TRF3 0000984-22.2016.4.03.6137 00009842220164036137
APELAÇÕES CÍVEIS. TERCEIRO INTERESSADO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. ESBULHO PERPETRADO EM LOTE DE ASSENTAMENTO PARA FINS DE REFORMA
AGRÁRIA. LIMINAR CONCEDIDA. EXPEDIÇÃO DE MANDANDO DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA DO IMÓVEL. PRESENÇA DE NOVOS
OCUPANTES. MOVIMENTO SOCIAL. INEXISTÊNCIA DE POSSE DE BOA-FÉ DO
TERCEIRO INTERESSADO. PRESENÇA DE DEMAIS PESSOAS DO MOVIMENTO NA
OCUPAÇÃO. EQUIPARAÇÃO À OCUPAÇÃO COLETIVA PARA FINS DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO PAGAMENTO DE PERDAS
E DANOS. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) define reforma agrária como "o
conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra,
mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos
princípios de justiça social e ao aumento de produtividade".
2. Com efeito, a sua implementação tem como objetivo precípuo promover
a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o
desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio
e do latifúndio, através de um sistema de relações entre o homem,
a propriedade rural e o uso da terra (artigo 16 da mesma lei).
3. Para tal fim, a Constituição Federal, em seu artigo 184, autoriza
a desapropriação por interesse social da propriedade rural que não
esteja cumprindo a sua função social, ou seja, aquela que não atende
aos requisitos dispostos no artigo 186, incisos I a IV, da Carta Magna:
aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
4. O procedimento desta modalidade de desapropriação é dividido em três
fases. A primeira se dá por meio de decreto expropriatório do Presidente da
República, após a identificação do imóvel como improdutivo pelo INCRA; a
segunda ocorre na esfera judicial, quando a União, com fundamento no decreto
expropriatório e no prazo de até dois anos a partir de sua publicação,
propõe ação de desapropriação em face do proprietário do imóvel em
questão; e a terceira se refere à distribuição pelo INCRA das parcelas
da propriedade expropriada aos pretensos beneficiários da reforma agrária,
previamente cadastrados na autarquia.
5. Nesse contexto, a Lei nº 8.629/93, em consonância com o que prevê
a Constituição Federal (artigo 189), dispõe em seu artigo 18 que a
distribuição das parcelas do imóvel rural pode se dar por meio de títulos
de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso -
CDRU, inegociáveis pelo prazo de dez anos, sendo assegurado ao beneficiário
do contrato de concessão de uso o direito de adquirir, em definitivo,
o título de domínio da propriedade.
6. No tocante à qualidade de beneficiário da reforma agrária, o artigo 20
da Lei nº 8.629/93 dispõe sobre quem não pode ser selecionado para tal fim.
7. Outrossim, os beneficiários que obtiverem a posse do imóvel têm a
obrigação de cultivar a sua parcela direta e pessoalmente, ou através
de seu núcleo familiar, e de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer
título, pelo prazo de 10 (dez) anos (artigo 21 da mesma lei), sob pena de
rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao INCRA.
8. No caso dos autos, o lote nº 44 do Projeto de Assentamento Cafeeira,
criado pela Portaria INCRA/SR-08 nº 045/2007, foi originalmente destinado à
beneficiária Jaqueline Varjão Escolástico Pereira. Ocorre que, em vistoria
realizada pelo INCRA em 30/07/2013, foi constatado que o referido lote havia
sido abandonado e, posteriormente, ocupado pelos réus, sem a autorização
da autarquia. Os ocupantes foram notificados a desocupar o imóvel, mas,
não o fizeram.
9. No decorrer do presente feito, após o deferimento da liminar autorizando
a reintegração de posse ao INCRA, os réus desocuparam o imóvel de forma
voluntária.
10. Todavia, em diligência para apurar se os réus de fato haviam desocupado o
lote, o Oficial de Justiça certificou que existiam aproximadamente dez pessoas
do movimento Frente Nacional de Luta (FNL) ocupando o local, instaladas em
barracas, sendo informado pela líder do movimento que ocupantes do lote eram a
Sra. MARIA ROSA RODRIGUES DE FRANÇA e o seu marido MANOEL ANÍSIO DE FRANÇA.
11. Após a prolação da r. sentença, os réus não recorreram, porém,
a Sra. Maria Rosa Rodrigues de França, na qualidade de terceiro interessado,
interpôs recurso de apelação, requerendo a manutenção de sua posse. Alega
a apelante se tratar de posse de boa-fé, pois não tinha conhecimento da
situação do imóvel perante o INCRA, bem como que, desde 2009, está
cadastrada na autarquia como pretensa beneficiária, razão pela qual
necessita de mais tempo para buscar junto ao INCRA a sua efetivação no lote.
12. Entretanto, não prospera a alegação de posse de boa-fé. Isso porque a
apelante tinha pleno conhecimento de que se tratava de uma invasão perpetrada
pelo Movimento Frente Nacional de Luta (FNL), do qual é integrante, conforme
informado pelo Oficial de Justiça.
13. Ressalte-se, por oportuno, que a ausência de boa-fé em relação à
forma em que se deu a ocupação poderia ser superada ante à comprovação
inequívoca de que a apelante ostenta a qualidade de beneficiária da reforma
agrária, devidamente cadastrada no INCRA, situação na qual a manutenção
de sua posse estaria em consonância com os próprios objetivos da reforma
agrária, quais sejam, promover a justiça social, o progresso e o bem-estar
do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual
extinção do minifúndio e do latifúndio.
14. Ocorre que, embora a apelante afirme que está inscrita no INCRA desde
2009, não trouxe nenhuma comprovação de que a sua qualidade de pretensa
beneficiária foi deferida pela autarquia, tampouco de que tal condição
não se modificou desde então.
15. Por fim, a própria apelante assinalou em seu recurso que "não se
opõe a desocupar o lote, apenas requer mais tempo enquanto juntamente com a
diretoria do INCRA, acha uma solução quem sabe até mesmo ser autorizada
a permanecer no dito lote, já que está a tempos inscrita no programa de
reforma agrária junto aquele Instituto".
16. Assim, considerando que a presente apelação foi protocolada em junho
de 2017, bem como que há notícias nos autos de que em novembro de 2016
um representante do INCRA se reuniu com a liderança do movimento, em um
esforço conjunto para resolver a questão de forma administrativa, entendo
que a apelante teve tempo suficiente para pleitear a regularização de sua
ocupação perante a autarquia.
17. Desta feita, por todos os ângulos analisados, não restou comprovado o
direito da apelante de permanecer na posse do lote 44 do Projeto Assentamento
Cafeeira.
18. Noutro giro, o INCRA requer a condenação dos réus Suellen e Luiz
Augusto ao pagamento de indenização por perdas e danos, pela ocupação
de má-fé do lote em questão, nos termos do artigo 1216 do Código Civil
e do artigo 10, parágrafo único, da Lei nº 9636/98, desde a data da
notificação extrajudicial (19/12/2013) até a efetiva desocupação,
sob pena de configurar enriquecimento ilícito.
19. Todavia razão não lhe assiste, uma vez que não restou comprovada
nos autos que a posse dos réus era de má-fé. Com efeito, em sede de
Contestação, os réus afirmaram que são tios da beneficiária original,
bem como que já residiam com ela no lote, antes de sua saída, de modo
que sua ocupação não se deu por invasão, mas, apenas em continuidade à
situação preexistente, contando, inclusive, com o apoio da comunidade.
20. Ressalte-se que tais afirmações não foram refutadas pelas provas
apresentadas pelo INCRA, razão pela qual restou assinalado na r. sentença
que "por si só, o decurso de tempo ou o apoio comunitário à ocupação
ilegal não têm o condão de regularizar a posse indevida, ao alvedrio da
autorização do INCRA. Logo, deve ser verificada eventual possibilidade de
acordo com o INCRA. Contudo, tal acordo nos autos torna-se desnecessário,
tendo em vista que os réus já saíram do imóvel em questão".
21. Da mesma forma, não restou comprovado que os danos na propriedade foram
causados pelos réus, tendo em vista que outras pessoas também ocuparam o
lote.
22. Assim, não há que se falar em condenação dos réus ao pagamento de
qualquer indenização ao INCRA.
23. Por fim, considerando que, quando da diligência do Oficial de Justiça no
imóvel em questão, foi apurada a existência de, pelo menos, dez pessoas do
Movimento FNL - Frente Nacional de Luta ocupando o lote, acampadas em barracas
de lona, bem como de outras quarenta e duas famílias do mesmo movimento
acampadas nas proximidades, entendo que se trata de ocupação coletiva,
entende-se que a ocupação do lote, embora oficialmente efetuada somente
pela apelante e seu esposo, pode ser equiparada à ocupação coletiva,
para fins de reintegração de posse.
24. Desse modo, com o intuito de se resguardar os direitos fundamentais
dos ocupantes, mormente por se tratar de um casal idoso, e a segurança e
integridade física dos executores do mandado, deve cancelado o mandado de
reintegração de posse anteriormente expedido, para que a reintegração
se dê com observância dos termos do Manual de Diretrizes Nacionais para
Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse
Coletiva, no que for aplicável à situação dos autos.
25. Concedido à apelante e demais ocupantes do lote 44 (se houver) o
prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária do imóvel,
assegurando-lhes o direito de retirarem todos os seus bens.
26. Decorrido o referido prazo, sem cumprimento voluntário da decisão,
contado da juntada do mandado cumprido de desocupação, fica autorizada a
desocupação compulsória, com a expedição de mandado de reintegração
de posse em favor do INCRA, com observância das orientações do Manual de
Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção
e Reintegração de Posse Coletiva, constantes nesta decisão.
27. Apelação do INCRA a que se nega provimento. Apelação de Maria Rosa
Rodrigues de França a que se nega provimento.
Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. TERCEIRO INTERESSADO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. ESBULHO PERPETRADO EM LOTE DE ASSENTAMENTO PARA FINS DE REFORMA
AGRÁRIA. LIMINAR CONCEDIDA. EXPEDIÇÃO DE MANDANDO DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA DO IMÓVEL. PRESENÇA DE NOVOS
OCUPANTES. MOVIMENTO SOCIAL. INEXISTÊNCIA DE POSSE DE BOA-FÉ DO
TERCEIRO INTERESSADO. PRESENÇA DE DEMAIS PESSOAS DO MOVIMENTO NA
OCUPAÇÃO. EQUIPARAÇÃO À OCUPAÇÃO COLETIVA PARA FINS DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO PAGAMENTO DE PERDAS
E DANOS. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/6...
Data do Julgamento
:
12/02/2019
Data da Publicação
:
22/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2294576
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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