que se aquinhoar os ônus sucumbenciais de forma a refletir o resultado da lide. Assim, condenam-se ambas as partes ao pagamento da sucumbência processual "pro rata", suspensa a exigibilidade em relação à autora, nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/1950. Destaque-se que, não tendo quaisquer das partes se insurgido contra o "quantum" dos honorários advocatícios, conserva-se a condenação na forma arbitrada pela sentença. A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, a) conhecer do recurso da ré em parte e, nesta, acolher a preliminar de nulidade parcial da sentença "extra petita" no tocante às tarifas de cadastro, de avaliação e de registro, bem como em relação ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), decotando-se, contudo, o excesso da sentença quanto aos pontos; rejeitar a prefacial de negativa de prestação jurisdicional; e, quanto ao mérito, negar-lhe provimento; b) conhecer do apelo da autora em parte e, nesta, dar-lhe parcial provimento para vedar o emprego da Tabela Price como método de amortização; c) determinar, "ex officio", que o montante a ser repetido seja atualizado pelo INPC, desde a data de cada pagamento indevido e acrescido de juros de mora no patamar de 1% ao mês, a contar da citação. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.034691-6, de Imbituba, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 08-03-2016).
Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO REVISIONAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - FINANCIAMENTO DE VEÍCULO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSO DE AMBOS LITIGANTES. JULGAMENTO "EXTRA PETITA" COM RELAÇÃO ÀS TARIFAS DE CADASTRO, DE AVALIAÇÃO DO BEM, DE REGISTRO DE CONTRATO E AO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF) - PREFACIAL SUSCITADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO NA PEÇA INICIAL EM RELAÇÃO AOS TÓPICOS - EXEGESE DOS ARTS. 128 E 460 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - VIOLAÇÃO À SÚMULA 381 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA - VIABILIDADE, CONTUDO,...
Data do Julgamento
:
08/03/2016
Classe/Assunto
:
Segunda Câmara de Direito Comercial
Órgão Julgador
:
Luiz Carlos da Silva
Relator(a)
:
Robson Luz Varella
Comarca
:
Imbituba
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