TJPI 2016.0001.003341-4
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA, COM PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. NULIDADE PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR. MÉRITO. VENDAS SUCESSIVAS DO MESMO IMÓVEL A SUJEITOS DIFERENTES. NEGÓCIOS JURÍDICOS TRANSLATIVOS. “TÍTULO” E “MODO”. CAUSAS (REMOTA E PRÓXIMA) DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA. ARTS. 1.227 E 1.245 DO CC/02. REGISTRO CARTORÁRIO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ESCRITURA PÚBLICA PARA OS CONTRATOS CUJO VALOR SUPERE 30 SALÁRIOS-MÍNIMOS. ARTS. 107 E 108 DO CC/02. NECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA. ART. 1.647 DO CC/02. IMPOSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DO CONTRATO NULO COMO CESSÃO DE POSSE E PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PRESERVAÇÃO DOS EFEITOS PATRIMONIAIS (ARTS. 182, 884, 885, 1.219 e 1.221 DO CC/02). PROTEÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA DO COMPRADOR DE BOA-FÉ EM CONTRATO DE COMPRA E VENDA FIRMADO EM ESCRITURA PÚBLICA E LEVADO À REGISTRO CARTORÁRIO. DANO MORAL DECORRENTE DA VENDA DE BEM JÁ VENDIDO. CARACTERIZAÇÃO. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDO O DO RÉ, PARCIALMENTE PROVIDO O DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E IMPROVIDO O DOS AUTORES.
1. A prova pericial poderá ser indeferida quando não for essencial ao convencimento do julgador, de maneira que este tem discricionariedade para dar pela desnecessidade de sua produção, caso haja nos autos outros meios de prova suficientes para indicar a realidade dos fatos, em especial quando as partes não assumiram o ônus do pagamento do perito judicial, como ocorreu no caso em julgamento.
2. No caso em julgamento, discute-se a realização de dois negócios jurídicos de transmissão de propriedade de um mesmo imóvel (Fazenda Riachuelo), o primeiro deles, realizado no ano de 2006 e demonstrado por meio de recibo constante nos autos, não foi seguido de registro em cartório de imóveis, e o segundo deles, celebrado em 2009, por meio de escritura pública levada a registro cartorário. Ou seja, discute-se a venda posterior de imóvel já vendido e quitado pelo adquirente anterior, que, contudo, não levou o negócio a registro cartorário.
3. No Direito Brasileiro, à luz da norma do art. 1.227 e 1.245 do CC/02, a forma de transmissão entre vivos do direito real de propriedade imóvel depende, não só da manifestação de vontade das partes, como também do Registro no Cartório de Imóveis. Trata-se de processo complexo que tem como causas aquisitivas da propriedade o “título” – causa jurídica da aquisição da propriedade e que tem efeitos obrigacionais –, e o “modo” – constitutivo de efeitos reais e oponibilidade erga omnes. Dessa maneira, o título sozinho não serve à aquisição da propriedade.
4. No que tange à transferência da propriedade imóvel, há diversos títulos que podem lhe servir de fundamento, como causa remota da obrigação (por exemplo, a compra e venda, a doação, a permuta). Porém, na forma dos arts. 1.227 e 1.245 do CC/02, o registro cartorário é o modo (causa próxima) da aquisição da propriedade imóvel, já que só ele é constitutivo e possui efeitos reais (ao contrário do título, que, sozinho, só gera efeitos obrigacionais).
5. A compra e venda é contrato consensual, pois, quando não submetida à condição ou termo, se torna perfeita e obrigatória desde o acordo do objeto e do preço, na forma dos arts. 481 e 482 do CC/02. Ocorre que, apesar disso, na hipótese de compra e venda de imóvel há diversas formalidades legais que devem ser observadas e que são essenciais a sua validade.
6. Exige-se que os negócios translativos de direito real sobre imóveis sejam realizados por escritura pública, quando seu valor seja superior à trinta vezes o salário-mínimo exigido no país, por força dos arts. 107 e 108 do CC/02. Além disso, pelo art. 1.647 do CC/02, um cônjuge depende da autorização do outro para alienar bens imóveis, ressalvadas as hipóteses previstas em lei. Trata-se de as exigências legais que visam dar maior segurança jurídica aos negócios relacionados à transferência de imóveis, especialmente no que concerne aos efeitos patrimoniais do casamento, quando o regime de bens não for o de separação absoluta. Precedente do STJ.
7. O descumprimento dos requisitos de validade da compra e venda relacionados à escritura pública e à outorga uxória, como ocorreu no caso do primeiro negócio jurídico debatido no caso em julgamento, deve ter como consequência natural a devolução dos valores pagos pelo bem, a devolução dos valores pagos – para restabelecer o status quo ante, evitar o enriquecimento sem causa (arts. 884 e 885 do CC/02) e também garantir a aplicação do art. 182 do CC/02 – bem como a indenização das benfeitorias, cujo cálculo deve ser realizado em conformidade com o arts. 1.219 e 1.221 do CC/02.
8. Antes de declarar esta nulidade no caso concreto e determinar a devolução dos valores pagos, cabe ao julgador verificar a possibilidade de aplicação do art. 170 do CC/02, segundo o qual, mesmo diante de nulidades materiais, deve-se examinar se o negócio inválido contém os requisitos de outro, caso em que ele subsistirá quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
9. Na hipótese em julgamento, o primeiro contrato de compra e venda do imóvel, cuja nulidade material ficou evidenciada, também não pode subsistir como cessão de posse – porque não há como supor a vontade das partes de realizar esse negócio, caso tivessem conhecimento da nulidade – e nem como promessa de compra e venda – porque, em que pese esta não se condicione à escritura pública (arts. 1.417 e 1.418 do CC/02) e ao registro no cartório de imóveis (Súmula 239 do STJ), também depende de outorga uxória do cônjuge (art. 11, §2º, do Decreto nº 58/37; Precedentes do STJ), o que não foi cumprido no caso.
10. Cumpridas as demais formalidades legais, o contrato de compra e venda realizado por meio de escritura pública tem tanto efeitos patrimoniais, como efeitos reais, na linha do que ocorreu com o segundo contrato debatido neste julgamento, de modo que deve ser protegido o direito de propriedade imobiliária do comprador de boa-fé do imóvel, na forma dos arts. 1.227 e 1.245 do CC/02, e mantido o respectivo registro imobiliário feito em seu nome. Ao contrário, àquele que figurou como adquirente em negócio jurídico translativo da propriedade imóvel realizado sem o cumprimento das formalidades legais e que não foi levado a registro cartorário, somente podem ser garantidos os efeitos patrimoniais.
11. Pelos princípios da inscrição e da prioridade registral, a constituição, transmissão, modificação ou extinção dos direitos reais sobre imóveis estão condicionadas à sua inscrição no registro de imóveis, e, além disso, a aquisição do direito real se efetiva na pessoa daquele que primeiro busca a proteção registral (desde que reúna as condições exigidas), ou seja, a prioridade de aquisição do direito real é determinada pelo momento da apresentação do título para registro, como se extrai dos arts. 190 a 192 da Lei dos Registros Públicos (nº 6.015/73).
12. A venda de imóvel “já vendido” representa quebra da boa-fé contratual e gera dano moral indenizável, na forma dos arts. 186 e 927 do CC/02. Dano moral fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
13. Recurso conhecidos, sendo totalmente provido o da ré, parcialmente provido o do Ministério Público Estadual, e improvido o dos autores.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2016.0001.003341-4 | Relator: Des. José James Gomes Pereira | 2ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 24/04/2018 )
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APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA, COM PEDIDO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. NULIDADE PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR. MÉRITO. VENDAS SUCESSIVAS DO MESMO IMÓVEL A SUJEITOS DIFERENTES. NEGÓCIOS JURÍDICOS TRANSLATIVOS. “TÍTULO” E “MODO”. CAUSAS (REMOTA E PRÓXIMA) DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA. ARTS. 1.227 E 1.245 DO CC/02. REGISTRO CARTORÁRIO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ESCRITURA PÚBLICA PARA OS CONTRATOS CUJ...
Data do Julgamento
:
24/04/2018
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. José James Gomes Pereira
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