TRF3 0041377-19.2011.4.03.9999 00413771920114039999
PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA. COISA
JULGADA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA ANULADA. TEORIA DA CAUSA
MADURA. ARTS. 515, §3º, DO CPC/1973 (1.013, §3º, I, DO
CPC/2015). APLICABILIDADE. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. DESCUMPRIMENTO DA CARÊNCIA
LEGAL. INCAPACIDADE ABSOLUTA NÃO CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL. INTERPRETAÇÃO
A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA
NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA A QUE
SE DÁ PROVIMENTO. SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE DO MÉRITO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE
DA JUSTIÇA.
1 - A presente demanda foi proposta perante o Juízo Estadual, 2ª Vara Cível
da Comarca de Mococa/SP, registrada em 29/09/2009 e autuada sob o número
360.01.2009.005503-2 (fl. 02). Ocorre que a parte autora já havia ingressado
anteriormente com ação, visando o restabelecimento de auxílio-doença
ou concessão de aposentadoria por invalidez, cujo trâmite ocorreu na 1ª
Vara Federal de São João da Boa Vista/SP, número 2007.61.27.005150-4,
conforme o extrato de consulta processual de fls. 69/72.Insta especificar
que, nestes últimos autos mencionados, já foi proferida sentença de
improcedência, a qual transitou em julgado em 23/05/2013 (consulta ao
sítio eletrônico desta Corte Regional cuja tela encontra-se anexa a esta
decisão). Entretanto, no presente caso, depreende-se da petição inicial
que a requerente pleiteia a concessão dos benefícios de auxílio-doença
ou de aposentadoria por invalidez desde 03/09/2009 (NB: 537.157.991-1 -
fl. 19), ou seja, em período distinto daquele albergado pela coisa julgada
material formada no processo que tramitou na 1ª Vara Federal de São João
da Boa Vista/SP. Naqueles autos, de fato, a parte visava o restabelecimento
de auxílio-doença cessado em 11/11/2007 (NB: 560.534.036-7 - fl. 75).
2 - É relevante destacar que a coisa julgada constitui garantia fundamental
do cidadão no nosso Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no
artigo 5º, XXXVI, da Carta da República, e origina-se da necessidade de ser
conferida segurança às relações jurídicas. Tal instituto tem a finalidade
de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente, impedir que a
lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.
3 - Todavia, as ações nas quais se postula os benefícios por incapacidade
caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto,
as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que
foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica,
que continua sujeita à variação de seus elementos. Isso ocorre porque estas
sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que,
modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a
coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota. Com
efeito, o próprio legislador estabeleceu a necessidade de perícias
periódicas tendo em vista que a incapacidade laborativa, por sua própria
essência, pode ser suscetível de alteração com o decurso do tempo.
4 - In casu, a parte autora juntou relatório médico posterior à sentença
proferida na Vara Federal de São João da Boa Vista/SP (fl. 24), o qual
descreve os males da qual é portadora, identificando suposta incapacidade
laborativa. Tais circunstâncias justificam, ao menos em tese, seu interesse de
provocar a via judicial para a satisfação da pretensão deduzida. Destarte,
como as provas que acompanham a petição inicial indicam suposto quadro
incapacitante da demandante, após 03/09/2009, não há falar em ocorrência
de coisa julgada material. Precedentes desta Corte Regional.
5 - É certo, ademais, que, em situações como a presente, na qual há
plena condição de ser julgada a demanda e, por se tratar inclusive de
demanda na qual já foi realizada toda a dilação probatória necessária
(perícia médica), demonstra-se cabível a aplicação da teoria da causa
madura, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC/1973 (1.013, §3º, I,
do CPC/2015). O Novo Código de Processo Civil, ressalta-se, expressamente
permite o julgamento do mérito em segunda instância quando a decisão de
extinção recorrida estiver fundada nas hipóteses do artigo 485 do novel
diploma, entre as quais, o reconhecimento de litispendência ou de coisa
julgada. É o caso dos autos.
6 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista
no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da
Constituição Federal.
7 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício
previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que
tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições
mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz
e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
8 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que
tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente
inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze)
dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
9 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre
que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência,
será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o
benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60
da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
10 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício
nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença
profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, bem
como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social
- RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do
mesmo diploma legislativo.
11 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar
no Regime, não impede o deferimento do benefício se tiver decorrido a
inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
12 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se
do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher
as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a
Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual
pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por
mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei.
13 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12
(doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência
Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de
auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91,
incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
14 - No caso dos autos, a autora não comprovou a qualidade de segurada junto
à Previdência Social, nem o cumprimento da carência legal, seja na data do
ajuizamento da demanda, em 29/09/2009 (fl. 02), seja na data do requerimento
administrativo, apresentado em 03/09/2009 (NB: 537.157.991-1 - fl. 19).
15 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais
- CNIS, as quais seguem em anexo, dão conta que a autora se manteve como
segurada da Previdência Social até 15/01/2009, haja vista que percebeu
benefício de auxílio-doença até 11/11/2007, o qual foi precedido de
diversos recolhimentos na condição de "empregada doméstica", vertidos
até 28/02/2007. Com efeito, nos termos do art. 13, II, do Decreto 3.048/99,
mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuição, até 12
(doze) meses após a cessação de benefício por incapacidade, o segurado
que deixar de exercer atividade abrangida pela Previdência Social, no caso,
a lide doméstica. Por sua vez, chega-se à data de 15/01/2009, como termo
final da filiação ao RGPS, observando-se o disposto no artigo 30, II,
da Lei 8.212/91 c/c artigo 14 do Decreto 3.048/99.
16 - Além da não comprovação da qualidade de segurada e do cumprimento
da carência legal, a requerente também não demonstra estar incapacitada
para o trabalho.
17 - O profissional médico indicado pelo Juízo, com base em exame pericial
de fls. 142/148, diagnosticou a parte autora como portadora de "diabetes
mellitus" e "depressão". Atesta que as moléstias estão controladas, além
do que o estado pós-operatório de hérnia discal na região lombar evoluiu
satisfatoriamente. Acresce que "o transtorno depressivo geralmente não leva
à incapacidade laborativa, a não ser em caso de situações críticas. A
eventual incapacidade laborativa está condicionada à adesão e a eficácia
do tratamento, a atividade exercida (riscos para si e para terceiros) e à
melhora dos sintomas. O uso continuado de medicamentos não é, por si só,
motivo para manutenção de afastamento laborativo. A maioria dos casos de
depressão leve e moderada são controlados em até 60 dias com tratamento
adequado. A diabetes mellitus sem complicação e o estado pós-operatório
de hérnia discal na região lombar não geram incapacidade. Não apresentou,
ao exame clínico, sinais que denotem incapacidade laborativa".
18 - Não reconhecida a incapacidade absoluta para o labor, requisito
indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez e de
auxílio-doença, como exigem os já citados artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91,
de rigor o indeferimento do pedido.
19 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479
do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge
à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer
do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos
produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo
se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no
caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a
valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª
Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013;
AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
20 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional
inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e
forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames
complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que
entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
21 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado
da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do
disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos
pelo §3º do art. 98 do CPC.
22 - Apelação da parte autora a que se dá provimento. Sentença
anulada. Análise do mérito. Ação julgada improcedente. Verbas de
sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA. COISA
JULGADA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA ANULADA. TEORIA DA CAUSA
MADURA. ARTS. 515, §3º, DO CPC/1973 (1.013, §3º, I, DO
CPC/2015). APLICABILIDADE. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. DESCUMPRIMENTO DA CARÊNCIA
LEGAL. INCAPACIDADE ABSOLUTA NÃO CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL. INTERPRETAÇÃO
A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA
NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONV...
Data do Julgamento
:
04/09/2017
Data da Publicação
:
18/09/2017
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1688476
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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