TRF3 0013602-61.2008.4.03.6110 00136026120084036110
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AQUISIÇÃO DE UNIDADE MÓVEL DE
SÁUDE. MUNICÍPIO DE ITU. LICITAÇÃO FRAUDADA E DIRECIONADA. "MÁFIA DOS
SANGUESSUGAS". PRESCRIÇÃO. MATERIALIDADE E SUBJETIVIDADE. PENALIDADES
APLICADAS. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. Caso em que ajuizada, pelo Ministério Público Federal, ação civil
pública de improbidade administrativa contra o então Prefeito e membros da
Comissão Permanente de Licitação do Município de Itu/SP, para apuração
de irregularidades na aquisição de uma unidade móvel de saúde, através
de grupo organizado, que ficou conhecido como "Máfia dos Sanguessugas".
2. Rejeitado o requerimento de desentranhamento da auditoria realizada
pela DENASUS, pois a natureza do procedimento, por óbvio, não permite a
efetivação do contraditório simultâneo à própria realização. Ademais,
instruindo a petição inicial, o documento foi submetido ao crivo do
contraditório e ampla defesa judiciais, sob os quais o apelante não logrou
desconstituir as constatações apuradas.
3. Relevante, na espécie, não é a data em que a licitação se tornou
conhecida, mas sim a data em que a fraude licitatória praticada se tornou
conhecida, o que, especificamente em relação ao Município de Itu,
ocorreu em 2006, com a atuação fiscalizadora da CGU. Assim, tendo sido
a ação proposta em 16/10/2008, não há falar-se em decurso do prazo
prescricional. Ainda que assim não fosse, como bem observou a sentença,
os próprios réus sustentaram, em alegações finais, que suas funções
na comissão de licitação cessaram somente em 31/12/2004, com o término
daquela legislatura municipal, inexistindo, assim, prescrição para o
ajuizamento da presente ação.
4. Conforme jurisprudência pacífica da Corte Superior, não se cogita
de prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa,
por ausência de previsão no artigo 23 da Lei 8.429/1992.
5. Restou comprovado nos autos que, conforme modus operandi já confessado
em outro procedimento, o referido grupo organizado atuou, desde a origem,
na licitação promovida através do Convite 02/2003 do Município de Itu,
já que a liberação das verbas federais foi solicitada diretamente por
parlamentar relacionado nas apurações encetadas, seguindo-se o certame pela
modalidade mais restritiva, da qual participaram apenas empresas também
integrantes da organização, em flagrante violação aos mais comezinhos
princípios da licitação, como os da legalidade, isonomia, impessoalidade
e ampla competividade.
6. A verba decorrente da emenda parlamentar e o respectivo empenho foram
solicitados diretamente pelo Deputado Federal ao Ministério da Saúde,
com documentos assinados pelo Prefeito, que, somente depois disso, alterou
a composição da Comissão Permanente de Licitação do Município,
que recebeu ordens direta do Chefe de Gabinete do Prefeito acerca de quais
empresas deveriam ser convidadas para o referido certame, cujo objeto restou
adjudicado à empresa integrante do esquema, base em "parecer jurídico
exarado pela Secretaria Municipal de Justiça" jamais apresentado.
7. Os membros da Comissão de Licitação do Convite 02/2003 do Município de
Itu, eram funcionários públicos municipais, que trabalhavam, à época, no
Setor de Compras do Município, donde se conclui que detinham o conhecimento
necessário para o desempenho da função a que designados.
8. A requisição de material que deu origem à licitação em questão, teve
respaldo em "documento manuscrito [no qual] não consta data nem assinaturas
do requisitante e do Secretário Municipal de Saúde". O edital do Convite
02/2003 foi direcionado especificamente às empresas integrantes do grupo
organizado, sem prova de sua afixação em local público, contrariando
a regra do artigo 22, § 3º, da Lei 8.666/1993. A Comissão Licitante de
Itu, Município do Estado de São Paulo, convidou para o referido certame
empresas sediadas nos Estados do Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e
Mato Grosso, sem demonstração de qualquer pesquisa acerca da existência
de empresa com objeto social assemelhado na própria praça da licitação,
para observância do artigo 22, § 6º, da Lei 8.666/1993. Também não
houve comprovação da realização de qualquer pesquisa de preço do
bem licitado, valendo considerar que, apesar de aprovada a liberação
do repasse pelo Ministério da Saúde e firmado o respectivo convênio
para aquisição do objeto pelo delimitado valor total de R$ 57.600,00,
a Comissão de Licitação, sem qualquer justificativa, aceitou e processou
as propostas apresentadas, todas de R$ 70 mil ou mais. Ainda, ignoraram os
membros da Comissão de Licitação que duas das propostas apresentadas
sequer indicaram o ano de fabricação/modelo do veículo licitado - que
segundo o instrumento convocatório não poderia ser inferior a 1996 -,
limitando-se a reproduzir o modelo de proposta comercial anexa ao edital,
com acréscimo tão somente da marca e do valor do bem. Apesar de constar
do edital as condições de pagamento do objeto licitado ("verba do Governo
Federal contra-apresentação, e contrapartida da Prefeitura após 50 dias da
entrega" - item 3.3.4, f. 1.752 do apenso), a empresa vencedora apresentou
proposta, da qual constou o pagamento dos exatos R$ 48 mil na entrega do
veículo, revelando seu prévio conhecimento acerca do repasse federal. A
despeito de tudo isso, os membros da Comissão de Licitação prosseguiram
no exame das propostas, declarando a vencedora do certame, o que redundou
na adjudicação do objeto licitado a tal empresa.
9. Restou configurado o manifesto desprezo a princípios e regras legais,
bem como a diversas inadequações do procedimento licitatório, permitindo
concluir pela atuação consciente dos apelantes, com vistas a garantir, desde
o início, a realização de um certame voltado a beneficiar exclusivamente os
integrantes da "Máfia dos Sanguessugas". A propósito, o dolo dos apelantes
já restou reconhecido em sentença penal condenatória pelos mesmos fatos,
pendente de trânsito em julgado (Ação Penal 0014432-27.2008.4.03.6110).
10. Como se tratam de atos ímprobos descritos nos artigos 10 e 11 da
Lei 8.429/1992, não se perquire de auferimento de vantagem pessoal pelos
apelantes. Já o enriquecimento ilícito da empresa vencedora do certame
é incontestável, assim como das demais pessoas físicas e jurídicas
integrantes do grupo, conforme confessado, em depoimento, pelo próprio
mentor do esquema, ao descrever o modus operandi da organização.
11. Em se tratando de valores públicos despendidos em razão de licitação
fraudulenta e, portanto, nula, o prejuízo ao erário é evidente. Ademais,
o edital do certame previu a entrega imediata do bem (item 3.3.6), a
adjudicação do objeto licitado ocorreu em 31/01/2003, o repasse federal
foi feito somente em 03/06/2003, e a entrega do veículo ocorreu somente em
agosto/2003, em desacordo com a descrição do edital, no entanto, ensejando
substituição em janeiro/2004. Todavia, em verificação in loco, realizada
em 08/03/2004, a Divisão de Convênios e Gestão, do Ministério da Saúde
em São Paulo, apurou que até aquela data o veículo ainda não estava em
uso, em nítido prejuízo da população, o que foi confirmado também pela
testemunha Janaina Lemos de Oliveira, ouvida em 21/09/2012, que afirmou que,
em razão de problemas mecânicos, o veículo ficou parado, abandonado no
prédio da Prefeitura.
12. A existência do dano ao erário é inquestionável e resultante
do fato de ter sido fraudada a licitação, permitindo combinação de
preços e seleção da proposta vencedora pelos próprios interessados
dentro do esquema de dirigismo licitatório. O valor de tal dano equivale
ao indevidamente desembolsado, pois a fraude na disputa licitatória torna
nula a aquisição e o dispêndio patrimonial, cujo valor haveria, assim,
de ser devolvido à Administração, municipal como federal, além do que
a própria necessidade e utilidade do bem restaram descaracterizadas, seja
em razão dos vícios e defeitos do objeto licitado que, não obstante,
foi aceito pela Administração, prejudicando a sua própria utilização,
tanto que, logo depois, foi abandono, por falta de condições de uso,
conforme apurado por depoimento judicial, o que permite, facilmente,
apurar o montante do dano produzido ao erário, não se tratando, pois,
de prejuízo de "insignificante monta", pois qualquer que seja a lesão
produzida o ressarcimento deve ser integralmente assegurado em favor da
Administração e da coletividade. Quanto à multa civil, foi fixada, de
forma ponderada e justificada, em valor equivalente ao dano ao erário,
de sorte a garantir tanto o caráter punitivo, como preventivo da sanção,
dada a gravidade da conduta perpetrada pelos agentes públicos no exercício
da função, malversando recursos públicos de tal natureza.
13. A gravidade da conduta, materializada por simulação de processo
licitatório, forjando concorrência inexistente, para locupletar e favorecer
grupo organização, com atuação em todo o país, mediante desvio de verbas
públicas destinadas à saúde, que atende à população mais carente e
gravemente exposta a riscos sociais, autoriza, ademais, a aplicação das
demais sanções, na forma como foram impostas e, inclusive, cumulativamente,
de acordo com a consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
14. Apelações desprovidas.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AQUISIÇÃO DE UNIDADE MÓVEL DE
SÁUDE. MUNICÍPIO DE ITU. LICITAÇÃO FRAUDADA E DIRECIONADA. "MÁFIA DOS
SANGUESSUGAS". PRESCRIÇÃO. MATERIALIDADE E SUBJETIVIDADE. PENALIDADES
APLICADAS. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. Caso em que ajuizada, pelo Ministério Público Federal, ação civil
pública de improbidade administrativa contra o então Prefeito e membros da
Comissão Permanente de Licitação do Município de Itu/SP, para apuração
de irregularidades na aquisição de uma unidade móvel de saúde, através
de grupo organizado,...
Data do Julgamento
:
18/02/2016
Data da Publicação
:
25/02/2016
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2097555
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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