TRF3 0016635-85.2015.4.03.9999 00166358520154039999
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA
LEI Nº 8.742/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. DEVER
CONSTITUCIONAL DOS FILHOS DE AMPARAR OS PAIS NA VELHICE. ARTS. 1.694 A
1.696 DO CC. ATUAÇÃO ESTATAL SUPLETIVA. RECURSOS FINANCEIROS, AINDA QUE
PARCOS, SUFICIENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL NÃO É VIA ALTERNATIVA
AO IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO
PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DAS
VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - O estudo socioeconômico realizado em 24 de julho de 2014 (fls.79/88)
informou ser o núcleo familiar composto pelo autor e sua cônjuge, os quais
residem em imóvel próprio (financiado) na zona rural, com quatro cômodos
e dois banheiros. "Os móveis, eletrodomésticos e utensílios existentes na
residência são antigos". As despesas básicas do casal, com água, luz,
gás, medicação, plano funerário e financiamento do imóvel, totalizam
R$724,00. Informou a assistente social que o requerente e sua esposa fazem
uso de medicamentos contínuos, sendo alguns fornecidos pela rede pública de
saúde e outros adquiridos na farmácia. "A família sobrevive da renda fixa
(esposa do requerente) e ajuda dos filhos para completar a alimentação e
compra de remédios". A renda familiar decorre dos proventos de aposentadoria
por idade recebidos pela esposa do requerente, no valor de um salário
mínimo.
7 - Dados extraídos do Sistema Único de Benefícios/DATAPREV, que ora se
anexa, revelaram que a esposa do demandante, beneficiária de aposentadoria
por idade, auferiu proventos, na competência julho/2014, da ordem de
R$765,65. Referido valor, atualmente, é de R$905,00 (novecentos e cinco
reais).
8 - O demandante declarou ter filhos casados que, embora não residam sob
o mesmo teto, auferem rendimentos decorrentes de atividades laborativas
e, ainda, conforme informado no estudo social, colaboram nas despesas de
manutenção do autor, de modo que este não está absolutamente desprovido
de renda. Informações do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS,
que ora integra o presente voto, dão conta de que os filhos do autor, Daniel
Rodrigues e Joel do Carmo Rodrigues, ambos casados e cujas esposas, vale
dizer, também laboravam, recebiam, à época do estudo social (julho/2014),
R$2.001,00 e R$1.159,67, respectivamente, e o filho Marcos Davi Rodrigues,
solteiro, contribuía individualmente sobre um salário mínimo (R$724,00). Os
mesmos documentos revelam, ainda, que a última remuneração do filho Daniel
Rodrigues, em 06/2016, foi de R$3.575,20, casado com Erica Cristina Soares
Rodrigues, que, em 06/2016, recebia R$2.271,01. Destarte, todos possuíam,
ainda que com família constituída e com filhos, condições financeiras
de auxiliarem na subsistência do autor.
9 - Saliente-se que os filhos maiores tem o dever constitucional de ajudar
e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 da Carta
Magna), de modo que o benefício assistencial é subsidiário e somente tem
cabimento nas hipóteses em que os filhos constituam outro grupo familiar,
residam em outro local e, ainda, não disponham de recursos financeiros
suficientes para prestarem referida assistência material (requisitos
cumulativos), não sendo este o caso dos autos. Isso, aliás, é o que
dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696 do Código Civil, evidenciando o
caráter supletivo da atuação estatal.
10 - Alie-se como elemento de convicção o fato de que o requerente paga
financiamento de um imóvel residencial de 4 (quatro) cômodos, sendo 2
(dois) quartos, e de plano funerário, o que, por si sós, não afastam,
de maneira absoluta, a ideia de miserabilidade, mas são circunstâncias
relevantes a corroborar a ausência de absolutas hipossuficiência econômica
e vulnerabilidade social.
11 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que
deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis,
ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais
estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente
o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
12 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador
exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de
pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a
subsistência daquele que o requer.
13 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a
realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro
disto. As Leis nº 8.742/93 e nº 10.741/03 vão além e exigem que o idoso
se encontre em situação de risco. Volto a frisar que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor
de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em
situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa
que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio
de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e
tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir
o mínimo existencial.
14 - Tendo sido constatada, mediante estudo social e demais elementos
constantes dos autos, a ausência de hipossuficiência econômica, de rigor
o indeferimento do pedido.
15 - Condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa
(CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco)
anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que
fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita,
a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50,
reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
16 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada
improcedente. Inversão dos ônus de sucumbência, com suspensão de efeitos.
Ementa
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA
LEI Nº 8.742/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. DEVER
CONSTITUCIONAL DOS FILHOS DE AMPARAR OS PAIS NA VELHICE. ARTS. 1.694 A
1.696 DO CC. ATUAÇÃO ESTATAL SUPLETIVA. RECURSOS FINANCEIROS, AINDA QUE
PARCOS, SUFICIENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL NÃO É VIA ALTERNATIVA
AO IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONST...
Data do Julgamento
:
05/12/2016
Data da Publicação
:
16/12/2016
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2061285
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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