TRF3 0030025-64.2011.4.03.9999 00300256420114039999
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DESCABIMENTO DO REEXAME
NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INTERVENÇÃO
CIRÚRGICA. INCAPACIDADE LABORAL CONSIDERADA PERMANENTE. INTELIGÊNCIA
DO ARTIGO 101 DA LEI N. 8.213/91. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. HISTÓRICO
LABORAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. SÚMULA 47 DO
TNU. PRECEDENTE DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE
LABORAL. IMPOSSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO
DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. PRECEDENTES DESTA CORTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE,
1 - Descabimento do reexame necessário. Preliminar rejeitada. No caso,
concedida a tutela antecipada, houve condenação do INSS na concessão e
no pagamento dos atrasados do benefício de aposentadoria por invalidez,
desde 30/07/07. Conforme se verifica à fl. 122, o valor do benefício
corresponde a R$ 762,42 (setecentos e sessenta e dois reais e quarenta e dois
centavos). Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício
(30/07/07) até a data da prolação da sentença (23/08/2010) contam-se
quase 37 (trinta e sete) prestações que, devidamente corrigidas e com a
incidência de juros de mora e verba honorária, se afigura inferior ao
limite de alçada estabelecido na lei processual, razão pela qual não
conheço da remessa necessária, nos termos do artigo 475, § 2º, do CPC/73.
2 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista
no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da
Constituição Federal.
3 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício
previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que
tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições
mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz
e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que
tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente
inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze)
dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre
que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência,
será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o
benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60
da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
6 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício
nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença
profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao
Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
7 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar
no Regime, não impede o deferimento do benefício se tiver decorrido a
inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
8 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se
do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher
as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a
Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual
pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por
mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei.
9 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12
(doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência
Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de
auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91,
incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
10 - No laudo médico de fls. 87/89, o expert do Juízo constatou ser a parte
autora portadora de "espondiloartrose lombar e protusão discal". Concluiu
pela incapacidade parcial e temporária. Salientou que o autor está
incapacitado para sua atividade laboral habitual (trabalhador rural), pois
existe restrição ao esforço físico. Consignou, ainda, que a incapacidade
é temporária, pois está em aguardo de cirurgia na coluna (tempo variável).
11 - Não obstante as ponderações do vistor oficial, insta ressaltar ser
a proteção à integridade física dos indivíduos um dos objetivos da
normatização dos direitos de personalidade. Neste sentido, o artigo 15 do
Código Civil limita o uso de procedimento cirúrgico às situações em que
há o consentimento voluntário do paciente. Tal diretriz foi prestigiada
pelo artigo 101 da Lei n. 8.213/91, do qual se infere não ser possível
constranger o segurado a realizar cirurgia para reverter quadro incapacitante.
12 - Assim, como a reversão da restrição, mediante a realização de
cirurgia, não pode ser imposta juridicamente à parte autora, sem violar
seu direito à integridade física, sua incapacidade deve ser considerada
permanente. Destarte, tem-se que a incapacidade é parcial e permanente.
13 - No entanto, afigura-se bastante improvável que quem sempre desempenhou
atividade que requer esforço físico (trabalhador rural, carregador, ajudante
geral, servente, coletor de lixo - CTPS de fls. 17/23), e que conta, atualmente
com mais de 55 (cinquenta e cinco) anos, vá conseguir após reabilitação,
capacitação e treinamento, recolocação profissional em funções mais
leves.
14 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47
da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR
2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 29/04/2010,
T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
15 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente
para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de
trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais
habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como
não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após
a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na
necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o
segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio
são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição
de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador
no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
16 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se
vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia
previdenciária de lhe conceder o benefício vindicado, por considerar ausente
algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto
não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa
não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de
agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o
próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento
ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do
ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo
indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina,
transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma
entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial
daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional
para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim
e teve de suportar o calvário processual.
17 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade
de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente
afastar a incapacidade, como sustenta o INSS, ou admitir a penalização
do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no período em
que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias,
tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis
que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria,
inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime.
18 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada,
conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão
geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do
IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
20 - Apelação parcialmente provida. Sentença parcialmente reformada. Ação
julgada procedente.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DESCABIMENTO DO REEXAME
NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INTERVENÇÃO
CIRÚRGICA. INCAPACIDADE LABORAL CONSIDERADA PERMANENTE. INTELIGÊNCIA
DO ARTIGO 101 DA LEI N. 8.213/91. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. HISTÓRICO
LABORAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. SÚMULA 47 DO
TNU. PRECEDENTE DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE
LABORAL. IMPOSSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO
DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. PRECEDENTES DESTA CORTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. APELAÇÃ...
Data do Julgamento
:
11/12/2017
Data da Publicação
:
22/01/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1659775
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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