TRF3 0002257-11.2006.4.03.6000 00022571120064036000
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE
IMPROBIDADE. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DE PEDIDO
DEDUZIDO EM CONTRARRAZÕES. APELAÇÃO DO MPF CONHECIDA. IRREGULARIDADES
NA HABILITAÇÃO, CONTRATAÇÃO E EXECUÇÃO DE SERVIÇOS RELATIVOS A
RECURSOS PROVENIENTES DO FAT EM EXECUÇÃO DE AÇÕES DE QUALIFICAÇÃO
EM MS. COMPROVAÇÃO. ARTIGO 10, CAPUT E INCISO VIII, DA LIA. APLICAÇÃO
CUMULATIVA DAS SANÇÕES DO ARTIGO 12, INCISO II, DA MESMA LEI. REVISÃO DA
DOSIMETRIA FEITA NA SENTENÇA.
I Questões processuais
- Obrigatório o reexame necessário, pois, embora a Lei nº 7.347/1985
silencie a respeito, por interpretação sistemática das ações de defesa
dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente
o artigo 19 da Lei nº 4.717/1965. Nesse sentido a jurisprudência do STJ:
AgRg no REsp 1.219.033/RJ.
- Não é possível deduzir pedido em sede de resposta à apelação,
motivo pelo qual não pode ser conhecido o pleito feito nas contrarrazões
do corréu Agamenon.
- A apelação do Ministério Público Federal deve ser conhecida, pois
impugna exatamente o que pretende ver reformado no decisum, ponto a ponto,
e apresenta os fundamentos pelos quais entende ter razão.
II Mérito
- O MPF instaurou o procedimento administrativo nº 1.21.000.000305/2003-97
com o objetivo de apurar irregularidades apontadas pela Comissão de Tomada de
Contas Especial do Ministério do Trabalho e Emprego - CTCE/MTE, relativas
às execuções de ações de qualificação profissional no âmbito do
Plano Nacional de Qualificação Profissional - PLANFOR em Mato Grosso
do Sul custeadas com recursos públicos federais provenientes do Fundo
de Amparo ao Trabalhador - FAT. O procedimento examinou especialmente os
contratos SETER/MS nºs 27/99 e 30/00, firmados entre aquele Estado, por
meio da então Secretaria de Estado de Trabalho, Emprego e Renda - SETER/MS,
e a Associação de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul - AGM.
- A documentação carreada aos autos comprova as irregularidades.
- Em 1999, a AGM foi cadastrada sem que estivesse em conformidade com o
edital publicado pela SETER/MS e foi firmado contrato com a associação
mediante dispensa de licitação, em afronta ao artigo 24, inciso XIII,
da Lei de Licitações, eis que não comprovada a sua inquestionável
reputação ético-profissional, e são responsáveis pelos prejuízos
causados o então secretário, os membros da comissão de licitação que
atuaram do procedimento e a própria entidade contratada. No mesmo ano, foi
realizado termo aditivo sem qualquer justificativa, pelo que devem responder
o secretário e a AGM, e, embora não tenham sido cumpridas as exigências
para tanto, houve atesto irregular para liberação da terceira parcela
do contrato nº 27/99, pelo que respondem as servidoras que o firmaram (as
quais não comprovaram ter sido coagidas a assim proceder), juntamente com
o responsável pela secretaria e a associação. Prejuízos apurados: R$
70.704,00 concernentes à falta de treinamento, mais R$ 26.280,00 referente
ao aditamento contratual, num total R$ 96.984,00.
- Em 2000, o reaproveitamento indevido do cadastro realizado em 1999,
situação que impediu a participação de outras entidades, e a desordem
cronológica dos documentos do processo administrativo nº 16/000300/00
demonstram ter razão o MPF quando afirma que se almejou "montar" um processo
para tentar forjar o cumprimento das regras de licitação. Além disso,
a instituição novamente não demonstrou cumprir as exigências legais e
regulamentares para ser contratada no âmbito do PLANFOR e mediante dispensa
de licitação. Respondem pelos prejuízos apurados novamente o secretário,
os membros da nova comissão de licitação e a AGM. Constatou-se também
irregularidade no pagamento da segunda parcela do contrato nº 30/00, já
que inexistente qualquer atesto na respectiva nota nem foram apresentados
documentos, pelo que responde o secretário do órgão que a liberou o
pagamento em conjunto com a entidade. Prejuízos apurados: R$ 257.760,00
(treinamento a número inferior de alunos).
- A existência de comissão de cadastramento e a emissão de pareceres
técnicos e jurídicos não afastam a responsabilidade dos corréus acima
indicados, eis que à SETER/MS cabia fiscalizar o uso dos recursos provenientes
do FAT e, evidentemente, seu secretário era o maior responsável, e às
comissões de licitação competia processar e julgar a habilitação e a
proposta da AGM, que foi beneficiada por todo o procedimento irregular e
o recebimento de valores sem o cumprimento de suas obrigações. Eventual
aprovação das contas com ressalvas pelo Tribunal de Contas da União
não interfere neste feito, eis que a Lei de Improbidade Administrativa
expressamente prevê que a aplicação das sanções nela prevista independe
da aprovação ou rejeição das contas pelo tribunal de contas (artigo 21,
inciso II, da Lei nº 8.429/1992). É inegável que incorreram na prática de
graves atos de improbidade, porquanto fizeram tábua rasa das disposições
constitucionais e das leis de regência em matéria de licitação, que
preveem a observância do princípio da isonomia, a seleção da proposta
mais vantajosa para a administração, bem como o processamento e julgamento
em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, em relação às quais estavam obrigados a obedecê-las. A
reprovabilidade é tanto mais perniciosa quando envolve recursos oriundos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que deveriam ter sido aplicados no
desenvolvimento e qualificação profissional de trabalhadores.
- Constata-se a incidência do artigo 10, caput e inciso VIII, da LIA.
- Deve ser reformada parcialmente a sentença para, além de acrescentar a
condenação de Zenite, que atestou indevidamente a realização de serviços,
melhor realizar a dosimetria das sanções do artigo 12, inciso II, da LIA,
especialmente considerado que havia duas comissões de licitação, cada uma
relativa a procedimentos diversos, de modo que a responsabilização precisa
estar adstrita à licitação em que cada membro atuou, eis que a obrigação
de reparação e a valoração da multa civil deve ter por base o grau de
participação dos corréus (Agamenon e a AGM devem ter sanções maiores,
as dos membros das comissões de licitações precisam ser inferiores e as
das servidoras que realizaram o atesto ainda menores), diferentemente do
que fez o magistrado.
- No que tange aos consectários legais e honorários advocatícios, os
juros moratórios incidirão a contar da data do evento danoso (Súmula
54 do Superior Tribunal de Justiça) que, no caso, devem ser considerados
os dias em que houve os repasses indevidos. Tanto o cálculo destes quanto
o da correção monetária deverá ser realizado de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Indevida
verba honorária sucumbencial
- Diante de todo o exposto, a condenação deve ser assim delimitada:
a) Agamenon Rodrigues do Prado:
a.1) ressarcimento em favor da União, solidariamente com a Associação
de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul, de R$ 354.744,00, relativos ao
valor total do prejuízo em 1999 e 2000, a ser corrigido a partir do repasse
indevido e acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação neste feito
(lembre-se que deve ser observada aqui a solidariedade parcial indicada nos
itens "c", "d" e "e" abaixo especificados);
a.2) perda da função ou cargo público que exerça na data do trânsito
em julgado desta sentença;
a.3) pagamento de multa civil individualizada de R$ 354.744,00, correspondente
a uma vez o valor do dano, corrigidos a partir da data da sentença e
acrescidos de juros de 1% ao mês a contar da sua citação;
a.4) suspensão dos direitos políticos por sete anos;
b) Associação de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul:
b.1) ressarcimento em favor da União, solidariamente com Agamenon Rodrigues
do Prado, de R$ 354.744,00, relativos ao valor total do prejuízo em 1999
e 2000, a ser corrigido a partir do repasse indevido e acrescido de juros
de 1% ao mês a partir da citação neste feito (lembre-se que deve ser
observada aqui a solidariedade parcial indicada nos itens "c", "d" e "e"
abaixo especificados);
b.2) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo
prazo de cinco anos;
b.3) pagamento de multa civil individualizada de R$ 354.744,00, correspondente
a uma vez o valor do dano, corrigidos a partir da data da sentença e
acrescidos de juros de 1% ao mês a contar da sua citação;
c) Dagoberto Néri Lima, Neriberto Herradon Pamplona e Rubens Alvarenga:
c.1) ressarcimento em favor da União, solidariamente com Agamenon Rodrigues
do Prado e a Associação de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul, de
R$ 70.704,00, relativos ao valor do prejuízo referente à habilitação
e contratação em 1999, a ser corrigido a partir do repasse indevido e
acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação neste feito (lembre-se
que deve ser observada aqui a solidariedade parcial indicada no item "e"
abaixo especificado);
c.2) perda da função ou cargo público que exerçam na data do trânsito
em julgado desta sentença;
c.3) pagamento de multa civil individualizada de R$ 35.352,00, correspondente a
metade do valor do dano, corrigidos a partir da data da sentença e acrescidos
de juros de 1% ao mês a contar da sua citação, corrigidos a partir da data
da sentença e acrescidos de juros de 1% ao mês a contar da sua citação;
c.4) suspensão dos direitos políticos por seis anos;
d) Luzia Cristina Herradon Pamplona Fonseca, Edson José dos Santos Pamplona
e Rubens Alvarenga:
d.1) ressarcimento em favor da União, solidariamente com Agamenon Rodrigues
do Prado e a Associação de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul, de R$
257.760,00, relativos ao valor do prejuízo em 2000, a ser corrigido a partir
do repasse indevido e acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação
neste feito;
d.2) perda da função ou cargo público que exerçam na data do trânsito
em julgado desta sentença;
d.3) pagamento de multa civil individualizada de R$ 128.880,00, correspondente
a metade do valor do dano, corrigidos a partir da data da sentença e
acrescidos de juros de 1% ao mês a contar da sua citação;
d.4) suspensão dos direitos políticos por seis anos;
e) Zenite Dantas da Silva e Ana Maria Chaves Faustino Tieti:
e.1) ressarcimento em favor da União, solidariamente com Agamenon Rodrigues do
Prado, a Associação de Grupo de Mulheres de Mato Grosso do Sul, Dagoberto
Néri Lima, Neriberto Herradon Pamplona e Rubens Alvarenga, de R$ 10.512,00,
relativos ao valor dos serviços cuja execução atestaram (terceira parcela
do contrato de 1999), a ser corrigido a partir do repasse indevido e acrescido
de juros de 1% ao mês a partir da citação neste feito;
e.2) perda da função ou cargo público que exerçam na data do trânsito
em julgado desta sentença;
e.3) pagamento de multa civil individualizada de R$ 2.628,00, correspondente
a um quarto do valor do dano, corrigidos a partir da data da sentença e
acrescidos de juros de 1% ao mês a contar da sua citação;
e.4) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;
- Nesses termos, a dimensão das sanções aplicadas é orientada pelos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, notadamente em virtude do
grau de participação de cada um dos corréus condenados, reitere-se: (i)
Agamenon e AGM pelo total dos prejuízos, (ii) os membros das comissões de
licitação pelos danos correspondentes às licitações de que participaram
e (iii) as servidoras que atestaram serviços pelo valor da respectiva nota
fiscal. Cada grupo (i, ii e iii), nesses termos, teve graduadas as demais
penalidades com base em suas condutas.
- Contrarrazões de Agamenon conhecidas parcialmente, preliminar das
contrarrazões de Dagoberto e outros rejeitada, bem como, conforme
delimitado nos itens "a" a "e" desta ementa, (i) apelação de Dagoberto e
outros parcialmente provida para diminuir o valor dos ressarcimentos, (ii)
apelação do Ministério Público Federal e reexame necessário parcialmente
providos para aumentar o valor das multas civis e dos prazos de suspensão
dos direitos políticos e da proibição de contratar com o poder público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios e (iii) apelações
de Agamenon e da Associação desprovidas, mantida a sentença no mais.
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE
IMPROBIDADE. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DE PEDIDO
DEDUZIDO EM CONTRARRAZÕES. APELAÇÃO DO MPF CONHECIDA. IRREGULARIDADES
NA HABILITAÇÃO, CONTRATAÇÃO E EXECUÇÃO DE SERVIÇOS RELATIVOS A
RECURSOS PROVENIENTES DO FAT EM EXECUÇÃO DE AÇÕES DE QUALIFICAÇÃO
EM MS. COMPROVAÇÃO. ARTIGO 10, CAPUT E INCISO VIII, DA LIA. APLICAÇÃO
CUMULATIVA DAS SANÇÕES DO ARTIGO 12, INCISO II, DA MESMA LEI. REVISÃO DA
DOSIMETRIA FEITA NA SENTENÇA.
I Questões processuais
- Obrigatório o reexame necessário, pois, embora a Lei nº 7.347/1985
s...
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
21/03/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2262977
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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