TJPA 0013891-80.2014.8.14.0051
ORGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO COMARCA: SANTARÉM APELAÇÃO Nº 0013891-80.2014.8.14.0051 APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DOPARÁ PROCURADOR DE JUSTIÇA: ANTÔNIO EDUARDO BARLETE DE ALMEIDA RELATORA: DESA. NADJA NARA COBRA MEDA DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Recurso de Apelação Cível com obrigação de fazer interposta pelo ESTADO DO PARÁ, contra sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 6ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Santarém, nos autos de Ação Civil Pública manejada pelo Ministério Público, em desfavor do apelante e do Município de Santarém. Segundo a exordial de fls. 02/19, em síntese, na qualidade de substituto processual de MANOEL MOURA DE SOUSA portador de doença conhecida como ¿Mal de Parkinson¿, que é uma doença progressiva do sistema neurológico que afeta principalmente o cérebro, requereu a concessão da ordem para que fosse fornecido ao paciente os medicamentos EKSON e ESCITALOPRAM necessário ao tratamento da referida patologia, requerendo a antecipação da tutela pelo Estado do Pará e Município de Santarém. Juntou aos autos receituário médico assinado por médico atestando a necessidade da medicação. O pedido liminar foi deferido às fls. 92/94. Devidamente citados, os Requeridos Município de Santarém e Estado do Pará apresentaram as devidas contestações às fls. 105/111 e 148/158 - verso, respectivamente. Às fls. 130, consta informação por parte do requerido Estado do Pará acerca da interposição de Agravo de Instrumento, anexando a cópia de fls. 131/139, tendo o juiz Relator, em Decisão Monocrática juntada às fls. 144/146, dado provimento ao agravo, para suspender a decisão do juízo a quo apenas no que concernia à cominação de multa por descumprimento com fulcro no § 1º do art. 557 do CPC. As fls. 162/169, o Ministério Público apresentou réplica à contestação. O Juízo a quo prolatou sentença, às fls. 170/173, na qual julgou procedente o pedido do Órgão Ministerial, determinando que ambos os requeridos fornecessem os medicamentos necessários ao tratamento do paciente Manuel Moura de Sousa, confirmando, portanto, os termos da decisão interlocutória que concedeu a antecipação da tutela, julgando extinto o processo com resolução de mérito. Às fls. 176/178, o órgão Ministerial requereu ao juízo a determinação aos requeridos do cumprimento da decisão liminar, uma vez que, em 14 de setembro de 2015, o paciente Manoel compareceu ao Órgão Ministerial para informar o descumprimento da medida liminar, uma vez que há dois meses não estaria recebendo os medicamentos, bem como procurar a SEMSA e Hospital Regional do Baixo Amazonas (SESPA:9ª Regional), lhe era informado não estarem disponíveis os medicamentos conforme Termo de Declaração juntado à fl. 179. O Estado do Pará interpôs Apelação Cível, fls. 184/196, arguindo sua ilegitimidade, entendendo ser competente o Município de Santarém, em virtude da habilitação do Município de Santarém na gestão plena de saúde, pois a prestação reclamada pode ser exigida de cada ente isoladamente, sendo mera faculdade ajuizar ação contra um ente federado ou contra todos. Ao final, pugnou pela procedência do apelo. O D. Juízo do feito recebeu a Apelação, somente no efeito devolutivo. (fls.202). O Ministério Público apresentou de contrarrazões, refutando as alegações do apelante. Defendeu a necessidade da medida. Rechaçou a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado. No mérito recursal requereu seja mantida in totum a decisão proferida pelo juízo a quo. (fls. 208/222 e versos). O Procurador de Justiça Antônio Eduardo Barleta de Almeida manifestou-se pelo Conhecimento e improvimento do recurso de Apelação interposto pelo Estado do Pará. (fls. 231/238 ). É o relatório. DECIDO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA NADJA NARA COBRA MEDA (RELATORA): Ab initio, considerando o enunciado administrativo nº 02 do Superior Tribunal de Justiça, o qual aduz que no que tange aos recursos interpostos com fundamentação no Código de Processo Civil de 1973, relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016, estes devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nesta esteira, passo a apreciar o presente recurso. O recurso atendeu aos pressupostos de admissibilidade e deve ser conhecido. Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Estado do Pará irresignado com a prestação jurisdicional entregue nos autos da Ação Civil Pública com obrigação de fazer aforada pelo representante ministerial em substituição processual à MANOEL MOURA DE SOUSA, onde foi julgado procedente o pedido do Órgão Ministerial, determinando que ambos os requeridos fornecessem os medicamentos necessários ao tratamento do paciente, confirmando, portanto, os termos da decisão interlocutória que concedeu a antecipação da tutela, julgando extinto o processo com resolução de mérito. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARÁ Primeiramente, os artigos 196 da CF/1988 e 153 da CE/1989, asseguram a todos o direito à saúde, incluindo-se, por evidente, o fornecimento de remédios e condições de tratamento àqueles que não disponham de condições financeiras para custear o tratamento, como é o caso do apelante. No mais, cumpre ressaltar que a Constituição Federal, em seu art. 6º, inscreve a saúde como direito social inalienável, reiterando tal proclamação em seu art. 196, adiante transcrito . "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Sobre a responsabilidade oponível a cada um dos entes federados, oportuna é a transcrição do disposto nos arts. 23, II, e 198, 1º, ambos da Constituição da República: "Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. [...] Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] 1. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes." Denota-se, destarte, da conjugação dos dispositivos constitucionais antes reproduzidos, que compete a todos os entes federados (Municípios, Estados, Distrito Federal e União), velar pela saúde de seus administrados. Sobre o tema: "De acordo com os arts. 23, inciso II, c/c art. 198, 1º, da Constituição Federal de 1988, a obrigação no fornecimento de medicamentos é solidária entre todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), podendo o autor da ação, por este motivo, optar de qual deles irá exigi-la". (AI , da Xanxerê, rel. Des. Cid Goulart, j. em 17-8-10). Assim, ocorrendo obrigação solidária das três esferas governamentais da Federação, quanto à garantia de proteção à saúde dos cidadãos, a responsabilidade em fornecer condições de tratamento adequado poderá ser exigida de um ou de todos os entes. Neste sentido: REEXAME NECESSÁRIO - AÇAO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇAO DE FAZER - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - CHAMAMENTO DA UNIÃO - DESNECESSIDADE - LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - OBRIGAÇAO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERADOS - PACIENTE RECEPTOR DE PÂNCREAS E RIM - TRATAMENTO ESPECÍFICO FORA DO DOMÍCILIO - IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM AS DESPESAS - DEVER DE O MUNICÍPIO PRESTAR TRANSPORTE E AJUDA DE CUSTO - FALTA DE DOTAÇAO ORÇAMENTÁRIA - PRIMAZIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE SOBRE O ECONÔMICO - INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO - VIOLAÇAO AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES NAO CARACTERIZADA - SENTENÇA MANTIDA - REMESSA DESPROVIDA (Reexame Necessário n. , de Lages, rel. Des. José Volpato de Souza). Nada obstante, poder o interessado/paciente pleitear de quaisquer dos entes federados os meios necessários à preservação de sua saúde, especificamente no tocante ao pedido de medicamentos há regramento próprio que, in casu, direciona a responsabilidade tanto do Estado como do ente municipal Obstante o disposto em normas infraconstitucionais, ou de cunho meramente administrativo, a parte interessada, neste caso, o paciente, poderá ajuizar a demanda contra todos ou qualquer um dos entes federados, por força da tão repisada responsabilidade solidária. Por conseguinte, não há se falar em ilegitimidade passiva do Estado apelante, diante da responsabilidade solidária existente entre os entes federados para a promoção da saúde de seus cidadãos. Por todo exposto rejeito essa preliminar. MÉRITO No caso focado, através do Ministério Publico o paciente Manoel Moura de Sousa, portador da Doença de Parkinson requereu o fornecimento dos medicamentos EKSON e ESCITALOPRAM, receitados pelo médico, tanto do Estado do Pará como do Município de Santarém; Assim, com acerto o Magistrado a quo ao reconhecer a necessidade urgente e ter deferido a medida liminar. Nesse passo, a atuação do Poder Judiciário em determinar o Poder Executivo o atendimento às necessidades do paciente para tratar de sua saúde não significa violação ao princípio da independência e harmonia dos Poderes já que, no campo de obrigação contraposta a interesse individual indisponível, inexiste discricionariedade administrativa. Dessa forma, não pode a Administração eximir-se dessa obrigação sob quaisquer pretextos, tais como necessidade de prefixação de verbas para o atendimento dos serviços de saúde, existência de outros programas voltados ao tratamento de doenças ou por não se enquadrarem os medicamentos receitados na lista de remédios padronizados do SUS. Desde que comprovada a necessidade do medicamento, insumo ou tratamento e a impossibilidade de sua aquisição pelo paciente, é dever do Estado fornecê-lo. Conforme já advertiu o Supremo Tribunal Federal, ¿o caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado¿ (Ag no RE nº 271.286-RS, rel. Min. Celso de Mello, j. em 12.09.2000). A esse respeito, não discrepa a orientação adotada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça que entende ser ¿obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial as mais graves¿ (cf. REsp nº 507.205-PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 7.10.2003). No mesmo sentido: REsp 771.537-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005; AgRg no REsp nº 1.105.647 RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 17.8.2010; AgRg no REsp nº 1.123.310 SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 1.7.2010). Nem se permite questionamento acerca do medicamento prescrito, uma vez que o profissional da área médica, além de ser responsável pelo tratamento recomendado, é a pessoa mais indicada para aferir qual a melhor forma de tratar as moléstias que acometem seus pacientes, levando em conta peculiaridades clínicas que não comportam discussão nesta sede. Como o escopo central é a preservação da dignidade da pessoa humana e do direto à saúde, qualquer conduta que reflita um comportamento indiferente diante do indivíduo que necessitar de tratamento médico-hospitalar, será censurável e considerada uma omissão no dever de tutelar o bem jurídico maior que é o direito à vida. É conhecido na doutrina que os entes públicos devem oferecer um serviço que atenda às necessidades sociais - tais como as prestações de remédios para portadores de determinadas doenças que sejam também carentes de recursos financeiros para custar-lhes o tratamento - dentro da chamada ¿reserva do possível¿, i.e., de tal maneira que a prestação estatal não vá comprometer o orçamento do ente público, tornando a insustentável. A orientação desta Câmara confirma o entendimento de que os elementos trazidos à baila são suficientes para reconhecer o direito subjetivo individual do impetrante à saúde. De todo expendido conheço do recurso de apelação, e lhe nego provimento, mantendo in totum a sentença de 1º Grau P.R.I. Belém, 27 de março de 2017 NADJA NARA COBRA MEDA DESª. RELATORA
(2017.01209824-85, Não Informado, Rel. NADJA NARA COBRA MEDA, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-05-10, Publicado em 2017-05-10)
Ementa
ORGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO COMARCA: SANTARÉM APELAÇÃO Nº 0013891-80.2014.8.14.0051 APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DOPARÁ PROCURADOR DE JUSTIÇA: ANTÔNIO EDUARDO BARLETE DE ALMEIDA RELATORA: DESA. NADJA NARA COBRA MEDA DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Recurso de Apelação Cível com obrigação de fazer interposta pelo ESTADO DO PARÁ, contra sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 6ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Santarém, nos autos de Ação Civil Pública manejada pelo Ministério Públi...
Data do Julgamento
:
10/05/2017
Data da Publicação
:
10/05/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
NADJA NARA COBRA MEDA
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