TRF5 2006.80.00.000440-2 200680000004402
CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CESSÃO DE CRÉDITO RURAL PARA A UNIÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. EXCLUSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ALCANCE DO ART. 2º DA LEI 9.138/1995. REPACTUAÇÃO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. NULIDADE DE CLÁUSULA LEGAL.
1. Trata-se de remessa necessária e apelações, essas últimas interpostas pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) e por LUIZ EUSTÁQUIO SILVEIRA (espólio), contra a sentença prolatada pelo Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas, que julgou
parcialmente procedente o pedido, condenando a UNIÃO e o BANCO DO BRASIL S/A a revisarem as operações de crédito rural objeto desta demanda, expurgando qualquer cobrança de encargos financeiros, especialmente comissão de permanência, para os casos de
mora ou inadimplemento, incompatíveis com os limites estabelecidos no Decreto-Lei nº 167/67, ressalvando, não obstante, o direito dos réus de computarem juros capitalizados nas operações de crédito rural em que esse procedimento for expressamente
pactuado. Declarou, outrossim, a nulidade da majoração de encargos financeiros em face da cessão de crédito em favor da UNIÃO que decorrer da incidência da taxa SELIC e de multa moratória de 20% por ocasião da inscrição em Dívida Ativa da União, bem
como o direito subjetivo da parte autora de ter a sua dívida atualizada de acordo com os critérios fixados no contrato e de não sofrer a cobrança de juros em patamares superiores aos permitidos pelo Decreto-Lei nº 167/67.
2. Antes de adentrar na análise do mérito dos recursos interpostos, desponta oportuno ressaltar a existência nos autos de elementos de convicção bastante a evidenciar que o autor celebrou com o Banco do Brasil S/A operação de crédito rural para
pagamento total da Cédula Rural Pignoratícia de nº EAC-92-131 e parcial do Contrato Particular de Confissão de Dívidas com Garantia Pignoratícia e Fidejussória de nº CD-92/175, que foi objeto de Securitização (Lei nº 9138/95; Resolução nº 2238/96), cujo
implemento rendeu ensejo à Cédula Rural Hipotecária nº 96/70384-9, emitida em 22/07/1996, no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais), com vencimento em 31/10/2005, conforme se lê às fls. 58/62.
3. A questão de fundo que permeia a presente demanda tem como razão fundante o pretenso prejuízo sofrido pelos produtores rurais que realizaram operações de crédito a partir de 28/05/1992 e posteriormente renegociaram-nas com base na Lei nº 9.138/1995,
considerando que as instituições oficiais de crédito não teriam cumprido as diretivas normativas que regulamentavam a equalização de preços, mormente tendo em vista que os critérios de evolução dos saldos devedores utilizados não se ajustavam ao que
determinava a legislação de regência, impondo, em vista disso, acréscimo injustificado de encargos
4. A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) afirma a legalidade da cobrança da comissão de permanência, bem como da utilização da taxa SELIC.
5. No que concerne ao primeiro tema, importa consignar que a matéria não merece digressão aprofundada, eis que é firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que embora haja previsão contratual de incidência de comissão de permanência, tal
encargo é inexigível nas cédulas de crédito rural, disciplinadas pelo Decreto-Lei nº 167/1967, uma vez que o parágrafo único do art. 5º, do referido diploma legal, prevê a possibilidade de cobrança somente de juros de 1% ao mês e multa moratória de 10%
(STJ, AgRg no REsp n. 1.092.545/MG, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, DJe de 13.3.2013; REsp n. 1.326.411/PR, Relator Ministro Mauro Campbel Marques, Segunda Turma, DJe de 14.2.2013).
6. Assiste razão à UNIÃO no que respeita ao segundo tema, considerando que a parte autora firmou com o Banco do Brasil um termo aditivo de retificação e ratificação à Cédula de Crédito Rural hipotecária, cujos créditos foram cedidos à União, nos termos
da MP nº 2.196-3/01, que instituiu o Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, prevendo a aplicação da SELIC no seu art. 5º.
7. Aos créditos cedidos devem ser aplicados os mesmos critérios de correção monetária utilizados pela Fazenda Pública, tendo em vista que o regime jurídico aplicável ao crédito rural adquirido pela União sofre uma derrogação pontual inerente aos
contratos privados celebrados pela Administração. (AC 00031338820164059999, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::18/04/2017 - Página::9.). Sendo assim, tem-se como forçoso o reconhecimento de que a
superveniência da cessão do crédito rural à UNIÃO afasta a incidência dos encargos previstos no Decreto-Lei nº 167/67.
8. Nesse contexto, após a cessão dos créditos em favor da UNIÃO, a sua correção há de ser feita pelos critérios estipulados na supracitada medida provisória, ou seja, com a incidência da SELIC, a qual engloba, além da correção monetária, juros
moratórios, sendo vedada sua utilização cumulada com qualquer outro índice de igual natureza.
9. Em preliminar à apelação do autor, a UNIÃO sustentou que a relação jurídica de direito material que a apelante pretende revisar não mais existe no mundo jurídico, ante a novação restando somente o crédito inscrito em Dívida Ativa, sendo, portanto,
carecedor no que respeita à pretensão de buscar judicialmente a revisão de cláusulas contratuais originárias da cédula de crédito rural.
10. A esse respeito, é cediço o reconhecimento jurisprudencial de que é possível revisar os contratos firmados com a instituição financeira, desde a origem, para afastar eventuais ilegalidades, independentemente de quitação ou novação. Nesse sentido,
avulta destacar a Súmula nº. 286 do STJ, segundo a qual "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores."
11. Ainda sobre o tema, afirma-se que, apesar da cessão dos créditos para a UNIÃO, esta tomou como ponto de partida os anteriores contratos, nos quais podem residir cláusulas abusivas, ilegais, que estariam sendo submetidas ao novo termo da
renegociação, mesmo que esta significasse, a partir de então, benefício para o devedor. Sendo assim, a situação posta configura uma relação jurídica continuada, que está representada na possibilidade de assinatura de um pacto de renegociação, não se
devendo vedar que os contratos que lhe deram causa sejam revistos, não subsistindo, em vista disso, a preliminar suscitada.
12. Lado outro, o espólio de LUIZ EUSTÁQUIO SILVEIRA defendeu a reforma da sentença apenas em relação ao alcance do art. 2º da Lei nº 9.138/1995, à obrigação de repactuar, bem como à ausência de impugnação da responsabilidade civil e da nulidade de
cláusula infralegal.
13. Quanto ao alcance do art. 2º da Lei nº 9.138/1995, observa-se que, de fato, com o advento da Lei 8.880, de 1994, que instituiu o plano real, o parágrafo segundo do artigo 16, determinava que fosse aplicado às operações de crédito rural destinada ao
custeio, comercialização e investimento, qualquer que fosse sua fonte, a atualização monetária equivalente à dos preços mínimos em vigor para os produtos agrícolas.
14. Nessa ordem de ideia, assoma destacar a relevância do referido diploma normativo, haja vista que tinha como propósito precípuo estabelecer os parâmetros legais para conter e controlar a inflação, de modo a impor medidas que interferia fortemente nos
contratos privados, sendo de rigor a sua aplicação nos contratos em curso, a partir de sua vigência.
15. Em vista disso, apesar de o art. 2º da Lei nº 9.138/95 afastar expressamente a incidência do art. 16, parágrafo 2º, da Lei nº 8.880/94, não sendo mais possível, desde a publicação da referida lei, a utilização da variação do preço mínimo como
critério de atualização monetária, afigura-se sobremodo relevante reconhecer que o autor faria jus a utilização da equivalência preço produto, como fator de atualização monetária, com base em produto da opção do mutuário, tão somente no período
compreendido entre a data da promulgação da Lei nº 8.880/94 e a data de vigência da Lei nº 9.138/95.
16. Melhor sorte não assiste ao apelante no que concerne à obrigação de repactuar, nos termos do que dispõe a Lei nº 10.437/2002, eis que o referido diploma normativo estabelece como condição imprescindível para adesão a adimplência das obrigações,
conforme se lê no parágrafo 1º do art. 1º.
17. Além disso, a negativa de repactuação não se deu pela existência de ação revisional coletiva proposta pela Associação dos Produtores de Cana de Alagoas (ASPLANA), da qual o autor era associado, conforme se depreende da leitura do documento de fls.
203/206 (item 5 - fl. 204), expresso nos seguintes termos: "5 - Em que pese esta URR ter se comunicado através de correspondência de 14/11/2001, para que o representante do espólio manifestasse interesse em aderir à repactuação a égide da Lei
10.437/2002 (então Medida Provisória), não foram atendidas as condições a seguir, inviabilizando, com isso, tal repactuação: a) Estar adimplente com as prestações vencidas antes de 31/10/2001; b) Amortizar, no mínimo 32,5% da prestação de 31/10/2001; c)
Cumprir as condições das alíneas "a" e "b", retro, até 31/10/2001 que foi prorrogada para 29/06/2002.".
18. Em vista disso, a análise do pedido relativo à responsabilização civil não exige o aprofundamento na investigação dos seus demais requisitos, ante a evidente ausência de ato ilícito do litisconsorte (BANCO DO BRASIL S/A).
19. Por fim, acerca da nulidade da cláusula infralegal que afastou a incidência do subitem 2.6.9 do Manual de Crédito Rural (MCR) sobre as operações de crédito rural transferidas para a UNIÃO, conforme o disposto no art. 8º, III, da Resolução nº 2.963,
de 28/05/2002, do Banco Central do Brasil, observa-se que o Conselho Monetário Nacional, enquanto órgão superior do Sistema Financeiro Nacional, responsável pela formulação da política da moeda e do crédito, atuou nos limites precisos estabelecidos no
art. 12 da Lei 10.437/2002, que traçou as diretrizes normativas sobre o alongamento de dívidas originárias de crédito rural, de que trata a Lei nº 9.138/1995.
20. Assim, não obstante o alongamento de dívida originada de crédito rural seja um direito do devedor, sua concessão está condicionada ao preenchimento de requisitos legais e fáticos estabelecidos pela lei e demais resoluções que regulam a matéria,
razão pela qual o reconhecimento da idoneidade do CMN para a estipulação dos critérios para aferição do saldo devedor, aí incluído a utilização do índice de remuneração da poupança, é medida que se impõe.
21. Ademais, conforme reconheceu o juiz sentenciante, "não prospera a pretensão da parte autora de obrigar a União e o Banco do Brasil a promoverem o alongamento do prazo de pagamento das operações de crédito rural em litígio, mediante a aplicação da
norma do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.843/89. Isso porque, a aplicação desse dispositivo restringe-se às operações mencionadas às obrigações decorrentes de crédito rural celebradas até 15 de janeiro de 1989, e relativas aos contratos de valor
inferior a 2.500 OTNs nesta data, vencidas ou a se vencerem, vinculadas à variação da OTN ou OTN fiscal. Como o âmbito de eficácia do dispositivo legal evocado pela parte autora é limitado no tempo e pelo valor das operações de crédito rural, não se
pode falar seriamente que a Resolução nº 2.963, de 28/05/2002 tenha sido editada em violação ao princípio hierárquico.".
22. Remessa oficial e apelações parcialmente providas.
23. Afastada a aplicação do que dispõe o parágrafo 11 do art. 85 do CPC, considerando que a sentença recorrida foi proferida em data anterior à da vigência do novo diploma processual, a teor do que predica o Enunciado Administrativo nº 7 do STJ.
Ementa
CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CESSÃO DE CRÉDITO RURAL PARA A UNIÃO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. EXCLUSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ALCANCE DO ART. 2º DA LEI 9.138/1995. REPACTUAÇÃO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. NULIDADE DE CLÁUSULA LEGAL.
1. Trata-se de remessa necessária e apelações, essas últimas interpostas pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) e por LUIZ EUSTÁQUIO SILVEIRA (espólio), contra a sentença prolatada pelo Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas, que julgou
parcialmente procedente o pedido, condenando a UNIÃO e o BANCO DO BR...
Data do Julgamento
:
06/09/2018
Data da Publicação
:
17/09/2018
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - 30059
Órgão Julgador
:
Terceira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Fernando Braga
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
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