TRF3 0006151-80.2011.4.03.6109 00061518020114036109
PROCESSUAL CIVIL. ART 1.013, CPC
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE
ABSOLUTA E TEMPORÁRIA CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL. PRINCÍPIO DO LIVRE
CONVENCIMENTO MOTIVADO. ART. 479, CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. ART. 375,
CPC. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. QUALIDADE
DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. AUXÍLIO-DOENÇA
DEVIDO. DIB. DATA DA APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA
576 DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL
À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DESTA
CORTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 21
DO CPC/1973. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ENTRE AS
PARTES. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO
JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - De início, ressalta-se que o recurso cinge-se apenas aos pedidos de
aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, não discorrendo sobre
a pretensão indenizatória. Portanto, somente aquelas matérias serão
analisadas por esta Egrégia Turma, em observância ao princípio do "tantum
devolutum quantum apellatum", consubstanciado no art. 515 do CPC/1973, e, por
sua vez, também reproduzido pelo atual diploma processual em seu art. 1.013.
2 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista
no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da
Constituição Federal.
3 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício
previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que
tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições
mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz
e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que
tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente
inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze)
dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre
que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência,
será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o
benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60
da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
6 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício
nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença
profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, bem
como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social
- RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do
mesmo diploma legislativo.
7 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar
no Regime, não impede o deferimento do benefício se tiver decorrido a
inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
8 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se
do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher
as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a
Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual
pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por
mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei.
9 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6
(seis) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência
Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de
auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91,
incluído pela Lei 13.457, de 2017).
10 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo
Juízo a quo, com base em exame pericial realizado em 29 de outubro de 2012
(fls. 90/94), diagnosticou o autor como portador de "ambliopia por anopsia
(CID 10 - H53.0)" e "cegueira em um olho (CID - H54.4)". Consignou que,
"como não tem noção de profundidade e visão binocular, está sujeito a
acidentes neste tipo de trabalho que exerce, colocando sua vida e a de outros
em risco. Deve se afastar deste tipo de atividade laborativa (pedreiro)
definitivamente". Ponderou, no entanto, que "pode exercer atividades onde
não seja necessária a acuidade binocular, onde não precise de noção de
profundidade. Pode trabalhar em almoxarifado, telemarketing, telefonista
e demais serviços que não exijam visão nos dois olhos" (sic). Por fim,
não soube precisar a data do início da incapacidade.
11 - O juiz não está integralmente adstrito ao laudo pericial, nos
termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do
princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o destinatário
das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe
Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves
Lima, DJE. 12/11/2010.
12 - Depreende-se do laudo pericial que o autor possui impedimento definitivo
para sua atividade profissional habitual, isto é, de "pedreiro", mas poderá
exercer outra profissão. Frise-se que o art. 59 da Lei 8.213/91 prescreve,
expressamente, que "o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo
cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei,
ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos".
13 - Por outro lado, o expert deixa de fixar a data do início da incapacidade,
a qual já se fazia presente ao menos desde 11/04/2011, data de atestado
médico acostado à fl. 26.
14 - A despeito de se tratar de documento unilateral, se afigura pouco crível,
à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que ordinariamente
acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que profissional médica vinculada a órgão público de saúde,
a qual atende várias pessoas diariamente e não é remunerado diretamente
por estas, possa elaborar atestado dotado de parcialidade.
15 - Assim sendo, haja vista o teor do atestado, efetivado por médica
oftalmologista vinculada ao INSTITUTO DE OLHOS DE AMERICANA/SP - SUS, de
que o demandante "era portador de déficit visual irreversível em olho OE",
em 11/04/2011, adota-se tal data como DII.
16 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais -
CNIS, as quais seguem anexas aos autos, dão conta que o requerente manteve
vínculo empregatício junto à ELEVADA COMERCIAL E CONSTRUTORA LTDA, entre
03/11/2009 e 31/10/2013.
17 - Em suma, tendo em vista que o surgimento da incapacidade definitiva
para sua atividade profissional habitual se deu quando era segurado da
Previdência Social, e já havia cumprido com o período de carência, de
rigor a concessão de benefício de auxílio-doença ao autor, nos exatos
termos do art. 59 da Lei 8.213/91.
18 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só
tem vez quando o segurado for tido por incapacitado total e definitivamente
para o exercício da sua ocupação habitual, mas não para o trabalho que
lhe permita o sustento, quando então, após a constatação, haverá a
obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação
profissional, nos exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa
senda, uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória,
o benefício de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo
convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria por invalidez,
sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do
segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por
parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº
8.213/91. Bem por isso, descabe cogitar-se da impossibilidade de cessação
do benefício, sem a realização de procedimento reabilitatório, caso a
perícia administrativa constate o restabelecimento da capacidade laboral
para o trabalho habitual, uma vez que esse dever decorre de imposição de
Lei. Eventual alegação de agravamento
19 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na
jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo,
se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (Súmula 576 do
STJ). Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em
16/05/2011 (NB: 546.159.556-8 - fl. 22), de rigor a fixação da DIB em tal
data.
20 - O fato de o demandante ter trabalhado após o surgimento do impedimento
e até após a fixação da DIB, não permite o desconto dos valores dos
atrasados correspondentes ao período laboral, nem infirma a conclusão do
laudo pericial acima adotada.
21 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente
para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de
trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais
habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como
não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após
a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na
necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o
segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio
são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição
de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador
no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
22 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se
vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia
previdenciária de lhe conceder o benefício, por considerar ausente algum
dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto
não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa
não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de
agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o
próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento
ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do
ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo
indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina,
transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma
entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial
daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional
para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim
e teve de suportar o calvário processual.
23 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade
de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir
a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício
devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado
informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do
trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal,
o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime. Neste sentido já decidiu esta Corte: AC 0036499-51.2011.4.03.9999,
10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3
Judicial 1 DATA:15/02/2013; AR 0019784-55.2011.4.03.0000, 3ª Seção,
Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, 3ª Seção, j. 13/10/2011, e-DJF3 Judicial
1 DATA:18/11/2013.
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
vigente quando da elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes
do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral
(Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos prospectivos.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
26 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ver reconhecido o seu direito
a benefício por incapacidade. Por outro lado, frustrada a pretensão
relativa à indenização por danos morais. Desta feita, ficam os honorários
advocatícios compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca
(art. 21 do CPC/1973), sem condenação de qualquer delas no reembolso
das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da
justiça gratuita e o INSS delas isento.
27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada
procedente. Tutela específica concedida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ART 1.013, CPC
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE
ABSOLUTA E TEMPORÁRIA CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL. PRINCÍPIO DO LIVRE
CONVENCIMENTO MOTIVADO. ART. 479, CPC. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. ART. 375,
CPC. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. QUALIDADE
DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. AUXÍLIO-DOENÇA
DEVIDO. DIB. DATA DA APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA
576 DO STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITU...
Data do Julgamento
:
11/02/2019
Data da Publicação
:
21/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1920573
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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