TRF3 0009153-26.2004.4.03.6102 00091532620044036102
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO
E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA
PROPRIEDADE. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO EM
OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER EM ÁREA DE PROTEÇÃO EQUIVALENTE A 100
METROS.
Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recursos de apelação
interpostos pela União Federal e pelo IBAMA, contra sentença proferida pelo
r. Juízo da 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto, em Ação Civil Pública
na qual foi acolhida parcialmente a pretensão deduzida pelo Parquet,
para indeferir o pedido de demolição da construção existente no local e
determinar ao requerido: a) que se abstenha de realizar novas edificações,
corte, exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de
realizar qualquer outra ação antrópica na APP, nos 100 metros, medidos da
borda da calha do leito regular do Rio Mogi-Guaçu, e/ou de nela promover
ou permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente;
b) que recupere e recomponha a cobertura florestal na área consolidada
em APP do imóvel, mediante o plantio, racional e tecnicamente orientado,
de essências nativas, respeitada a biodiversidade local, intercaladas,
eventualmente, com exóticas, em até 50% da área total a ser recomposta, com
acompanhamento e tratos culturais até o estado do clímax; c) que providencie
a recomposição da faixa marginal em 5 metros, contados da borda da calha
do leito regular do rio (por se tratar de imóvel rural com área inferior a
um módulo fiscal); d) que construa fossa séptica, no mínimo a 15 metros
contados da margem regular do rio, conforme recomendações técnicas,
dentro de 60 dias da intimação, sob pena de multa diária de R$ 100,00;
e) que adira ao Programa de Recuperação Ambiental com o cadastramento do
imóvel no Cadastro Ambiental Rural. Entrementes, previu a possibilidade de
intervenção na propriedade para execução específica e o acompanhamento
do processo de recomposição/recuperação da área pelo IBAMA.
- Ressalto, de imediato, que, com relação à prescrição, dada a natureza
jurídica do meio ambiente, bem como o seu caráter de essencialidade,
as ações coletivas destinadas à sua tutela são imprescritíveis (STJ,
RESP nº 1120117, Relatora Eliana Calmon, 2ª Turma, DJE de 19/11/2009).
- O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o
agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de
responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para
assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público,
entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação.
- A Constituição Federal recepcionou a proteção anteriormente existente
na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei
nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. A Lei nº 7.803,
editada em 18 de julho de 1989, incluiu um parágrafo único ao art. 2º
do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos
como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº
7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados
nos planos diretores municipais. Ainda que irregularidades apontadas pelo
Ministério Público ficassem caracterizadas nos termos da antiga redação
do Código Florestal (Lei 4.771/65, com as alterações da Lei 7.803/89),
é certo que o advento do novo Código Florestal (Lei 12.651/12) não alterou
substancialmente a matéria.
- Nos termos do art. 2º, "a", item 5, da L. 4.771/1965, e arts. 3º e 4º,
I, "c", da L. 12.651/2012, constituem Área de Preservação Permanente as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios
ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto, em faixa marginal,
cuja largura mínima será de 100 (quinhentos) metros para os cursos d'água
que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura.
- Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva,
ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação
da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização
encontra fundamento nos artigos 4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº
6.938/81.
- Quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se
que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências
negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório
à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. O
simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange
à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para
caracterizar o nexo causal.
- A Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua
função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala
que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º,
da Lei 10.406/02).
- Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é
observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente,
e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área
protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente,
construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa
descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o
dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição
do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração
natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da
função sócio ambiental daquela propriedade.
- A controvérsia diz respeito em verificar se os apelados são possuidores
de imóvel, situado na margem do Rio Mogi Guaçu, consistente em lote no qual
houve edificações irregulares, dentro de área de preservação permanente,
sem licença ou aprovação dos órgãos estatais competentes, que interferem
e impedem a regeneração natural da flora e fauna. Após análise do
conjunto probatório, não há dúvidas da existência de edificações às
margens do Rio Mogi Guaçu, dentro da área de preservação permanente e,
consequentemente, da ofensa ao meio ambiente.
- Em que pese a constitucionalidade do art. 61-A, da Lei Federal nº
12.651/2012, este só se aplica a imóveis rurais devidamente inscritos no CAR
e com uso agrossilvipastoril, de ecoturismo e de turismo rural consolidados,
o que não é o caso dos autos (STJ, AIRESP nº 1495757, Relator Francisco
Falcão, 2ª Turma, DJE de 12/03/2018 - STJ, AIRESP nº 1419098, Relator
Assusete Magalhães, 2ª Turma, DJE de 21/05/2018).
- Tendo em vista que as edificações em questão promovem a supressão da
vegetação local, impedem a recomposição ambiental e estão localizadas
em área de preservação permanente, os apelados devem ser compelidos a
demoli-las/removê-las.
- Não há que se falar em construção de fossa séptica no local.
- Com relação à indenização, considerando as várias obrigações a que
foram os réus condenados, cujas despesas correrão sob suas responsabilidades,
deixo de fixá-la.
- A alegação do IBAMA de que não cabe a ele acompanhar o processo de
recomposição e de recuperação não merece prosperar, haja vista tratar-se
de competência do órgão estadual. A competência do estado membro não
exclui a competência comum de outros órgãos e entidades da União de
realizar a fiscalização dos empreendimentos causadores de danos ambientais,
devendo existir a cooperação entre os entes com vistas à proteção do
meio ambiente.
- Remessa oficial e apelações parcialmente providas para afastar a
ocorrência da prescrição relativa à indenização pelo dano ambiental
e condenar os réus: a) ao cumprimento da obrigação de não fazer
consistente em abster-se de ocupar e explorar as áreas de várzea e de
preservação permanente do imóvel onde está situado, e/ou nelas promover
ou permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente;
b) ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em demolir a área
construída nas áreas de várzea e de preservação permanente de 100
(cem) metros, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais,
providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo
órgão ambiental, no prazo de 30 dias; c) ao cumprimento da obrigação de
fazer consistentes em recuperar as áreas de várzea e recompor a cobertura
florestal da área de preservação permanente do imóvel onde está situado
o imóvel, no prazo de 6 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente
orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e
tratos culturais, pelo período mínimo de 2 (dois) anos, em conformidade com
projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo órgão ambiental competente,
marcando-se para apresentação do projeto junto àquele órgão o prazo de
90 (noventa) dias após a intimação, elaborado por profissional habilitado
por órgão ambiental competente, em que constem as etapas da obrigação
e os respectivos prazos de execução, que não deverá exceder 120 (cento
e vinte) dias após a ordem de execução; e d) excluir da condenação a
obrigação da construção de uma fossa séptica.
Ementa
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO
E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA
PROPRIEDADE. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO EM
OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER EM ÁREA DE PROTEÇÃO EQUIVALENTE A 100
METROS.
Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recursos de apelação
interpostos pela União Federal e pelo IBAMA, contra sentença proferida pelo
r. Juízo da 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto, em Ação Civil Pública
na qual foi acolhida parcialment...
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
10/04/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1628963
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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