TRF3 0006695-64.2013.4.03.6120 00066956420134036120
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REGRESSO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CAUSA
MADURA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. INEXISTÊNCIA
DE BIS IN IDEM EM RELAÇÃO AO SAT/RAT. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE
CIVIL SUBJETIVA. ÔNUS DA PROVA. ENCARGOS. PAGAMENTOS FUTUROS. SENTENÇA
REFORMADA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Aplica-se às ações de regresso do INSS contra os empregadores, visando
o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefício
previdenciário às vítimas de acidente de trabalho, o prazo previsto
no art. 1º do Decreto 20.910/32 para as ações indenizatórias contra a
Fazenda Pública, a fim de haver isonomia. No caso dos autos, o benefício
previdenciário foi concedido em 11/07/2008 e 27/08/2008 (fls. 30/32) e a
presente ação foi ajuizada em 22/05/2013 (fl. 02), não havendo que se
falar em prescrição.
2. Portanto, a sentença que reconheceu a prescrição deve ser
reformada. Aplicável ao caso sub judice o art. 1.013, §3º, I, do CPC,
porquanto a causa se encontra madura para julgamento.
3. Os artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91 asseguram ao INSS o direito de
regresso contra o empregador nos casos de negligência do empregador quanto
às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho. E, com a
Emenda Constitucional nº 20/98, restou expressamente estabelecido que tanto a
Previdência Social quanto o setor privado são responsáveis pela cobertura
do risco de acidente do trabalho. Essa responsabilidade funda-se na premissa
de que os danos gerados culposamente pelo empregador ao INSS, decorrente
de acidente do trabalho, não podem e não devem ser suportados por toda a
sociedade em razão de atitude ilícita da empresa que não cumpre normas do
ambiente de trabalho, além de possuir o escopo de evitar que o empregador
continue a descumprir as normas relativas à segurança do trabalho.
4. Ademais, o fato de o empregador contribuir para o custeio do regime geral
de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições
sociais, dentre estas aquela destinada ao Seguro de Acidente do Trabalho
(SAT), atualmente denominada Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), não exclui
a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa
sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. Isso
porque a cobertura do SAT/RAT abrange somente os casos em que o acidente
de trabalho decorre de culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito ou de
força maior. Não abrange, portanto, os casos em que o acidente de trabalho
decorre de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança
e higiene no ambiente de trabalho.
5. A responsabilidade do empregador, em relação ao ressarcimento dos
valores despendidos pelo INSS com benefícios previdenciários concedidos em
razão de acidentes de trabalho, é subjetiva (exige culpa ou dolo). São
pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: a) ação ou omissão do
agente; b) do dano experimentado pela vítima; c) do nexo causal entre a
ação e omissão e o dano; d) da culpa do agente, nos termos dos artigos
186 e 927 do Código Civil. Consoante art. 19, §1º, da Lei nº 8.213/91,
o empregador é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e
individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. E mais que
isso, conforme art. 157, da Consolidação das Leis do Trabalho, é dever
do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos
de segurança do trabalho. Assim, é o empregador a responsável não apenas
pela adoção de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança
da saúde do trabalhador, mas também pela fiscalização do seu cumprimento.
6. No âmbito das ações de regresso, considerando que se trata de
responsabilidade subjetiva e que o art. 120 da Lei nº 8.213/91 exige
"negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene
no ambiente de trabalho", entende-se que a conduta do empregador apta a
ensejar a responsabilidade pelo ressarcimento ao INSS é a negligência
do empregador consistente na desobediência, dolosa ou culposa, das normas
regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho.
7. Se a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares
referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho for a única
causa do acidente de trabalho, há responsabilidade do empregador pelo
ressarcimento da totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício
previdenciário. Por sua vez, se tanto a conduta negligente do empregador
quanto a do empregado forem causas do acidente de trabalho (concurso de
causas), há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento somente da
metade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário. E,
por fim, se se tratar de culpa exclusiva do empregado, de caso fortuito ou
de força maior, não há responsabilidade.
8. Ressalto que, nos termos do art. 333 do CPC, incumbe ao INSS comprovar a
existência de culpa do empregador (fato constitutivo do direito do autor)
e, por outro lado, cabe ao empregador demonstrar a existência de culpa
concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior
(fatos impeditivos do direito do autor).
9. Depreende-se dos autos que o relatório da fiscalização promovida
pelo Ministério do Trabalho e Emprego em setembro de 2008 concluiu que o
empregado acidentado não havia sido capacitado para operar a serra circular,
mas fora designado para atividade de confecção de uma peça de madeira
que exigia a utilização da serra circular. Em razão desta fiscalização
foi lavrado o Termo de Notificação com as determinações relativas às
medidas de segurança e saúde do trabalho a serem adotadas pela ré. Assim,
houve negligência da empresa, porquanto restou demonstrado o descumprimento
de diversas normas regulamentares relativas à segurança do trabalho (a
saber: normas regulamentares nºs 1, 6, 7, 9, 12 e 23 do Ministério do
Trabalho). Anoto ainda que a ré impugnou o relatório desta fiscalização
do Ministério do Trabalho, sob o argumento de que consistiriam em documentos
unilaterais, que não poderiam ser acolhidos pelo Judiciário. Ocorre que,
na verdade, estes documentos são atos administrativos, dotados de presunção
de veracidade. E a parte ré não logrou demonstrar que tenha havido qualquer
irregularidade nestes documentos, tampouco que tenham logrado desconstituir
a autuação, seja na esfera administrativa, seja na judicial. Inclusive,
a parte ré afirmou não pretender produzir qualquer prova nestes autos,
de modo que os únicos elementos probatórios existentes são aqueles
colhidos pelas autoridades administrativas, autoridades policiais e junto
à Justiça do Trabalho. Ademais, todas estas provas emprestadas foram
devidamente submetidas ao contraditório nestes autos, não havendo qualquer
irregularidade ou impedimento à sua valoração.
10. Também restou demonstrada a imprudência do empregado, pois este mesmo
relatório da fiscalização apontou que havia dispositivos de segurança
à disposição, porém o empregado acidentado utilizou a serra circular sem
montá-los. Ademais, os depoimentos colhidos na Justiça do Trabalho e pela
autoridade policial às fls. 88, 133 e 134, salvo o depoimento prestado pelo
próprio empregado acidentado, são coesos e consistentes quanto à conduta
imprudente do empregado no sentido de ter exercido função para a qual não
fora contratado.
11. Portanto, no caso dos autos, o INSS logrou demonstrar a deficiência e
precariedade da segurança do trabalhador por culpa do empregador e, por outro
lado, o empregador também logrou demonstrar a existência de culpa concorrente
do empregado, restando caracterizado o concurso de culpas do empregador e do
empregado. Assim, a empresa-ré deve ressarcir ao INSS somente da metade dos
valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, bem como a
metade dos valores que vierem a ser pagos enquanto perdurar aquela obrigação
(isto é, enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário).
12. Tratando-se de condenação da Fazenda Pública, deve-se utilizar os
índices previstos na Resolução nº 267/2013 do CJF, excluídos os índices
da poupança, tendo em vista que o C. STF entendeu pela inconstitucionalidade
do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, adotando o posicionamento de que a
eleição legal do índice da caderneta de poupança para fins de atualização
monetária e juros de mora ofende o direito de propriedade (ADI 4357 e RE
798541 AgR). Assim, deve ser aplicado o Manual de Orientação de Procedimentos
para cálculos na Justiça Federal (Resolução nº 134/2010 do CJF).
13. Considerando que se trata de ação de regresso de benefício
previdenciário cujo pagamento perdurará após o trânsito em julgado deste
processo, é possível a condenação da empresa-ré ao ressarcimento dos
valores que vierem a ser pagos pelo INSS (parcelas vincendas). Todavia, não
é possível a constituição de capital, prevista no art. 475-Q do CPC, pois
tal procedimento refere-se especificamente às hipóteses em que indenização
incluir prestação de alimentos. E, embora os benefícios pagos pelo INSS
ao empregado acidentado ou aos seus familiares possuam natureza alimentar,
a verba que o empregador deve ressarcir, em regresso, ao INSS não possui
natureza alimentar. Por fim, consigno que o benefício previdenciário
NB 91/5311779817 foi pago por período determinado, entre 11/07/2008 e
26/08/2008, de modo que a mencionada possibilidade de condenação da
empresa-ré ao ressarcimento dos valores que vierem a ser pagos pelo INSS
(parcelas vincendas) refere-se apenas ao benefício previdenciário NB
94/5325539228, que foi concedido em 27/08/2008 e perdurava até o momento
de ajuizamento da presente ação. O que não é possível é que, se outro
benefício previdenciário vier a ser concedido no futuro em razão do mesmo
acidente de trabalho em apreço, este também esteja abarcado pela decisão
destes autos, porquanto se trata de evento futuro e incerto. O provimento
da ação de regresso exige que o evento já tenha ocorrido, isto é, que
já tenha havido a concessão do benefício previdenciário.
14. Por todas as razões expostas, o pedido deve ser julgado parcialmente
procedente para condenar a ré ao ressarcimento da metade dos valores pagos
pelo INSS a título de benefício previdenciário, bem como à metade dos
valores que vierem a ser pagos enquanto perdurar aquela obrigação (isto é,
enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário), atualizados
conforme o Manual de Orientação de Procedimentos para cálculos na Justiça
Federal (Resolução nº 134/2010 do CJF).
15. Em decorrência, verifico a ocorrência de sucumbência recíproca entre
as partes, razão pela qual determino o rateio das custas processuais em
partes iguais e a compensação dos honorários advocatícios.
16. Recurso de apelação do INSS parcialmente provido para afastar o
reconhecimento da prescrição e, com fulcro no art. 1.013, §3º, I,
do CPC, julgar parcialmente procedente o pedido para condenar a ré ao
ressarcimento da metade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício
previdenciário, bem como à metade dos valores que vierem a ser pagos
enquanto perdurar aquela obrigação (isto é, enquanto perdurar o pagamento
do benefício previdenciário), atualizados conforme o Manual de Orientação
de Procedimentos para cálculos na Justiça Federal (Resolução nº 134/2010
do CJF), determinando o rateio das custas processuais e a compensação dos
honorários advocatícios, nos termos do voto.
Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REGRESSO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CAUSA
MADURA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. INEXISTÊNCIA
DE BIS IN IDEM EM RELAÇÃO AO SAT/RAT. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE
CIVIL SUBJETIVA. ÔNUS DA PROVA. ENCARGOS. PAGAMENTOS FUTUROS. SENTENÇA
REFORMADA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Aplica-se às ações de regresso do INSS contra os empregadores, visando
o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefício
previdenciário às vítimas de acidente de trabalho, o prazo previsto
no art. 1º do Decreto 20.910/32 para as ações indeniz...
Data do Julgamento
:
21/05/2018
Data da Publicação
:
25/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1955022
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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