TRF3 0014388-34.2010.4.03.0000 00143883420104030000
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. DOCUMENTO
NOVO. OBSERVÂNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS VULNERABILIZANTES VIVENCIADAS
POR TRABALHADORES RURAIS. SUFICIÊNCIA, POR SI SÓ, À MODIFICAÇÃO DO
JULGADO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. CONTEMPORANEIDADE DA ATIVIDADE
RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE
ANTERIOR À INCAPACIDADE LABORATIVA. ABRANDAMENTO. BREVE EXERCÍCIO DE
LABOR URBANO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL CONSISTENTE. LAUDO
MÉDICO. INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE. ANÁLISE DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
E HISTÓRICO LABORAL. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE
LABORAL. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO
DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. IUDICIUM RESCINDENS. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO
RESCISÓRIA. IUDICIUM RESCISORIUM. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO SUBJACENTE. VERBA
HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
1. Fundada a ação rescisória na existência de documento novo, a prova
nova deve ser, por si só, suficiente para modificar o julgado rescindendo,
ainda que de forma parcial. Não se objetiva reabrir a dilação probatória
para, simplesmente, suprir deficiência do conjunto probatório produzido na
ação originária, decorrente da não observância pela parte, por desídia
ou negligência, de seu ônus processual probatório, mas, sim, viabilizar
a apresentação de prova nova, cuja existência a parte ignorava ou de
que não podia fazer uso, bem como, em casos excepcionais, documento cujo
valor probatório era desconhecido pela parte em razão de circunstâncias
vulnerabilizantes, como aquelas vivenciadas por trabalhadores rurais.
2. O documento novo, consistente na certidão eleitoral, em que consta
declarada pela autora a sua condição de trabalhadora rural no ano de
1986, data posterior à brevíssima dedicação à costura, é indicativo da
continuidade da lida campesina. Considerados os parâmetros de razoabilidade
que norteiam a solução pro misero, é possível entender que, caso tal
documento tivesse constado daqueles autos, a conclusão do julgado rescindendo
poderia ter-lhe sido favorável.
3. A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista
no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da
Constituição Federal.
4. A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício
previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que
tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições
mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz
e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência. O benefício também é garantido aos segurados especiais, no
valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprovem o exercício de atividade
rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à
carência do benefício requerido (artigo 39 da LBPS).
5. Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses
de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou
do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral
da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas
taxativamente no artigo 151 da Lei n.º 8.213/91. Cumpre salientar que a
patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime,
não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão
de progressão ou agravamento da moléstia.
6. Na hipótese de incapacidade laborativa parcial e permanente, é
cabível a análise do contexto socioeconômico e histórico laboral do
segurado. Precedente do c. STJ. Súmula n.º 47 da TNU.
7. Não descaracteriza a incapacidade laborativa atestada pela prova
pericial a permanência, apesar da incapacidade, na atividade laboral até a
concessão do benefício. Não há dúvida que os benefícios por incapacidade
servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado
que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas
ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária
ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de
atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica
na sua imediata cessação e na necessidade de devolução das parcelas
recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os princípios
que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao
enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive,
o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação
à aposentadoria por invalidez. Completamente diferente, entretanto, é a
situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo,
diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício
vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do
jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a
de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não
configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência
denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos
direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
8. No que tange aos trabalhadores rurais, o C. Superior Tribunal de Justiça,
por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática
do artigo 543-C do Código de Processo Civil/1973, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido
em momento anterior ou posterior àquele retratado no documento mais antigo
juntado aos autos como início de prova material, mas desde que tal período
venha delineado em prova testemunhal idônea e robusta.
9. Também restou assentado pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.321.493/SP, em sede de recurso
representativo de controvérsia, que é possível o abrandamento da prova
para configurar tempo de serviço rural dos trabalhadores rurais denominados
"boias-frias", considerando a inerente dificuldade probatória da condição
de trabalhador campesino, sendo, para tanto, imprescindível a apresentação
de início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido,
a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
10. Há remansosa jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher
a condição de rurícola nos casos em que os documentos apresentados,
para fins de comprovação da atividade campesina, indiquem o marido como
trabalhador rural.
11. A 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp
nº 1.304.479/SP, sob o rito do artigo 543-C do CPC/1973, entendeu que o
trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza,
por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser
averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do
grupo familiar, sendo que, em exceção a essa regra geral, tem-se que a
extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a
outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível
com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
12. O C. STJ estabeleceu, no julgamento do REsp autuado sob nº 1.354.908/SP,
sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia,
a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em
período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
13. No caso concreto, há início de prova material do exercício de
atividade rural em nome de seu ex-marido, referente ao ano de 1974, bem como
em seu próprio nome, reportando sua condição de trabalhadora rural no
ano de 1986. As atividades de natureza urbana exercidas por seu ex-marido
se deram por curtos períodos, assim como a atividade exercida pela autora
como costureira. O eventual exercício intercalado de atividade de pouca
especialidade (pedreiro, servente etc.) na construção civil (no caso
de seu ex-marido) ou como costureira (no caso da autora) não é de todo
incompatível com o labor rural.
14. A prova testemunhal, embora não seja rica em detalhes, mostrou-se
idônea e robusta o suficiente para o fim de comprovar o exercício da
atividade rural pelo período exigido em lei.
15. A prova médico-pericial indicou a existência de incapacidade
laborativa parcial, relativa a atividades que exijam esforço excessivo, e
permanente. Afigura-se pouco crível que, quem sempre trabalhou em serviços
braçais, desempenhando atividades que requerem grande higidez física,
como o mourejo rural, já com idade avançada, irá conseguir recolocação
profissional em outras funções. Destaca-se que, em brevíssimo período,
no ano de 1985, a autora exerceu atividade de costureira, a qual, diante
das patologias degenerativas na coluna cervical e lombar, não pode ser
entendida como de natureza "leve". Ademais, não é crível que, tendo deixado
a atividade autônoma nesta qualidade já no ano de 1985, pudesse a autora
ter sua subsistência garantida tão somente com a eventual prestação de
serviço de costura.
16. Reconhecido o exercício de atividade rural entre 09.08.2004 a 09.08.2005,
bem como o direito da autora ao recebimento de aposentadoria por invalidez,
com renda mensal inicial a ser calculada na forma do artigo 35 da Lei n.º
8.213/91.
17. Dada a rescisão do julgado em face de documento novo, fixada a data
de início do benefício na data da citação da autarquia nesta ação
rescisória, em 24.05.2010.
18. Os juros de mora, incidentes mês a mês também a partir da citação
nesta ação rescisória até a expedição do ofício requisitório, devem
ser fixados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos aplicável à
Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência
dominante.
19. A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada,
desde a data de cada vencimento, de acordo com o Manual de Cálculos e
Procedimentos da Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09,
a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF,
sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE),
pelos índices de variação do IPCA-E.
20. Verba honorária fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data deste julgamento,
nos termos da Súmula n.º 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
21. Rejeitada a preliminar. Em juízo rescindendo, julgada procedente a
ação rescisória, para desconstituir o julgado na ação subjacente com
fundamento nos artigos 485, VII, do CPC/1973 e 966, VII, do CPC/2015. Em
juízo rescisório, julgada procedente a ação subjacente, nos termos dos
artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015, para condenar a autarquia
na implantação em favor da autora, na qualidade de trabalhadora rural,
de aposentadoria por invalidez e no pagamento das prestações vencidas.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. DOCUMENTO
NOVO. OBSERVÂNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS VULNERABILIZANTES VIVENCIADAS
POR TRABALHADORES RURAIS. SUFICIÊNCIA, POR SI SÓ, À MODIFICAÇÃO DO
JULGADO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. CONTEMPORANEIDADE DA ATIVIDADE
RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE
ANTERIOR À INCAPACIDADE LABORATIVA. ABRANDAMENTO. BREVE EXERCÍCIO DE
LABOR URBANO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL CONSISTENTE. LAUDO
MÉDICO. INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE. ANÁLISE DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
E HISTÓRICO LABORAL. PERMANÊNCIA NO TRABALHO AP...
Data do Julgamento
:
14/12/2017
Data da Publicação
:
11/01/2018
Classe/Assunto
:
AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 7413
Órgão Julgador
:
TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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