TRF5 0002083-08.2015.4.05.8400 00020830820154058400
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELA DEFESA. ESTELIONATO MAJORADO. SAQUE DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE TITULARIDADE DE SEGURADA FALECIDA. FRAUDE. MATERIALIDADE E AUTORIA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. INOCORRÊNCIA. PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE. REDIMENSIONAMENTO E EXCLUSÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. CRIME PERMANENTE. FORMA PRIVILEGIADA DO DELITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. REPARAÇÃO DE DANOS. ART.
387, IV, CPP. APLICABILIDADE. SÚMULA 711 STF.
1. Pretende a apelante a reforma da sentença que a condenou, pela prática do crime previsto no art. 171, parágrafo 3º, c/c art. 71, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão,
substituída por duas penas restritivas de direito e ao pagamento de multa (75 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos), além da reparação do valor correspondente aos prejuízos causados (R$ 19.311,32).
2. Segundo a denúncia, M.M.S., que percebia o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, pago pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, faleceu em 12 de fevereiro de 2006. Porém, a ré, filha da falecida, teria continuado a sacar
indevidamente os valores depositados até fevereiro de 2010, ocasionando aos cofres públicos um prejuízo de R$ 19.311,32 (valores não atualizados).
3. Nas razões recursais, a defesa, pretendendo a absolvição, requer a reforma da sentença alegando/requerendo, em síntese: i) o reconhecimento da ilicitude da confissão (e consequente exclusão de tal prova) enquanto elemento colhido no inquérito
policial e não submetido ao crivo do contraditório já que a ré não foi ouvida em juízo; ii) ausência de provas aptas a embasar a sentença condenatória, impossibilidade de condenação com base exclusivamente em provas produzidas no IPL; e iii) ainda que
se considere a confissão da ré, esta só pode abranger os três saques efetuados após o falecimento da titular do benefício. Subsidiariamente, requer: iv) a aplicação da pena-base no mínimo legal, após desconsiderar a análise desfavorável da vetorial
consequências do delito; v) o afastamento da continuidade delitiva, por se tratar de crime permanente; vi) a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 171, parágrafo 1º, do CP, por constituir o prejuízo de R$ 19.311,32 de
pequena monta para a Fazenda Pública; e vii) a impossibilidade de fixação de valor mínimo a título de reparação de danos na medida em que os fatos imputados se deram em momento anterior ao advento da Lei n.º 11.719/2008 - norma processual com conteúdo
material, de natureza mista - não podendo retroagir para prejudicar o réu.
4. Da leitura do art. 171 do CP, extraem-se os quatro requisitos necessários ao cometimento do delito em foco: a) obtenção de vantagem ilícita; b) prejuízo alheio; c) induzimento ou manutenção de alguém em erro; d) emprego de artifício, ardil ou outro
meio fraudulento; e) dolo.
5. Materialidade e autoria delituosas demonstradas."(...) a materialidade dos crimes é corroborada pelo teor da Informação Policial da fl. 41 do IPL, em que os agentes da Polícia Federal Carlos Benjamim R. Lima e Valter Cid de Oliveira relatam que a
acusada C.R.M.S. confessou ter sacado três meses do benefício de sua mãe, após a sua morte, para custear despesas relativas ao velório e sepultamento de sua genitora. Essa informação foi corroborada por Carlos Benjamim R. Lima em juízo, que confirmou o
teor do documento da fl. 41 do IPL e reconheceu sua assinatura nele aposta. 18. É importante esclarecer que, muito embora a ré, naquela ocasião, tenha dito que sacou apenas três meses do mencionado benefício, tal afirmação não encontra total respaldo
nos autos, visto que, de acordo com a Relação de Créditos das fls. 20/21 do IPL, não foram realizados apenas 03 (três), mas 38 (trinta e oito) saques. Também nada há nos autos comprovando que a ré não tenha permanecido na posse do cartão magnético e da
senha referentes ao benefício após o terceiro saque, efetuado depois do falecimento de sua genitora. (...)".
6. Não pode a recorrente se valer de irregularidade a que deu causa (ausência injustificada à audiência de interrogatório judicial) para, posteriormente, alegar falta de provas submetidas ao crivo do contraditório por não ter sido a ré ouvida em juízo.
Se a ré silencia no momento crucial da instrução destinado à apresentação da sua versão dos fatos, não poderá, posteriormente, alegar a própria torpeza a seu favor. Tanto assim que o CPP estabelece, no artigo 565, que nenhuma das partes poderá arguir
nulidade a que tenha dado causa, ou para a qual tenha concorrido.
7. O decreto condenatório tomou por base não apenas os elementos colhidos na fase inquisitorial, mas, também, provas colhidas ao longo da instrução processual sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (v.g. declarações prestadas pelas testemunhas
ouvidas em juízo), em conformidade, pois, com o artigo 155 do CPP. Alegação de ausência de provas afastada.
DA DOSIMETRIA
8. Dentre as circunstâncias judiciais dispostas no art. 59 do Código Penal, nortes do juiz na individualização da pena, o juízo a quo avaliou negativamente apenas as consequências do crime ("as consequências extrapenais do crime foram graves, uma vez
que causou um prejuízo à Previdência Social da ordem de R$ 19.311,32"). Recrudescimento da pena-base não autorizado por tal montante não representar elevado dano ao erário. Considerando que o Código Penal estabelece em abstrato a pena de 01 (um) a 05
(cinco) anos para o tipo do art. 171 do CP, e, ainda, que, das oito circunstâncias judiciais, nenhuma foi valorada negativamente, impõe-se a fixação da pena-base no mínimo legal de 01(um) ano de reclusão.
9. Na segunda fase, não incidem agravantes. Mantida a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", CP) à mesma razão fixada pelo juízo de origem, no entanto, com aplicação prejudicada diante do óbice imposto pela Súmula 231 do STJ e
jurisprudência dominante.
10. "O crime de estelionato previdenciário, quando praticado pelo próprio beneficiário das prestações, tem caráter permanente, cessando a atividade delitiva apenas com o fim da percepção das prestações" (STF, HC nº 107.385/RJ, Primeira Turma, Relatora a
Ministra Rosa Weber, DJe de 30/3/12).
11. Exclusão da continuidade delitiva que se impõe. No crime de estelionato praticado pelo beneficiário contra o INSS, inexiste a prática de dois ou mais crimes a configurar a continuidade delitiva. Trata-se de crime permanente, porquanto, embora o
recebimento do benefício se renove mensalmente, verifica-se a obtenção de uma única vantagem ilícita, o que impõe a exclusão do incremento pela continuidade, mormente porque a realização dos saques não representou a prática de múltiplas condutas
delitivas, mas, tão somente, a prolongação do estelionato no tempo. Precedentes TRF5.
12. Indeferimento do pedido de aplicação da forma privilegiada do crime de estelionato (art. 171, parágrafo 1º, CP), em razão de a conduta imputada à acusada ter resultado em prejuízo à Administração Pública, prejuízo cuja natureza não permite a
aplicação do princípio da insignificância. Ademais, independentemente dos valores obtidos indevidamente pela ré, salta aos olhos a reprovabilidade da conduta, que atinge, como visto, a coletividade como um todo.
13. Ausentes circunstâncias agravantes, prejudicada a aplicação da atenuante da confissão, sem causas de diminuição de pena, aplicando-se a causa de aumento prevista no §3º do art. 171 CP, à razão de 1/3 (um terço), e, ainda, excluída a continuidade
delitiva, resta fixada a pena privativa de liberdade definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão.
14. Reconhecimento, ex officio, da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição. Fixada a pena definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, a prescrição do referido delito se opera em 04 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V,
CP. Hipótese em que o lapso temporal observado entre a percepção indevida da última parcela do benefício (fevereiro/2010) e o recebimento da denúncia (21/07/2015), excede o prazo legal de quatro anos, dando ensejo ao reconhecimento da prescrição.
15. Inaplicabilidade da Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010, que revogou o parágrafo 2º do art. 110 do Código Penal, excluindo a contagem do prazo prescricional no período anterior ao do recebimento da denúncia, pois os fatos em questão ocorreram antes
de sua vigência, não podendo a norma retroagir para prejudicar a ré.
16. No tocante à pena de multa, cominada, cumulativamente, com a pena privativa de liberdade, observa-se que, igualmente, a mesma foi fulminada por tal instituto, a teor do art. 114, II, do Código Penal Brasileiro.
17. Em atendimento ao pleito ministerial, o juízo de primeiro grau condenou a acusada nas penas do art. 171, parágrafo 3º, CP, pelo recebimento indevido de benefício previdenciário no período compreendido entre fevereiro/2006 e fevereiro/2010, fixando,
ainda, o valor mínimo de reparação conforme preceitua o art. 387, IV, CPP.
18. "Encontra-se consolidado, também, o entendimento de que a regra do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo para reparação civil dos danos causados ao ofendido, é norma
híbrida, de direito processual e material, razão pela que não se aplica a delitos praticados antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.719/2008, que deu nova redação ao dispositivo" (REsp 1.193.083/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
20/8/2013, DJe de 27/8/2013).
19. Aplicabilidade do disposto no art. 387, IV, do CPP. Os fatos pelos quais a acusada foi condenada remontam ao período compreendido entre fevereiro/2006 e fevereiro/2010, ao passo que o comando contido no art. 387, IV, do CPP, entrou em vigor em
agosto/2008. Assim, quando da entrada em vigor da obrigatoriedade de fixação de valor mínimo para reparação civil dos danos, o cometimento da conduta delituosa já havia iniciado. Não há que se falar em retroatividade penal, uma vez que o recebimento do
benefício ocorreu no período de 2006 a 2010, ao passo que o artigo 387, IV, do CPP foi alterado no ano de 2008, ainda durante a prática criminosa. Inteligência da Súmula n.º 711, STF: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência".
20. "Extinta a condenação pela prescrição, extingue-se também a condenação pecuniária fixada como reparação dos danos causados à vítima, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, pois dela decorrente, ficando ressalvada a utilização de
ação cível, caso a vítima entenda que haja prejuízos a serem reparados" (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 19/03/2013).
21. Apelação provida em parte para, após redimensionada a pena privativa de liberdade, reconhecer, ex officio, a extinção da punibilidade em favor da ré pela ocorrência da prescrição.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELA DEFESA. ESTELIONATO MAJORADO. SAQUE DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE TITULARIDADE DE SEGURADA FALECIDA. FRAUDE. MATERIALIDADE E AUTORIA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. INOCORRÊNCIA. PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE. REDIMENSIONAMENTO E EXCLUSÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. CRIME PERMANENTE. FORMA PRIVILEGIADA DO DELITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. REPARAÇÃO DE DANOS. ART.
387, IV, CPP. APLICABILIDADE. SÚMULA 711 STF.
1. Pretende a apelante a reforma da sentença que a c...
Data do Julgamento
:
01/12/2016
Data da Publicação
:
14/12/2016
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14138
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
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