TRF3 0007958-41.2006.4.03.6100 00079584120064036100
CIVIL E PROCESSO CIVIL. SFH. REVISÃO CONTRATUAL. REAJUSTE DA PRESTAÇÃO
MENSAL. AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. ONEROSIDADE
EXCESSIVA. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL. DL N. 70/66 E CONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO DA RÉ
PARCIALMENTE PROVIDA. DESPROVIDO APELO DA PARTEA AUTORA.
1. Analisados os autos, verifica-se que os mutuários firmaram com a Federal
São Paulo SA, em 26\08\1986, "instrumento particular de compromisso de
compra e venda". Em 22\12\1983 o agente financeiro cedeu e transferiu,
a título de dação em pagamento, os direitos creditórios decorrentes
daquela compra e venda. Entre as cláusulas estabelecidas no respectivo
contrato estão as relacionadas à amortização do saldo devedor (PRICE),
ao plano de reajuste das prestações mensais (UPC) e ao prazo devolução
do valor emprestado (120 prestações mensais).
2. Da análise da cláusula quinta do contrato em questão tem-se que restou
acordado entre as partes que o primeiro reajuste das prestações, assim
como os posteriores, seria efetuado, trimestralmente, na mesma proporção
de variação da Unidade Padrão de Capital (UPC), e não com base em plano
de equivalência salarial como pretende a autora nas razões de apelação.
3. Os boletos de cobrança emitidos pela ré (fls.99\134) demostram que os
valores pagos pela autora foram superiores a aqueles apontados na planilha
de evolução de financiamento carreada aos autos (fls.239\247), motivo pelo
qual improcedem os argumentos da CEF de que os pagamentos realizados pelos
mutuários foram computados integralmente pelos valores que ela imputa como
devido, mês a mês.
4. Nos contratos habitacionais, a amortização do saldo devedor, em face
do pagamento das prestações, deve ser feita somente após a atualização
deste e após a incidência dos juros e demais encargos pactuados. Assim,
se o contrato previu a incidência de juros e atualização monetária, estas
precedem à amortização da dívida. Caso contrário, se o mutuário quitasse
a dívida no mês seguinte ao da contratação não haveria incidência de
quaisquer encargos, raciocínio que não se sustenta.
5. Vale salientar que, sobre o tema, o C. Superior Tribunal de Justiça
pacificou o entendimento ao editar a Súmula n. 450. "Nos contratos vinculados
ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo
pagamento da prestação".
6. Conquanto não haja ilegalidade na aplicação da Tabela Price para
amortização do débito e, em regra, ela não implique em amortização
negativa, o caso dos autos é peculiar. Com efeito, o perito judicial,
por meio do laudo de fls. 358/368, constatou que "a defasagem existente
entre a periodicidade de reajustamento da prestação e do saldo devedor
provocou desequilíbrio contratual. Este desequilíbrio fez com que o valor
pago pelo mutuário em alguns momentos fosse insuficiente para pagamento dos
juros mensais devidos sobre o saldo do mútuo. Quando da ocorrência desta
insuficiência de pagamento dos juros, o resíduo não pago foi incorporado
ao saldo devedor gerando o chamado anatocismo visto que nos meses subsequentes
ele passou a receber a incidência de novos juros". Nesse contexto, constatada
a prática de anatocismo (amortização negativa), impõe-se a revisão do
cálculo do saldo devedor, com a elaboração de conta em separado para as
hipóteses de amortização negativa apontada pela perícia, sobre a qual
deverá incidir apenas correção monetária e sua posterior capitalização
anual.
7. É certo que a aplicação da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor) aos contratos bancários encontra amparo em entendimento
consolidado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por nestes reconhecer
a existência de relação de consumo, nos termos do art. 3º, § 2º. A
incidência dessas regras, porém, não desonera a parte requerente do ônus
de comprovar suas alegações. Contudo, isso não ocorreu na hipótese
dos autos. Os elementos probatórios contidos nos autos evidenciam que o
agente financeiro, de modo geral, cumpriu os termos pactuados, não restando
caracterizada a ilegalidade e abuso invocado pelos autores. Dessa forma,
não cabe cogitar de lesão contratual com fundamento no Código de Defesa
do Consumidor, porquanto os critérios de reajustamento das prestações
mensais, demais encargos e do saldo devedor restaram claramente especificados
no contrato entabulado entre as partes.
8. Em razão do reconhecimento da revisão contratual, a inclusão dos nomes
dos mutuários nos órgãos de proteção ao crédito deve ser obstada, ficando
resguardado ao agente financeiro o direito proceder à nova reinserção,
caso seja apurado débito em desfavor dos autores, e não haja a respectiva
quitação no prazo previsto em lei.
9. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica sobre a
constitucionalidade do procedimento adotado pela Caixa Econômica Federal na
forma do Decreto-Lei n. 70/1966, não ferindo qualquer direito ou garantia
fundamental do devedor, uma vez que além de prever uma fase de controle
judicial antes da perda da posse do imóvel pelo devedor, não impede
que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento da venda
do imóvel seja reprimida pelos meios processuais próprios. Confira
os seguintes julgados: "EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº
70/66. CONSTITUCIONALIDADE. Compatibilidade do aludido diploma legal com
a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle
judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia
pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada
no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais
adequados. Recurso conhecido e provido." (RE 223075, ILMAR GALVÃO,
STF.) "AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI 70, DE
1966. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS INCISOS XXXV, LIV E LV DO ART. 5º DA
CONSTITUIÇÃO. Por ser incabível a inovação da questão, em sede de agravo
regimental, não se conhece da argumentação sob o enfoque de violação
do princípio da dignidade da pessoa humana. Os fundamentos da decisão
agravada mantêm-se por estarem em conformidade com a jurisprudência desta
Corte quanto à recepção do Decreto-Lei 70, de 1966, pela Constituição de
1988. Agravo regimental a que se nega provimento." (AI-AgR 312004, JOAQUIM
BARBOSA, STF.) "execução extrajudicial. Recepção, pela Constituição
de 1988, do Decreto-lei n. 70/66. Esta Corte, em vários precedentes
(assim, a título exemplificativo, nos RREE 148.872, 223.075 e 240.361),
se tem orientado no sentido de que o Decreto-lei n. 70/66 é compatível
com a atual Constituição, não se chocando, inclusive, com o disposto
nos incisos XXXV, LIV e LV do artigo 5º desta, razão por que foi por ela
recebido. (....)" (STF, 1ª Turma, RE n. 287453/RS, rel. Min. Moreira Alves,
j. em 18.9.2001, DJU de 26.10.2001, p. 63).
10. Nesse contexto, assentada a constitucionalidade do DL n. 70/66, não
se reveste de ilegalidade alguma a cláusula contratual que prevê a
possibilidade de execução da dívida com base no DL n. 70/66, todavia
a continuidade do procedimento de execução apenas se revela legítima
caso o crédito a favor da parte autora, decorrente da revisão contratual
ora reconhecida, seja insuficiente para quitar a dívida, devendo o agente
financeiro previamente intimar os mutuários para purgação da mora, no
prazo previsto na legislação.
11. Apelação da ré parcialmente provida. Desprovida recurso de apelação
da parte autora.
Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. SFH. REVISÃO CONTRATUAL. REAJUSTE DA PRESTAÇÃO
MENSAL. AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. ONEROSIDADE
EXCESSIVA. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL. DL N. 70/66 E CONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO DA RÉ
PARCIALMENTE PROVIDA. DESPROVIDO APELO DA PARTEA AUTORA.
1. Analisados os autos, verifica-se que os mutuários firmaram com a Federal
São Paulo SA, em 26\08\1986, "instrumento particular de compromisso de
compra e venda". Em 22\12\1983 o agente financeiro cedeu e transferiu,
a título de dação em pagamento, os direitos creditór...
Data do Julgamento
:
03/09/2018
Data da Publicação
:
11/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1584494
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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