TRF5 0000410-70.2012.4.05.8501 00004107020124058501
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROVEITAMENTO INDEVIDO DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 11, DA LEI Nº 8.429/92. DOLO GENÉRICO VERIFICADO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, DA LEI Nº 8.429/92. INEXISTÊNCIA DE
PREJUÍZO AO ERÁRIO. MULTA. REDUÇÃO.
1. Apelações interpostas por ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA; Antônio Galvão dos Santos (responsável legal da empresa); Fernando Lima Costa (prefeito do Município de Nossa Senhora das Dores/SE) e pelo MPF contra a sentença que julgou parcialmente
procedente a Ação de Improbidade Administrativa, vislumbrando a ocorrência de descumprimento dos princípios fundamentais da Administração Pública (art. 11, caput e I, da Lei n° 8.429/92), julgando-a improcedente no tocante à prática de ato que causa
lesão ao erário.
2. ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA e Antônio Galvão dos Santos alegam em seu apelo: a) que é necessária a apreciação do agravo retido interposto contra o despacho que rejeitou o pedido de produção de prova pericial contábil, requerida para aferir emprego
de sobrepreço; b) que o Contrato de Repasse "serviu ao financiamento do Contrato de Empreitada, permitindo, assim a conclusão das obras licitadas e contratadas", pois estavam suspensas desde 2004 - isto é, o termo aditivo não disciplinava nova
empreitada, mas sim a continuação das obras que já estavam em andamento, nos moldes do art. 65, da Lei n° 8.666/93; c) que o objeto do Contrato de Empreitada não era genérico, pois previa a melhoria da infraestrutura urbana e a construção de casas
populares; d) que diversas testemunhas atestam a especificidade do objeto contratual e a escassez de recursos; e) que a realização de nova licitação afrontaria a situação de vantagem econômica obtida pelo Município com a contratação original; f) que
inexiste nos autos comprovação de má fé, dolo ou culpa, indispensáveis à caracterização da responsabilidade subjetiva; g) que os serviços contratados foram integralmente executados e concluídos com dispêndio financeiro inferior ao previsto; h) que não
restou demonstrado dano ao erário, tampouco obtenção de vantagem ilícita, de modo que não há se falar em ato de improbidade, mas sim de meras irregularidades formais.
3. Apelante Fernando Lima Costa aduz: a) que não há que se falar em sobrepreço da planilha vencedora, eis que amparada nas orientações da CGU e aprovada pela CEF quando da autorização do pagamento do terreno; b) que, na condição de Chefe do Executivo
municipal, o apelante não possuía domínio do fato e que trata-se, na realidade, de "inabilidade ou despreparo para administrar o Município, sendo natural a ocorrência de alguns deslizes"; c) que a responsabilidade em casos como o presente é subjetiva,
entretanto não existe demonstração do elemento subjetivo; d) que deve ser declarada nula a decisão vergastada, por ausência de fundamentação.
4. Em seu recurso, o MPF sustenta , em síntese, que é flagrante a ocorrência de dano ao erário, sobretudo levando em consideração a precificação exorbitante identificada (R$ 49.537,11 - valor atualizado até maio/2010), de modo que deve ser reformada a
sentença para reconhecer a prática de atos ímprobos resultantes em prejuízo ao erário.
5. Rejeitada a arguição de nulidade da sentença por suposta ausência de fundamentação legal, eis que da simples leitura da decisão combatida constatam-se facilmente os dispositivos legais e a jurisprudência nas quais se baseou a magistrada para decidir
a lide.
6. Inicial acusatória narra que:
i) em 2002, a empresa ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA se sagrou vencedora de licitação (modalidade "Concorrência") para prestação de serviços de revitalização e melhoria em unidades habitacionais locais e em obras do município em geral (pavimentação;
micro e macro drenagem);
ii) em 2006, o município firmou Contrato de Repasse com o Ministério das Cidades (intermediado pela CEF) no valor de R$2.423.764,41, para a construção de 70 casas populares e, ao invés de proceder à deflagração de procedimento licitatório próprio - a
gestão municipal celebrou Termo Aditivo com a empresa ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, para que executasse o objeto do Contrato de Repasse (construção de 70 casas populares), aproveitando-se indevidamente da licitação aberta em 2002. Relata-se que a CGU
verificou que alguns itens da proposta da contratada haviam sido apresentados em sobrepreço (importe total de R$ 49.537,11 - valor atualizado até maio/2010), de acordo com comparações realizadas com a tabela SINAPI.
7. O caso dos autos não se enquadra nas hipóteses legais de dispensa e inexigibilidade (arts. 24 e 25, da lei 8.66/93). Portanto, a regra a ser observada seria a realização de novo processo licitatório a fim de atender aos princípios da eficiência e
isonomia. Todavia, o gestor municipal aproveitou licitação anterior cujo objeto, mais genérico dentre outros elementos, previa a construção de casas populares para fins do objeto do Contrato de Repasse.
8. O aproveitamento de licitação pretérita é admitido excepcionalmente quando o ente federativo tenha iniciado as obras com recursos próprios (com projeto básico adequado), mas, em decorrência de alguma eventualidade, teve suprimida sua capacidade de
aportar recursos, vislumbrando na União a possibilidade de concretização do projeto paralisado.
9. In casu, restou apurado que o objeto do contrato referente à licitação realizada em 2002, devido a sua generalidade, compreende uma gama infindável de obras públicas e transformou-se em um artifício para burlar o comando normativo que impõe, como
regra, a obrigação de licitar, no tocante ao contrato de repasse para a construção de casas populares de nº 192.781-88/2006. Tanto é verdade que os réus (principalmente o gestor público) em sua defesa alegaram a legalidade do procedimento com base no
objeto do contrato e em um parecer jurídico lacônico.
10. Não se amolda na hipótese excepcional de admissibilidade de aproveitamento de licitação pretérita, eis que embora o contrato tenha previsto a utilização de recursos próprios na concretização do objeto do contrato, observa-se que foram utilizados
apenas recursos provenientes de transferência voluntária da União (Contratos de Repasse n° 140.867-25/2002, 140.868-39/2002 e 192.81-88/2006).
11. Em que pesem os depoimentos testemunhais atestando a escassez de recursos, restou apurado que foram utilizados apenas recursos provenientes de transferência voluntária da União, de modo que o caso não se amolda à hipótese de aproveitamento de
licitação excepcionalmente admitida pelo ordenamento - aplicável quando o ente contratante vinha financiando o objeto contratado, mas teve suprimida sua capacidade de aportar recursos. Ademais, a afirmação de que o aproveitamento de licitação pretérita
teria como objetivo evitar custos com nova mobilização não pode ser utilizada como fundamento para reciclar certame anteriormente realizado, pois se estaria abrindo um precedente para a não realização de licitação em casos semelhantes.
12. De acordo com o art. 36, da Portaria Interministerial da CGU/MF/MP nº 507/2011, poderá ser aceita licitação realizada antes da assinatura do convênio, desde que o objeto da licitação guarde compatibilidade com o objeto do convênio, caracterizado no
Plano de Trabalho, sendo vedada a utilização de objetos genéricos ou indefinidos. Destarte, existe clara ressalva quanto à possibilidade de aproveitamento de licitação pretérita quando identificada a utilização de objetos genéricos, como é o caso sob
análise.
13. O STJ adota majoritariamente o entendimento de que para a punição do agente pela prática da conduta descrita no art. 11, da Lei nº 8.429/92 não se afigura necessária a comprovação de enriquecimento ilícito do administrador público ou do prejuízo ao
Erário. Basta, portanto, a demonstração de dolo, sendo esse elemento subjetivo apurado pela manifesta vontade de realizar conduta em contrariedade aos deveres de honestidade e legalidade e sem a observância aos princípios da moralidade administrativa e
da impessoalidade. Isto é, faz-se necessário que o agente tenha agido com dolo (elemento subjetivo da conduta), não havendo previsão de sua responsabilidade a título de culpa. Todavia, não se reclama dolo específico, bastando que se vislumbre o dolo
genérico.
14. "O elemento subjetivo necessário à configuração de improbidade administrativa previsto pelo art. 11 da Lei 8.429/1992 é o dolo eventual ou genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a
presença de intenção específica, pois a atuação deliberada em desrespeito às normas legais, cujo desconhecimento é inescusável, evidencia a presença do dolo." (Precedentes: AgRg no AREsp 8.937/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe
02/02/2012; AGARESP 201102610495, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/10/2012)
15. No caso sob exame, verifica-se que o elemento subjetivo restou bem demonstrado, sendo evidente na espécie o menosprezo à lei por parte dos acusados, que ignoraram os comandos legais e procederam ao aproveitamento indevido de licitação. Os agentes
detinham pleno conhecimento dos procedimentos exigidos em lei, entretanto, deixaram de cumpri-los invocando a celeridade da execução das obras.
16. Alegação de ausência de domínio do fato (suscitada pelo prefeito) que se rechaça, pois na qualidade de gestor municipal, seu conhecimento e poder de ingerência na contratação de empreitada de tamanha monta ("obras de infraestrutura e construção de
70 casas populares", dentre outras previsões) são irrefutáveis.
17. De acordo com o entendimento sedimentado no STJ, para a configuração dos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/1992), é indispensável a comprovação de efetivo prejuízo aos cofres públicos.
18. Não há nos autos comprovação de prejuízo ao erário, eis que a tabela SINAPI apresenta meros indicativos de preços a fim de se obter uma estimativa do custo de uma obra, fornecendo apenas um parâmetro dos preços de mercado. Conforme apontado pelo
Parquet em seu Parecer, a própria CEF fez uma ressalva quanto aos valores constantes da tabela, pois não estavam incluídas previsões de outras despesas eventualmente necessárias (projetos em geral; licenças; seguros; financiamentos, dentre outras).
Ademais, a CEF forneceu relatório conclusivo no sentido de que existe compatibilidade entre o objeto executado e o preço previsto. Com efeito, a ausência de demonstração de dano ao erário na hipótese é impeditiva da capitulação e consequente sanção pela
violação ao art. 10, da Lei n° 8.429/92.
19. A despeito de os réus terem sido, de forma escorreita, condenados nas sanções do art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, o patamar em que restou fixada a multa civil mostrou-se, in casu, desproporcional e irrazoável, razão pela qual deve ser reduzida de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
20. Agravo retido cujo objeto resta prejudicado, tendo em vista que o pedido de condenação por dano ao erário (com base na adoção de sobrepreço) foi julgado improcedente, não havendo que se falar em necessidade de realização de perícia contábil.
21. Apelações interpostas por Fernando Lima Costa, Andrade Galvão Engenharia LTDA. e Antônio Galvão dos Santos parcialmente providas, para reduzir a multa imposta de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Apelação do MPF
desprovida. Agravo retido prejudicado.
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROVEITAMENTO INDEVIDO DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 11, DA LEI Nº 8.429/92. DOLO GENÉRICO VERIFICADO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, DA LEI Nº 8.429/92. INEXISTÊNCIA DE
PREJUÍZO AO ERÁRIO. MULTA. REDUÇÃO.
1. Apelações interpostas por ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA; Antônio Galvão dos Santos (responsável legal da empresa); Fernando Lima Costa (prefeito do Município de Nossa Senhora das Dores/SE) e pelo MPF contra a sentença que julgou parcialmente
procedente a Ação de Improbidade Administrativa, vislumbrando a ocorrê...
Data do Julgamento
:
28/07/2016
Data da Publicação
:
26/08/2016
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 575645
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
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