TRF3 0004717-22.2003.4.03.6114 00047172220034036114
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. LITISPENDÊNCIA. COISA JULGADA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. ATO CANCELATÓRIO DE ISENÇÃO. ARTIGO 195, § 7º DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INSTITUTO DA IMUNIDADE, NÃO OBSTANTE A REFERÊNCIA
À ISENÇÃO NO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OBJETIVO DO INSTITUTO. CONSECUÇÃO DE DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DE REQUISITOS FIXADOS
EM LEI. ARTIGO 55 DA LEI Nº 8.212/91. REDAÇÃO ORIGINÁRIA. ALTERAÇÃO
PELA LEI Nº 9.732/98, SUSPENSA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (LIMINAR NA
ADI Nº 2.028-5/99). LEI Nº 12.101/2009. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 55 DA LEI
Nº 8.212/91, BEM COMO DO ART. 1º DA LEI Nº 9.732/98. NÃO APLICAÇÃO
AO CASO VERTENTE. CANCELAMENTO DE ISENÇÃO PELO INSS NA VIGÊNCIA
DO CEBAS. POSSIBILIDADE. EXERCÍCIO DO PODER DE AUTOTUTELA DOS ATOS
ADMINISTRATIVOS. PROIBIÇÃO DE REMUNERAÇÃO DA DIRETORIA. NÃO ATENDIMENTO.
1. A debatida litispendência já foi afastada por este E. Tribunal nos
autos do agravo de instrumento nº 2003.03.00.070080-0, quando se reformou
decisão singular que havia indeferido parcialmente a petição inicial por
entender que um dos argumentos aduzidos pelo apelante nestes autos também
sustentaria sua pretensão no mandado de segurança nº 1999.61.14.002698-5.
2. Não se caracteriza a litispendência pelo só fato de um dos fundamentos
do pedido do autor neste feito corresponder àquele adotado para sustentar
pedido diverso, deduzido em outra ação. A litispendência só ocorre
quando se verifica a reprodução de ação ajuizada anteriormente e que
esteja em curso (art. 301, §§ 1º e 3º do CPC/1973), sendo necessário,
para a sua configuração, a existência de identidade de partes, de causa
de pedir próxima e remota e de pedido, mediato e imediato (art. 301, §
2º do CPC/1973).
3. No caso dos autos, não há que se falar em litispendência entre a presente
ação ordinária e o mandado de segurança nº 1999.61.14.002698-5, pois a
única identidade entre essas duas ações é quanto à autoria. No mais,
inexiste identidade em relação à parte passiva, à causa de pedir e ao
pedido. Naquele mandado de segurança o ora apelante buscou garantir o seu
direito líquido e certo de não ser compelido a atender às exigências da Lei
9.732/98 para usufruir a imunidade quanto ao recolhimento da contribuição,
enquanto na presente ação não discute a legitimidade da referida lei,
inclusive porque sua vigência e eficácia encontram-se suspensas por força
de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 2028-5,
mas sim pleiteia neste feito o reconhecimento de inexistência de relação
jurídica que autorize a cobrança da contribuição, voltando-se contra
o Ato Cancelatório n. 001/99. Assim, não há e fica afastado, pois,
o reconhecimento de litispendência entre o mandado de segurança nº
1999.61.14.002698-5 e a presente ação ordinária.
4. Reconhecida a ausência de identidade processual entre o mandado de
segurança e o presente feito submetido a julgamento, não se há de falar
também em coisa julgada a interferir no presente caso, dado que o artigo
472, do Código de Processo Civil de 1973 era expresso no sentido de que
"a sentença faz coisa julgada às partes entre às quais é dada não
beneficiando nem prejudicando terceiros" (limites subjetivos da coisa julgada),
além do que, como bem posto pela recorrente, "não há litispendência
quando um dos fundamentos do pedido do autor também é adotado para sustentar
pedido diverso, deduzido em outra ação" e que "no caso dos autos, não há
que se falar em litispendência entre a ação ordinária da qual a presente
apelação foi tirada e o Mandado de Segurança 1999.61.14.002698-5, pois
a única identidade entre essas duas ações é a de autor. No mais, com
relação à parte passiva, à causa de pedir e ao pedido não há qualquer
identidade.". Ausente a identidade de causa de pedir e pedido, não há
de se falar, por corolário lógico, em aproveitamento da coisa julgada,
razão por que passo a analisar a questão de fundo debatida na lide.
5. A imunidade tem por escopo viabilizar, por meio da ação estatal,
a consecução de direitos e garantias fundamentais previstos no
texto constitucional. A imunidade prevista pelo artigo 195, § 7º da
Carta Constitucional - que dispõe sobre a exoneração do pagamento das
contribuições previdenciárias em relação às entidades de assistência
social - tem como objetivo garantir outros princípios externados no
texto maior, que se encontram insculpidos nos artigos 203 e 204 do diploma
constitucional.
6. O constituinte optou por atribuir ao conjunto da sociedade, através de
entidades aptas a tal fim, a participação colaborativa na consecução desses
valores essenciais à sociedade, tidos por fundamentais pela Constituição
Federal, de tal sorte que o poder constituinte originário abriu mão da
competência para instituir tributos em relação a determinadas pessoas e
no tocante a determinadas finalidades, por meio do mecanismo da imunidade.
7. Algumas dessas entidades, conhecidas modernamente como o "terceiro setor",
atuam como colaboradores do poder estatal, em atividades de interesse público,
sendo consideradas de utilidade pública. No caso, as instituições de
assistência social, de caráter beneficente, que prestam serviços sem
objetivar lucros, então entre as várias entidades que atuam no auxílio do
papel do estado para promover o bem social, de modo genérico. Tais entidades
privadas da sociedade civil substituem em parte o próprio dever do Estado
na assistência social que lhe compete e, por este motivo, são titulares
de direito público subjetivo de não serem tributadas no que respeita à
contribuição para a seguridade social.
8. Consoante o disposto no artigo 195, § 7º da CF/88, tal imunidade depende
do preenchimento de requisitos exigidos em lei. O mencionado dispositivo
constitucional estabelece que "são isentas de contribuição para seguridade
social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às
exigências estabelecidas em lei".
9. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que se trata,
em verdade, de imunidade, já que a vedação de cobrança de tributo
decorre de regra da Constituição Federal (RMS 22.192-9/DF, 1ª Turma,
Rel. Min. Celso de Mello).
10. Para cumprir o mandamento constitucional, veio à lume a Lei n° 8.212/91,
que, regulamentando a matéria, na sua redação original, impôs à entidade
beneficente o atendimento cumulativo de diversos requisitos para gozar da
isenção referida (ser a entidade reconhecida como de utilidade pública
federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; ser portadora do
Certificado ou do Registro de Entidade de fins Filantrópicos, fornecido pelo
Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos; promover
a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde,
a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; não perceberem,
os seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores,
remuneração, sequer usufruírem de vantagens ou de benefícios a qualquer
título; aplicar integralmente o eventual resultado operacional na manutenção
e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente
ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas
atividades).
11. Posteriormente, a Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, alterou
dispositivos da Lei nº 8.212/91, mormente o seu art. 55, dando nova
redação ao inciso III e acrescentando os §§ 3º, 4º e 5º. Todavia,
tais alterações, bem assim os artigos 4º, 5º e 7º da própria Lei nº
9.732/98, foram suspensos, conforme liminar do STF na ADI nº 2.028-5/99,
referendada pelo Plenário em 11/11/99. O C. Supremo Tribunal Federal
não afastou a validade dos requisitos impostos pela lei ordinária para a
caracterização da imunidade, desde que não alterem o conceito de entidade
beneficente previsto na Constituição Federal.
12. A Lei nº 12.101/2009 revogou o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, bem como o
art. 1º da Lei nº 9.732/98, na parte que altera o artigo supramencionado. No
entanto, não se deve falar em aplicação de seus ditames ao caso vertente,
razão por que, no caso em apreço, é de se verificar se o direito da parte
encontrava-se amparado pela legislação de regência do instituto quando
do ajuizamento da ação.
13. O raciocínio no sentido de que ao INSS só é permitido cancelar
isenção se a entidade não for portadora do CEBAS válido não é
verdadeiro. A concessão do benefício da imunidade, como a reivindicada
no caso concreto, reclama dois momentos distintos: o primeiro é o
requerimento para a expedição do CEBAS - Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social, e o segundo é o pedido de isenção
das contribuições previdenciárias. Essa dinâmica, por si só, já
demonstra que não basta a emissão do CEBAS para que seja reconhecida a
imunidade (isenção constitucional) das contribuições; se assim fosse, o
portador do CEBAS nada mais precisaria fazer para a obtenção do benefício
constitucional. O CEBAS é apenas um dos requisitos legais exigidos pela lei.
14. O INSS, valendo-se do seu poder fiscalizatório, reconheceu a existência
de circunstâncias que não autorizavam a manutenção do beneplácito
reclamado pela recorrente, dentre elas: a) "desatendeu o inciso IV do art. 55
da Lei 8.212/91 e o inciso I do art. 14 do CTN ao remunerar seus Diretores
pelo exercício da atividade específica e única de diretores, inclusive
concedendo-lhes benefícios indiretos, como bolsas de estudos pessoais
ou para parentes" b) "não aplicou integralmente o eventual resultado
operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos, portanto
não observaram o inciso V do artigo 55 da Lei 8.212/91 e II do art. 14 do
CTN" e c) "distribuiu a terceiros o patrimônio adquirido com suas rendas
e recursos, desatendendo o art. V da Lei 8.212/91 e os incisos I e II
do art. 14 do CTN". Essa verificação encontra-se legalmente amparada,
sendo de se acolher os fundamentos postos na sentença no sentido de que
"a Administração Pública pode, em função do princípio da autotutela,
a qualquer momento rever suas decisões, anulando-as quando ilegais ou
revogando-as quando não mais oportunas ou convenientes. O fato de haver
uma decisão anterior concedendo a "isenção" não gera direito adquirido
ao seu beneficiário, podendo a Administração, verificando a ocorrência
de um vício, cassar referido benefício, sem que isto lesione qualquer
princípio constitucional.".
15. Também não socorre a apelante a alegação de que anteriormente, em
três ocasiões, a fiscalização não teria apurado irregularidade, não
podendo, portanto, ser penalizada por período pretérito. Ressalvado período
coberto pela decadência, por certo que a apuração de irregularidades na
concessão do benefício fiscal, se devidamente comprovadas, podem ser opostas
ao contribuinte, que não pode invocar "direito adquirido à irregularidade"
de seus dados contábeis, se demonstrada a incorreção desses mesmos dados.
16. No que diz respeito à proibição de remuneração da diretoria, vedada
no estatuto da entidade, não restou demonstrada a condição defendida pelos
Diretores, de que exerciam atribuições submetidas a vínculo empregatício,
o que ofende, às escâncaras, os ditames do art. 14 do CTN.
17. Nada obsta que a entidade imune remunere os serviços e trabalhos
necessários à manutenção, sobrevivência e funcionamento realizados
por administradores, professores e funcionários, mas, como posto pela
sentença, não restou demonstrada tal particularidade, além do que foram
apontados outros benefícios auferidos pela Direção da entidade, que
igualmente refogem ao permissivo legal. Portanto, a proibição de remunerar
os dirigentes é uma decorrência da vedação derivada da distribuição
da parcela do patrimônio, a título de lucro ou participação.
18. Analisando os documentos colacionados aos autos, verifica-se que a
autora não satisfaz os requisitos legais para a manutenção do benefício
da imunidade (isenção constitucional).
19. Apelação a que se nega provimento.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. LITISPENDÊNCIA. COISA JULGADA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. ATO CANCELATÓRIO DE ISENÇÃO. ARTIGO 195, § 7º DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INSTITUTO DA IMUNIDADE, NÃO OBSTANTE A REFERÊNCIA
À ISENÇÃO NO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OBJETIVO DO INSTITUTO. CONSECUÇÃO DE DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DE REQUISITOS FIXADOS
EM LEI. ARTIGO 55 DA LEI Nº 8.212/91. REDAÇÃO ORIGINÁRIA. ALTERAÇÃO
PELA LEI Nº 9.732/98, SUSPENSA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (LIMINAR NA
ADI Nº 2.028-5/99). LEI Nº 12.101/...
Data do Julgamento
:
16/08/2016
Data da Publicação
:
29/08/2016
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1263786
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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