TJPA 0007133-60.2013.8.14.0006
SECRETARIA DA 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO COMARCA DE ANANINDEUA/PA APELAÇÃO CÍVEL N° 0007133-60.2013.814.0006 APELANTE: ROQUE SERGIO LOURENÇO BARBOSA APELADO: BANCO VOLKSWAGEN S/A RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ANATOCISMO. COBRANÇA INDEVIDA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. JUROS REMUNERATÓRIOS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO DO VEÍCULO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO interposta por ROQUE SERGIO LOURENÇO BARBOSA contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 10ª Vara Cível de Ananindeua nos autos da AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO ajuizada por BANCO VOLKSWAGEN S/A. A sentença objurgada julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor para declarar rescindido o contrato celebrado entre as partes e consolidar a posse do bem em seu favor (fls. 49/51). Em suas razões recursais (fls. 56/68), o apelante sustenta que, diante da cobrança de encargos vedados em lei e juros abusivos, não teria sido constituído em mora, motivo pelo qual a ação de busca e apreensão deveria ser julgada extinta. Defende que ajuizou ação revisional do contrato que dá amparo a busca e apreensão, motivo pelo qual esta última ação deveria ter sido julgado extinta, diante da ausência de sua constituição em mora. Requer o conhecimento e provimento do presente recurso, a fim de reformar a sentença impugnada para julgar improcedente a demanda. É o relatório. DECIDO Como sabido, no contrato de alienação fiduciária, não satisfeita a obrigação, a instituição financeira, credora fiduciária, pode utilizar-se do procedimento previsto no Decreto-Lei 911/69. É o que prevê caput, do art. 3º do Decreto-Lei 911/69: "Art. 3º. O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor. Dispõe Arnaldo Rizzardo sobre a alienação fiduciária: "Conceitua-se a alienação fiduciária em garantia como o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la tão logo venha a ocorrer o acontecimento a que se subordinara tal obrigação, ou tenha solicitada a restituição. Ou seja, trata-se de um negócio fiduciário de garantia pelo qual o devedor transfere a favor do credor a propriedade de uma coisa móvel, permanecendo ele com a posse, e colocando-se na posição de depositário."(RIZZARDO, Arnaldo, Contratos. Rio de Janeiro: Aide, v. III, p.1213, 1988). Sabe-se que, para obter a liminar, basta ao credor comprovar, com a inicial, a existência do contrato, da garantia de alienação fiduciária e a notificação do devedor ou protesto do título. É verdade que, conforme Súmula 72, do STJ: "A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente". No caso em tela, observa-se que restou comprovada a mora do devedor, conforme se vê dos documentos de fls. 10/12. Verifica-se, ademais, que o apelante não quitou o débito no prazo legal para elidir a mora e consolidar a propriedade do bem em seu poder. Dispõe os art. 3, §§ 1º e 2º, do CPC: Art. 3º (...) § 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004) § 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004) Resta saber se eventual reconhecimento da abusividade dos encargos cobrados, elide ou não a mora. Compulsando os autos, verifica-se que em contestação, o réu alegou a abusividade das cláusulas contratuais. Assim, passo à análise da legalidade das cláusulas questionadas pelo apelante (réu). JUROS CAPITALIZADOS (ANATOCISMO). Por força do art. 5º da MP 2170-36 (reedição das MPs 1.782, 1.907, 1.963, 2.087) e do artigo 4º da MP 2.172-32, a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual é aceita apenas para os contratos firmados a partir de 31/03/2000 e desde que esteja expressamente pactuada. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, orienta que "a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (REsp n. 973827/RS). Esta é a ementa do referido julgado: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÃO REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (REsp 973827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012). Grifo nosso Dessa forma, a partir de 31.03.2000 foi facultada às instituições financeiras, a cobrança de juros capitalizados em periodicidade inferior à anual, desde que expressamente contratado ou que a taxa anual de juros informada no contrato seja superior ao duodécuplo da mensal. A respeito da matéria, confira-se a orientação recentemente emanada do colendo Superior Tribunal de Justiça consubstanciada nas seguintes Súmulas: Súmula 539. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada. Súmula 541. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Com efeito, o contrato foi celebrado em 2012 (fls. 08), portanto, após março de 2000, quando já vigorava a Medida Provisória n. 1.963-17/2000. E, conforme se vê as fls. 07, o pacto traz expressa previsão de que os juros incidentes sobre as prestações do financiamento seriam capitalizados mensalmente. Isso porque, a taxa de juros anual (26,68%) avençada é superior a doze vezes a taxa mensal (1,99%), revelando ter sido efetivamente contratada a cobrança capitalizada de juros, em periodicidade mensal. Deste modo, não há que se falar em ilegalidade na cobrança de juros capitalizados, notadamente quando expressamente convencionado pelas partes. JUROS REMUNERATÓRIOS No tocante aos juros remuneratórios pactuados nos contratos bancários, adoto o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça esposado no REsp. 1.061.530/RS, julgado segundo o rito dos recursos repetitivos, no qual foram firmadas as seguintes orientações, in verbis: "(...) a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...)" (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009). Com efeito, a abusividade dos juros remuneratórios, contratados com as instituições financeiras que compreendem o Sistema Financeiro Nacional, deve ser observada, levando-se em consideração a taxa média de mercado estabelecida pelo Banco Central, bem como as regras do Código de Defesa do Consumidor (Súmula n. 297 do STJ), que coíbem a percepção de vantagem excessiva dos bancos em desfavor dos consumidores (artigos 39, inciso V, e 51, inciso IV). Esta tem sido a posição do e. Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva, quando discrepante da média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, à época da contratação. Nesse sentido: "CIVIL. BANCÁRIO. REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DO MERCADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. POSSIBILIDADE DE CONTROLE E REVISÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, EM CADA CASO, DE EVENTUAL ABUSIVIDADE, ONEROSIDADE EXCESSIVA OU OUTRAS DISTORÇÕES NA COMPOSIÇÃO CONTRATUAL DA TAXA DE JUROS. APURAÇÃO QUE DEVE SER FEITA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, À VISTA DAS PROVAS PRODUZIDAS. 1. O Tribunal de origem considerou abusiva a taxa de juros remuneratórios contratada, ante as peculiaridades do caso. 2. Os precedentes desta Corte têm convergido para que, demonstrado o excesso, deve-se aplicar a taxa média para as operações equivalentes, segundo apurado pelo Banco Central do Brasil. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa". (AgRg no AREsp 81.088/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 15/08/2012) "BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. "AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. REEXAME DE FATOS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. TAXA MÉDIA DE MERCADO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NÃO CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS. - O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. - Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa. - É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual. - Agravo não provido." (AgRg no AREsp 140.283/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012). Da análise do contrato de fl. 07, depreende-se que os juros remuneratórios foram contratados no patamar de 26,68% ao ano. Utilizando-se como parâmetro a tabela de "Taxas de juros das operações ativas", divulgada pelo Banco Central do Brasil, observa-se que a taxa média de mercado para os contratos de financiamento/empréstimo para aquisição de veículos firmados em janeiro de 2011, foi de 27,15%. Desta forma, a taxa de juros prevista no contrato objeto do litígio e aplicada pela instituição financeira apelada, equivalente a 26,68% ao ano, se encontra dentro dos limites de razoabilidade aferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, constatando-se a sua legalidade. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso e mantenho a sentença tal como lançada nos autos. P. R. I. C. Belém/PA, 16 de julho de 2018. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2018.02849355-22, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-07-18, Publicado em 2018-07-18)
Ementa
SECRETARIA DA 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO COMARCA DE ANANINDEUA/PA APELAÇÃO CÍVEL N° 0007133-60.2013.814.0006 APELANTE: ROQUE SERGIO LOURENÇO BARBOSA APELADO: BANCO VOLKSWAGEN S/A RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ANATOCISMO. COBRANÇA INDEVIDA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. JUROS REMUNERATÓRIOS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO DO VEÍCULO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO....
Data do Julgamento
:
18/07/2018
Data da Publicação
:
18/07/2018
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a)
:
MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Mostrar discussão