TRF3 0004934-14.2006.4.03.6000 00049341420064036000
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE CRÉDITO
ROTATIVO. AUSÊNCIA DE INITMAÇÃO PESSOAL. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. REVISÃO DO CONTRATO. LIMITE DE CRÉDITO. COMISSÃO
DE PERMANÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. SENTENÇA ANULADA
PARCIALMENTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Inicialmente, consigno que os contratos discutidos são: (i) o Contrato
Particular de Abertura de Crédito à Pessoa Física para Financiamento de
Material de Construção e Outros Pactos nº 1464.160.0000126-76, firmado
em 30/06/2005 (fls. 08/12), por meio do qual a CEF concedeu empréstimo no
valor de R$ 30.000,00, que somente poderia ser destinado à aquisição de
material de construção, a ser utilizado no imóvel residencial urbano
situado R. Dr. Bezerra de Menezes, nº 880, em Campo Grande/MS; (ii) o
Contrato de Abertura de Conta Corrente e adesão a Produtos e Serviços,
firmado em 21/03/2005 (fls. 17/21), por meio do qual, dentre outros produtos,
a CEF disponibilizou crédito rotativo em conta corrente (cheque especial)
no valor de R$ 3.000,00, à taxa mensal efetiva de 7,59% e anual de 140,58%,
cujas cláusulas gerais encontram-se juntadas às fls. 22/24.
2. É verdade que a Defensoria Pública da União não foi intimada
pessoalmente da decisão de fl. 121 que determinou a especificação das
provas a serem produzidas. Conforme se depreende da certidão de fl. 122,
a decisão apenas foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da
3ª Região. Ocorre que a nulidade somente deve ser reconhecida quando haver
trazido prejuízo à parte que alega. Isso porque o processo civil (arts. 244
e 249, §1º) consagra a premissa do "pas de nullité sans grief", isto é,
não há nulidade sem prejuízo, segundo o qual é indispensável verificar
se o sujeito ao qual a lei oferecia proteção mediante a forma exigida
foi prejudicado ou não pela sua não realização. Além disso, dispõe
o art. 250, parágrafo único, que os atos praticados de forma irregular
devem ser aproveitados, desde que não tragam prejuízo à parte. No caso dos
autos, não houve prejuízo porquanto a matéria discutida é exclusivamente
de direito e não depende de produção de qualquer prova. Com efeito,
o artigo 330 do Código de Processo Civil permite ao magistrado julgar
antecipadamente a causa e dispensar a produção de provas, quando a
questão for unicamente de direito e os documentos acostados aos autos
forem suficientes ao exame do pedido. E o artigo 130 do Código de Processo
Civil confere ao juiz a possibilidade de avaliar a necessidade da prova,
e de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Na
hipótese, inexiste o alegado cerceamento de defesa, porquanto a parte
recorrente confessa a existência da dívida, porém, de forma genérica
e sem qualquer fundamentação, insurge-se contra os valores cobrados tão
somente sob a alegação de onerosidade excessiva - deixando de questionar
qualquer cláusula contratual que considere abusiva. Somente seria necessária
a produção de prova contábil para a aferição do quantum debeatur na
hipótese em que o devedor indica especificamente equívocos no cálculo
do credor e/ou traz seus próprios cálculos. Diferentemente, quando a
impugnação limita-se a discutir a legalidade ou não de cláusulas, a
controvérsia é exclusivamente de matéria de direito e dispensa a dilação
probatória. Portanto, ausente prejuízo à parte embargada, não é possível
se reconhecer a nulidade do ato, tampouco de todos os atos subsequentes. A
par disso, não há que se cogitar em nulidade da sentença.
3. Não há mais controvérsia acerca da aplicabilidade dos dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme
posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 2591/DF e disposto
no enunciado da súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça. Embora
inegável a relação de consumo existente entre os litigantes, a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor, não significa ignorar por completo as
cláusulas contratuais pactuadas, a legislação aplicável à espécie e
o entendimento jurisprudencial consolidado.
4. É possível a revisão do contrato de abertura de crédito, desde que
a apelante aponte concretamente alguma ilegalidade em suas cláusulas.
5. Sustenta a parte apelante que houve ofensa à boa-fé objetiva, pois
a CEF deixou de rescindir o contrato assim que foi atingido o limite de
crédito concedido, levando ao agravamento da situação do devedor. A tese
não merece prosperar. É verdade que a CEF, por liberalidade, permitiu
que a conta corrente ficasse com saldo devedor negativo superior ao patamar
de R$ 3.000,00, estipulado no contrato. Ocorre que, conforme se depreende
dos extratos da conta juntados às fls. 25/36, o devedor ao longo de todo o
período do contrato deixou o saldo devedor superior ao patamar convencionado,
porém logo em seguida zerava o saldo devedor. Aliás, em abril de 2005, um
mês após a contratação, o saldo devedor já superava este limite. Assim,
resta claro que o devedor sempre usufruiu e se beneficiou da flexibilidade
quanto ao limite de crédito, razão pela qual não é possível considerar
que a CEF não agiu de acordo com a boa-fé objetiva.
6. O Banco Central do Brasil, com os poderes conferidos pelo Conselho
Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 1.129/86, na forma do artigo
9º da Lei 4.595/64, facultou às instituições financeiras a cobrança
da comissão de permanência, sendo legítima a sua exigência, porquanto
instituída por órgão competente e de acordo com previsão legal. Além
disso, a legitimidade da cobrança da comissão de permanência nos contratos
bancários encontra-se sufragada pela jurisprudência do E. Superior Tribunal
de Justiça, como se vê dos enunciados das Súmulas 30, 294 e 296. Anote-se,
por outro lado, que na comissão de permanência já estão inseridas todas as
verbas decorrentes do inadimplemento, razão pela qual não é possível sua
cumulação com outros encargos como juros moratórios, multa contratual, juros
remuneratórios e correção monetária, sob pena de configurar verdadeiro
bis in idem. Nesse sentido, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça, cristalizado no enunciado da Súmula 472. No caso concreto,
depreende-se dos autos que: (i) no Contrato Particular de Abertura de Crédito
à Pessoa Física para Financiamento de Material de Construção e Outros
Pactos nº 1464.160.0000126-76, firmado em 30/06/2005 (fls. 08/12), não foi
pactuada a cobrança de comissão de permanência. Em verdade, da leitura da
cláusula décima sexta do contrato verifica-se que, em relação ao período
de inadimplemento, incidem: (a) juros remuneratórios à taxa efetiva de
1,69% ao mês com capitalização mensal; (b) correção monetária pela Taxa
Referencial - TR; e (c) juros de mora à taxa de 0,03333% por dia de atraso,
além da possibilidade de cobrança de cláusula pena/pena convencional à
taxa de 2% do valor da dívida. E os demonstrativos de fls. 13/14 confirmam
que incidiram na fase de inadimplemento somente juros remuneratórios,
correção monetária e juros de mora, conforme se depreende das colunas nºs
8 e 9 da planilha de fl. 13. (ii) no Contrato de Abertura de Conta Corrente e
adesão a Produtos e Serviços, firmado em 21/03/2005 (fls. 17/21), por meio
do qual foi concedido o Crédito Rotativo em Conta Corrente, a comissão
de permanência foi expressamente convencionada pelas partes na cláusula
oitava, todavia de forma cumulada com a taxa de rentabilidade de 10%, verbis:
"CLÁUSULA OITAVA - No caso de impontualidade na satisfação do pagamento de
qualquer débito, inclusive na hipótese do vencimento antecipado da dívida,
o débito apurado na forma deste contrato ficará sujeito à Comissão de
Permanência, cuja taxa mensal será obtida pela composição da taxa de CDI
- Certificado de Depósito Interbancário, divulgada pelo Banco Central no
dia 15 de cada mês, a ser aplicada durante o mês subsequente, acrescida da
taxa de rentabilidade de até 10% (dez por cento) ao mês.". Assim sendo,
deve ser afastada a incidência da taxa de rentabilidade, que se encontra
embutida na comissão de permanência. Nessa esteira, o débito deverá ser
acrescido dos juros remuneratórios segundo o critério previsto no contrato
até o seu vencimento e, após, a dívida será atualizada tão somente
pela incidência da comissão de permanência obtida pela composição da
taxa de CDI - Certificado de Depósito Interbancário, divulgada pelo BACEN,
afastada a cobrança cumulativa com a "taxa de rentabilidade", ou qualquer
outro encargo moratório, nos termos da Súmula 472 do STJ.
7. No que diz respeito à capitalização de juros vale ressaltar que, diante
da vedação contida no artigo 4º do Decreto nº 22.626, de 07 de abril de
1.933, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121. Com a edição
Medida Provisória nº 1963-17 de 31.03.00 (reeditada sob o nº 2.170-36,
de 23/082001), a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça,
acompanhando a evolução legislativa, assentou o entendimento no sentido
de que "é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação
da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001),
desde que expressamente pactuada." (REsp 973827/RS, submetido ao rito
dos recursos repetitivos (artigo. 543-C do CPC) Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012). Conquanto recentemente o E. Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.388.972/SC, tambem sob a
sistemática dos recursos representativos de controvérsia, tenha firmado
a tese de que: "A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo
é permitida quando houver expressa pactuação", persiste a restrição
temporal firmada no julgamento do REsp nº 973.827/RS e na Súmula nº
539 do STJ no sentido de somente ser permitida a capitalização de juros
nos contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001). A meu ver,
a nova tese apenas reforça o entendimento que já existia em relação
à necessidade de pactuação expressa. É importante destacar ainda que
o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 973.827,
cuja ementa encontra-se supra transcrita, consolidou que a pactuação da
capitalização dos juros tem que ser realizada de forma expressa e clara,
bem como que basta a previsão no contrato bancário de taxa de juros
anual superior ao duodécuplo da mensal para que seja lícita a cobrança
da capitalização. Neste sentido, confiram-se as súmulas nºs 539 e 541 do
Superior Tribunal de Justiça. Depreende-se dos contratos que: (i) no Contrato
Particular de Abertura de Crédito à Pessoa Física para Financiamento de
Material de Construção e Outros Pactos nº 1464.160.0000126-76, firmado
em 30/06/2005 (fls. 08/12), não foi pactuada a cobrança de comissão
de permanência, de modo que a alegação de capitalização indevida da
comissão de permanência é dissociada. E, ainda que considerássemos que
a apelante não se referiu especificamente à comissão de permanência,
mas sim aos encargos do período de inadimplência, a tese de ilegalidade
não prosperaria. Pois a cláusula décima sexta do contrato previu a
capitalização mensal dos juros remuneratórios que incidiram após o
início do inadimplemento; (ii) no Contrato de Abertura de Conta Corrente e
adesão a Produtos e Serviços, firmado em 21/03/2005 (fls. 17/21), por meio
do qual foi concedido o Crédito Rotativo em Conta Corrente, a comissão
de permanência foi expressamente convencionada pelas partes na cláusula
oitava, sem prever, expressamente, a sua capitalização mensal. Em assim
sendo, inexistindo comprovação de que houve pactuação da capitalização
mensal da comissão de permanência, é ilegal a sua cobrança.
8. No caso dos autos, verifico que foram juntadas cópias dos contratos
às fls. 09/12 e 17/21, devidamente assinado pelas partes. Em suma,
em relação ao Contrato Particular de Abertura de Crédito à Pessoa
Física para Financiamento de Material de Construção e Outros Pactos nº
1464.160.0000126-76, firmado em 30/06/2005 (fls. 08/12), não é possível
a cobrança de comissão de permanência. Devem ser cobrados os encargos
pactuados na cláusula décima sexta do contrato, a saber: (a) juros
remuneratórios à taxa efetiva de 1,69% ao mês com capitalização mensal;
(b) correção monetária pela Taxa Referencial - TR; e (c) juros de mora
à taxa de 0,03333% por dia de atraso, além da possibilidade de cobrança
de cláusula pena/pena convencional à taxa de 2% do valor da dívida. Como
o MM. Magistrado a quo admitiu a cobrança de comissão de permanência, a
sentença deve ser modificada quanto a este tópico. Contudo, é necessário
ater-se ao fato de que a CEF jamais pretendeu a cobrança da comissão
de permanência. Basta analisar o discriminativo do débito de fl. 16 e
o demonstrativo de evolução do contrato de fls. 13/15 para concluir que
a CEF aplicou os encargos convencionados no contrato, e não a comissão
de permanência. Assim, a primeira parte do dispositivo da sentença,
que determina a aplicação da comissão de permanência em relação
a este contrato, a rigor deve ser anulada por julgamento extra petita e
aplicado o art. 1.013, §3º, II, do CPC/2015. E, em relação ao Contrato
de Abertura de Conta Corrente e adesão a Produtos e Serviços, firmado em
21/03/2005 (fls. 17/21), por meio do qual foi concedido o Crédito Rotativo
em Conta Corrente, é possível a cobrança da comissão de permanência,
porquanto este encargo foi expressamente convencionado pelas partes na
cláusula oitava. Todavia, nesta cláusula houve cumulação com a taxa de
rentabilidade de 10% ao mês, o que não se admite. Ademais, não há no
contrato previsão de capitalização mensal da comissão de permanência,
razão pela qual é ilegal a sua cobrança. Como o MM. Magistrado a quo admitiu
a cobrança de comissão de permanência sem explicitar estas ressalvas,
a sentença também deve ser reformada quanto a este tópico. Consigno ainda
que eventuais ilegalidades verificadas nos contratos não ensejam a nulidade
total destes. Impõe-se, em verdade, que a CEF proceda ao recálculo do valor
devido de acordo com os critérios ora estabelecidos, abatendo-se dele os
valores que a autora tenha pagado a título de encargos ilegais.
9. Por fim, tratando-se de sucumbência recíproca, determino o rateio das
custas e despesas processuais e a compensação dos honorários advocatícios.
10. Anulado de ofício o capítulo da sentença que admitiu a cobrança de
comissão de permanência em relação ao Contrato Particular de Abertura de
Crédito à Pessoa Física para Financiamento de Material de Construção e
Outros Pactos nº 1464.160.0000126-76, firmado em 30/06/2005 (fls. 08/12),
por configurar julgamento extra petita, e, com fulcro no art. 1.013, §3º,
II, do CPC/2015, julgado procedente o pedido para constituir, de pleno
direito, o título executivo judicial, no valor de R$ 38.491,58, atualizado
para 14/06/2006. Recurso de apelação da parte ré-embargante parcialmente
provido para, em relação ao Contrato de Abertura de Conta Corrente e adesão
a Produtos e Serviços, firmado em 21/03/2005 (fls. 17/21), por meio do qual
foi concedido o Crédito Rotativo em Conta Corrente, excluir a cobrança da
taxa de rentabilidade de 10% ao mês e capitalização mensal da comissão
de permanência. Determinado o rateio das custas e despesas processuais e
a compensação dos honorários advocatícios.
Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE CRÉDITO
ROTATIVO. AUSÊNCIA DE INITMAÇÃO PESSOAL. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. REVISÃO DO CONTRATO. LIMITE DE CRÉDITO. COMISSÃO
DE PERMANÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. SENTENÇA ANULADA
PARCIALMENTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Inicialmente, consigno que os contratos discutidos são: (i) o Contrato
Particular de Abertura de Crédito à Pessoa Física para Financiamento de
Material de Construção e Outros Pactos nº 1464.160.0000126-76, firmado
em 30/06/2005 (fls. 08/12), por meio do qual a CEF concedeu empréstimo no
valor de R$ 30.000,00, que...
Data do Julgamento
:
11/06/2018
Data da Publicação
:
15/06/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1845633
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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