TRF3 0009274-26.2005.4.03.6100 00092742620054036100
PROCESSO CIVIL, CIVIL, BANCÁRIO E CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO
DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. PRESCRIÇÃO. LIMITAÇÃO DA TAXA DE
JUROS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. RESTITUIÇÃO OU
COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. APELAÇAÕ DA CEF PARCIALMENTE
PROVIDA.
1. Não há nulidade da sentença, pois o Magistrado pode fixar os critérios
de cálculo e determinar que este seja realizado em liquidação de sentença,
sobretudo nos casos, como o dos autos, em que não há cálculos - nem das
partes nem de Perito - que atenda aos critérios ora fixados.
2. Ressalte-se, em primeiro lugar, que o contrato celebrado pelas partes em
18/06/1996 (fl. 17), o inadimplemento iniciou-se em 17/12/1997 (fl. 16) e a
presente ação revisional foi ajuizada em 25/05/2005 (fl. 02). E, conforme o
entendimento sedimentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, aplica-se às
ações revisionais de contrato bancário o prazo prescricional vintenário na
vigência do Código Civil de 1916 e o decenal na vigência do Código Civil
de 2002. Assim, considerando que o contrato foi firmado em 18/06/1996, sob a
égide do Código Civil de 1916, é necessário aplicar a regra de transição
prevista no art. 2.028 do novo codex, porquanto houve redução do prazo: (i)
o art. 177 do Código de Civil de 1916 previa prazo prescricional vintenário
(20 anos) para as ações pessoais, e; (ii) o Código Civil de 2002, no
art. 205 reduziu para 10 (dez) anos o prazo prescricional. De acordo com a
regra de transição: (i) aplicam-se os prazos previstos no Código revogado,
quando, na data de sua entrada em vigor (11/01/2003), já houver transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada; (ii) todavia, se não
havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto no Código
revogado, aplica-se o prazo previsto no Código Civil de 2002, a contar da
entrada em vigor deste último diploma legal. Portanto, no caso dos autos,
como não havia decorrido mais da metade do prazo previsto no Código Civil
de 1916 até a data em que o Código Civil de 2002 entrou em vigor, deve
ser contado o prazo de 10 (dez) anos previsto no novo Código Civil da data
em que ele entrou em vigor, de modo que o prazo prescricional findou-se em
11/01/2013. Ocorre que a presente ação somente foi ajuizada em 25/05/2005,
quando a pretensão ainda não se encontrava fulminada pela prescrição.
3. É possível a revisão dos contratos bancários, desde que o consumidor
aponte concretamente alguma ilegalidade em suas cláusulas. Porém,
em se tratando de contrato de confissão e renegociação de dívida
(fls. 10/17), não é possível à parte embargante discutir a dívida que
fora confessada, sob pena de configuração de venire contra factum proprium,
mas apenas os encargos que vierem a incidir sobre esta dívida (confessada),
conforme previsto no "Contrato Particular de Consolidação, Confissão e
renegociação de Dívida(s)". Isto pois, com a novação da obrigação,
desaparece a obrigação antiga, surgindo uma nova obrigação, de modo que
as partes não podem mais discutir a dívida originária (e suas condições,
cláusulas, encargos etc), mas apenas a nova.
4. No tocante à taxa de juros em limite superior a 12% ao ano, a
jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que,
cuidando-se de operações realizadas por instituição integrante do Sistema
Financeiro Nacional, não incide a limitação prevista na lei de Usura
(Decreto nº 22.626, 07.04.33). Esse entendimento encontra-se consolidado
na Súmula nº 596. Insta salientar que a parte ré, por ocasião das
operações que originaram a presente ação, estava ciente da taxa cobrada
pela instituição financeira, ora recorrida, a qual não se submetia ao
limite constitucional de 12% ao ano, de que tratava o § 3º do artigo 192 da
Constituição Federal, atualmente revogado pela Emenda Constitucional nº
40 de 29.05.2003. É que a Excelsa Corte já havia proclamado que o § 3º,
do artigo 192 da Constituição Federal não era autoaplicável, dependendo
de lei ordinária para a sua regulamentação, tendo restado cristalizado tal
entendimento na Súmula nº 648. Registre-se, por oportuno, que no julgamento
do Recurso Especial nº 1.061530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos
(art. 543-C do Código de Processo Civil), o E. Superior Tribunal de Justiça
se posicionou no sentido de que a estipulação de juros remuneratórios
superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. A par disso, a
abusividade na cobrança de juros extorsivos somente restaria configurada se
a instituição financeira estivesse praticando taxa de juros em percentual
superior à média praticada pelo mercado, hipótese, não verificada nos
presentes autos.
4.1. No caso dos autos, da leitura do contrato de renegociação e
confissão de débito firmado entre as partes, nota-se que se trata de juros
remuneratórios "pós-fixados". Em assim sendo, é evidente que não foi
pré-fixada no contrato uma taxa (porcentagem) de juros mensal e/ou anual.
Em se tratando de juros pós-fixados, exige-se apenas que o modo de cálculo
da taxa de juros esteja previsto no contrato de maneira expressa e clara,
possibilitando ao homem médio a aferição da taxa a partir dos critérios
pactuados, por meio de simples cálculo aritmético. A cláusula quarta do
contrato prevê o cálculo da taxa de juros remuneratórios, de maneira que
a cláusula quarta atende às exigências de fixação expressa e clara dos
juros.
Portanto, não há qualquer ilegalidade na cobrança dos juros remuneratórios
segundo os critérios do contrato.
5. No que diz respeito à capitalização de juros vale ressaltar que, diante
da vedação contida no artigo 4º do Decreto nº 22.626, de 07 de abril de
1.933, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121. Com a edição
Medida Provisória nº 1963-17 de 31.03.00 (reeditada sob o nº 2.170-36,
de 23/082001), a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça,
acompanhando a evolução legislativa, assentou o entendimento no sentido
de que "é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação
da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001),
desde que expressamente pactuada." (REsp 973827/RS, submetido ao rito dos
recursos repetitivos (artigo. 543-C do CPC) Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
08/08/2012, DJe 24/09/2012). Conquanto recentemente o E. Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do REsp nº 1.388.972/SC, tambem sob a sistemática
dos recursos representativos de controvérsia, tenha firmado a tese de que:
"A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida
quando houver expressa pactuação", persiste a restrição temporal firmada
no julgamento do REsp nº 973.827/RS e na Súmula nº 539 do STJ no sentido
de somente ser permitida a capitalização de juros nos contratos celebrados
após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000
(em vigor como MP 2.170-36/2001). A meu ver, a nova tese apenas reforça
o entendimento que já existia em relação à necessidade de pactuação
expressa. É importante destacar ainda que o E. Superior Tribunal de
Justiça, no julgamento do REsp nº 973.827, cuja ementa encontra-se supra
transcrita, consolidou que a pactuação da capitalização dos juros tem
que ser realizada de forma expressa e clara, bem como que basta a previsão
no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da
mensal para que seja lícita a cobrança da capitalização. Neste sentido,
confiram-se as súmulas nºs 539 e 541 do Superior Tribunal de Justiça.
5.1. No caso dos autos, não se admite a capitalização dos juros
remuneratórios, pois o contrato foi celebrado em 18/06/1996, isto é,
em data anterior à edição da aludida medida provisória.
6. O Banco Central do Brasil, com os poderes conferidos pelo Conselho
Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 1.129/86, na forma do artigo
9º da Lei 4.595/64, facultou às instituições financeiras a cobrança
da comissão de permanência, sendo legítima a sua exigência, porquanto
instituída por órgão competente e de acordo com previsão legal. Além
disso, a legitimidade da cobrança da comissão de permanência nos contratos
bancários encontra-se sufragada pela jurisprudência do E. Superior
Tribunal de Justiça, como se vê dos enunciados das Súmulas 30, 294 e
296. Anote-se, por outro lado, que na comissão de permanência já estão
inseridas todas as verbas decorrentes do inadimplemento, razão pela qual
não é possível sua cumulação com outros encargos como juros moratórios,
multa contratual, juros remuneratórios e correção monetária, sob pena de
configurar verdadeiro bis in idem. Nesse sentido, aliás, é o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça, cristalizado no enunciado da Súmula 472.
6.1. No caso concreto, o aludido encargo foi expressamente convencionado
pelas partes na cláusula décima, todavia de forma cumulada com: (i) taxa
de rentabilidade de 7% ao mês; (ii) juros de mora de 1% ao mês; e (iii)
pena convencional de 10% sobre o valor da dívida. Assim sendo, deve ser
afastada a incidência da taxa de rentabilidade de 7%, dos juros de mora de
1% ao mês e da pena convencional de 10% sobre o valor da dívida, que se
encontram embutida na comissão de permanência. Nessa esteira, o débito
deverá ser acrescido dos juros remuneratórios segundo o critério previsto
no contrato até o seu vencimento e, após, a dívida será atualizada tão
somente pela incidência da comissão de permanência obtida pela composição
da taxa de CDI - Certificado de Depósito Interbancário, divulgada pelo
BACEN, afastada a cobrança cumulativa com a "taxa de rentabilidade" ou
qualquer outro encargo moratório, nos termos da Súmula 472 do STJ.
7. Quanto ao pleito de devolução em dobro dos valores indevidamente pagos,
com fundamento no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor c.c artigo
940 do Código de Processo Civil, que correspondia ao artigo 1531 do Código
Civil de 1916, observo que a Súmula 159 do E. Supremo Tribunal Federal
preconiza: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções
do artigo 1531 do Código Civil.". No caso, não restou comprovado que a CEF
tenha agido de má-fé na cobrança da taxa de rentabilidade, porquanto tal
encargo, embora não devido, tem previsão contratual, logo, não há que se
falar em devolução em dobro dos valores cobrados. Impõe-se, em verdade,
que a CEF proceda ao recálculo do valor devido de acordo com os critérios
ora estabelecidos, abatendo-se dele os valores que a ré-embargante já pagou.
8. No caso dos autos, verifico que foram juntadas cópias do contrato
às fls. 10/17, devidamente assinado pelas partes. Em suma, o contrato
deve prever a taxa de juros remuneratórios de forma expressa e clara e
a abusividade somente resta configurada se o mutuário demonstrar que a
instituição financeira cobra taxa de juros em percentual superior à
média praticada pelo mercado. No caso, a taxa de juros está prevista na
cláusula quarta do contrato e a parte autora não demonstrou que o percentual
seja superior à taxa média praticada pelo mercado, inexistindo qualquer
ilegalidade na cobrança dos juros remuneratórios segundo os critérios
do contrato. Considerando que o MM. Magistrado de 1º grau determinou a
incidência dos juros remuneratórios, à taxa de 1% ao mês, a sentença
deve ser reformada para reestabelecer a taxa de juros remuneratórios
pactuada na cláusula quarta do contrato. É lícita a capitalização
de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados
com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir
de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001),
desde que expressamente pactuada no contrato ou, conforme a jurisprudência
do STJ, haja previsão no contrato de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal. No caso, não se admite a capitalização dos juros
remuneratórios, pois o contrato foi celebrado em 18/06/1996. Considerando
que o MM. Magistrado a quo já determinou a exclusão da capitalização
dos juros, a sentença deve ser mantida quanto a este tópico. É lícita a
cobrança da comissão de permanência, porém esta não pode ser pactuada
com nenhum outro encargo remuneratório ou moratório. No caso, o aludido
encargo foi, indevidamente, cumulado com: (i) taxa de rentabilidade de 7%
ao mês; (ii) juros de mora de 1% ao mês; e (iii) pena convencional de 10%
sobre o valor da dívida. Considerando que o MM. Magistrado a quo determinou
a exclusão da comissão de permanência, a sentença deve ser reformada para
reestabelecer a cobrança da comissão de permanência, sem a cumulação
com os encargos citados. A devolução em dobro dos valores indevidamente
pagos, com fundamento no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor c.c
artigo 940 do Código de Processo Civil, que correspondia ao artigo 1531 do
Código Civil de 1916, somente é devida se restar comprovada a má-fé da
credora. No caso, não restou comprovado que a CEF tenha agido de má-fé
na cobrança dos encargos afastados, porquanto estes, embora não devidos,
tem previsão contratual, logo, não há que se falar em devolução em dobro
dos valores cobrados. Consigno ainda que eventuais ilegalidades verificadas
no contrato não ensejam a nulidade total deste. Impõe-se, em verdade,
que a CEF proceda ao recálculo do valor devido de acordo com os critérios
ora estabelecidos, abatendo-se dele os valores que a autora tenha pagado a
título de encargos ilegais. Por todas as razões expostas, a sentença deve
ser reformada apenas para: (i) reestabelecer a taxa de juros remuneratórios
pactuada na cláusula quarta do contrato; (ii) reestabelecer a cobrança da
comissão de permanência, sem a cumulação com a taxa de rentabilidade de 7%
ao mês, os juros de mora de 1% ao mês; e a pena convencional de 10% sobre
o valor da dívida; e (iii) afastar a condenação da ré à restituição
dos valores pagos indevidamente, determinando, em seu lugar, o abatimento
dos valores que a autora tenha pagado a título de encargos ilegais do saldo
devedor recalculado.
9. Por fim, com relação ao ônus sucumbencial, verifica-se que ambas
as partes decaíram em parcelas significativas de suas pretensões. E,
tratando-se de sucumbência recíproca, determino o rateio das custas e
despesas processuais e a cada parte arcar com os honorários advocatícios
de seu patrono.
10. Apelação da parte autora desprovida. Apelação da CEF parcialmente
provida para (i) reestabelecer a taxa de juros remuneratórios pactuada na
cláusula quarta do contrato; (ii) reestabelecer a cobrança da comissão de
permanência, sem a cumulação com a taxa de rentabilidade de 7% ao mês,
os juros de mora de 1% ao mês; e a pena convencional de 10% sobre o valor
da dívida; e (iii) afastar a condenação da ré à restituição dos
valores pagos indevidamente, determinando, em seu lugar, o abatimento dos
valores que a autora tenha pagado a título de encargos ilegais do saldo
devedor recalculado, determinando o rateio das custas e a compensação dos
honorários advocatícios.
Ementa
PROCESSO CIVIL, CIVIL, BANCÁRIO E CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO
DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. PRESCRIÇÃO. LIMITAÇÃO DA TAXA DE
JUROS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. RESTITUIÇÃO OU
COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. APELAÇAÕ DA CEF PARCIALMENTE
PROVIDA.
1. Não há nulidade da sentença, pois o Magistrado pode fixar os critérios
de cálculo e determinar que este seja realizado em liquidação de sentença,
sobretudo nos casos, como o dos autos, em que não há cálculos - nem das
partes nem de Perito - que atenda aos critérios ora fixados.
2. Ressalte-se, em primeiro lugar, que...
Data do Julgamento
:
17/09/2018
Data da Publicação
:
24/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1495971
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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