TJPA 0022873-12.2014.8.14.0301
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 2014.3.019403-9 COMARCA DE ORIGEM: BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM ADVOGADO: MARCELO AUGUSTO TEIXEIRA DE BRITO NOBRE (PROCURADOR) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROMOTOR: SUELY REGINA AGUIAR CRUZ RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEERATIVOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A responsabilidade na realização de exames médicos é solidária entre União, Estados e Municípios. Eventual discussão acerca da repartição de responsabilidade compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, de forma que não pode o particular ter limitado seu direito à saúde, garantido constitucionalmente, por ato da Administração Pública. 2. Precedentes do STJ e STF. 3. Eventuais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir como justificativa para negar o direito à saúde e à vida, garantidos constitucionalmente, não havendo que se cogitar, desse modo, da incidência do princípio da reserva do possível, dada a prevalência do direito em questão. 4. Recurso conhecido e desprovido. DECISÃO MONOCRÁTICA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo, com fulcro no artigo 522 e seguintes do CPC, manejado por MUNICÍPIO DE BELÉM, em face da r. decisão proferida pelo MM Juízo de Direito da 2ª Vara de Fazenda da Comarca de Belém, que antecipou os efeitos da tutela, nos autos da Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará, processo 0022873-12.2014.8.14.0301, determinando que o Município de Belém, ora agravante e o Estado do Pará, forneçam à paciente Jacimar Pires a realização do exame de estudo urodinâmico, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) em caso de descumprimento da medida liminar. Em síntese, o Agravante pugna preliminarmente pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa do agravado, requerendo o provimento do recurso em face da ausência de uma das condições da ação, conforme art. 267, VI do CPC. No mérito alega a ausência de sua responsabilidade no custeio da realização do exame médico requisitado, diante da ausência de orçamento específico para implementar a decisão judicial combatida, pois está adstrito a sua disponibilidade orçamentária. Aduz que não há solidariedade em relação à obrigação na prestação de serviços de saúde, tal como o pleiteado na presente demanda, de forma que não há responsabilidade do Município em custear exames que estão alheios à sua competência. Sustenta que a decisão poderá causar lesão grave e de difícil reparação, além de prejuízo financeiro ao ente municipal. Desse modo, Requereu a concessão da liminar para imediata suspensão dos efeitos da decisão agravada, e o provimento do Agravo, para que seja reformada a decisão combatida. Coube-me relatar o feito por distribuição. Em decisão às fls. 75-81 foi indeferido o pedido de efeito suspensivo ao recurso; Na mesma ocasião foi determinada a intimação do agravado para querendo, apresentar contrarrazões, bem como, foram solicitadas informações ao Juízo a quo. As informações foram apresentadas pelo Juízo de piso às fls. 85. Contrarrazões ao agravo de instrumento apresentadas pelo agravado às fls. 87-98, pugnando pela total improcedência do recurso. Parecer do Ministério Público de segundo grau às fls. 102-110, manifestando-se pelo conhecimento de desprovimento do recurso. É o relatório. D E C I D O: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso, eis que tempestivo e adequado à espécie, passo então a análise das razões recursais. Procedo ao julgamento na forma monocrática por ser matéria cristalizada no âmbito da Jurisprudência do STF e STJ. Cinge-se a controvérsia acerca da decisão que concedeu tutela antecipada ao agravado para determinar que os agravados forneçam à paciente Jacimar Pires e ao segundo agravado aos demais pacientes do Estado o exame de estudo urodinâmico, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Inicialmente esclareço que o recurso de agravo de instrumento restringe-se em analisar o acerto ou desacerto da decisão recorrida, sendo vedado o conhecimento de matérias não decididas pelo Juízo de origem, sob pena de supressão de instancia. Desta forma, a preliminar suscitada pelo recorrente sobre a ilegitimidade ativa, além não constar na decisão agravada, ainda não foi objeto de deliberação pelo Juízo de piso, de forma que não há como ser analisada no presente recurso. Quanto ao mérito recursal não assiste razão ao agravante quanto a sua alegação de ausência de responsabilidade e de solidariedade entre os entes federativos. É firme o entendimento de que o Sistema único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de forma que qualquer dessas entidades tem a responsabilidade com a garantia do direito à saúde para pessoas desprovidas de recursos financeiros. A Constituição Federal em seu art. 196, disciplina a saúde como "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". De acordo com o artigo transcrito acima, extrai-se que o direito à saúde é garantido a todos, sendo um dever estatal no qual este assume o caráter inquestionável de assegurar o próprio direito à vida e à sua proteção em todas as formas, dentre os quais se inclui o tratamento médico incluindo a realização de exames e o fornecimento de medicamentos. Ora é inquestionável que a Constituição Federal estabeleceu a responsabilidade não só aos Estados, mas atribuiu a responsabilidade compartilhada entre todos os entes da federação, ou seja, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pela prestação de serviços de saúde. Trata-se, indubitavelmente, de competência comum, na esteira do que dispõe o art. 23, II, da CF/88, não cabendo no caso presente o agravante buscar se eximir do cumprimento de suas funções, até porque o cidadão não pode ficar submetido aos meandros da administração, mormente quando se trata de situação que envolva o direito à saúde e a vida, bem maior a ser resguardado no caso em tela em que a paciente necessita com urgência da realização de exame urodinâmico necessário ao andamento do seu tratamento de saúde. Nessa senda, tratando-se a questão de direito à saúde, onde todos os entes da federação são responsáveis solidariamente, não há como prevalecer a tese do recorrente de que não possui responsabilidade com o tratamento de saúde na forma pretendida nesta demanda. Registro ainda que a Constituição da República atribui à União, aos Estados e aos Municípios, competência para ações de Saúde pública, devendo cooperar, técnica e financeiramente entre si, mediante descentralização de suas atividades, com direção única em cada esfera de governo (Lei Federal n.º 8.080 de 19/09/1990, art. 7º, IX e XI) executando os serviços e prestando atendimento direto e imediato aos cidadãos (art. 30, VII da Constituição da República). Assim, não há como prosperar a alegação de ausência de responsabilidade do agravante. Nesse sentido, o STF já decidiu: ¿AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. OBRIGAÇÃO SOLÍDARIA ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO EM MATÉRIA DE SAÚDE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355-AgR/RN, fixou entendimento no sentido de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária. II - Ao contrário do alegado pelo impugnante, a matéria da solidariedade não será discutida no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Março Aurélio. III - Agravo regimental improvido. (AI 808059 AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-020 DIVULG 31/01/2011 PUBLIC 01/02/2011). (Grifo NoSso).¿ Igualmente o Superior Tribunal de Justiça vem assim decidindo, conforme julgado, in verbis: ¿RECURSO ESPECIAL Nº 1.529.096 - PE (2015/0098170-3) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE: UNIÃO, RECORRIDO: MARIA JAQUELINE DE SOUZA ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO INTERES. MUNICIPIO DE PETROLINA PE INTERES.: ESTADO DE PERNAMBUCO INTERES.: ADRIANA CRIZOSTOMO DA SILVA. DECISÃO Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, a, da CF) interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região cuja ementa é a seguinte: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE PETROLINA. PORTADORA DE PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IDIOPÁTICA. DIREITO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. EXISTÊNCIA. 1. Discute-se se a autora, ora apelada, portadora de Púrpura Trombocitopênica Idiopática, faz jus a que os entes apelantes sejam compelidos a lhe fornecer o medicamento MABTHERA; 2. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no polo passivo de demandas dessa natureza; 3. É obrigação do Estado garantir a saúde dos cidadãos, competindo-lhe proporcionar o tratamento médico adequado, bem como fornecer os equipamentos e medicamentos excepcionais, ainda que não constantes da lista do SUS; 4. A imputação ao Executivo, pelo Judiciário, da obrigação de custear medicamentos, não implica indevida intromissão na lei orçamentária, nem atenta contra o Princípio da Separação dos Poderes; 5. No caso em apreço, restou demonstrada a necessidade do medicamento requerido, através dos documentos acostados aos autos; 6. Apelações e remessa oficial improvidas. [¿]. Em relação ao mérito, melhor sorte não assiste à União. No que tange à suposta ilegitimidade passiva da União, este Tribunal Superior firmou jurisprudência no sentido de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios. Dessa forma, qualquer um destes Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo da demanda. Cito precedentes: ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE PRÓTESE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO EXCLUSIVA DA PARTE VENCIDA. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer destas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia de acesso a prótese para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedente. 2. A parte que litigou e sucumbiu no processo deve ser onerada exclusivamente com o pagamento dos honorários advocatícios. Inviável que tal condenação recaia sobre terceira pessoa que não tenha participado da relação processual. Precedente. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AgRg no AREsp 391.894/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 05/12/2013). [...] Finalmente, quanto à necessidade e eficiência do medicamento, é evidente que, para modificar o entendimento firmado no acórdão recorrido, seria necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, vedada em Recurso Especial, conforme Súmula 7 desta Corte: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial". Diante do exposto, nos termos do art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao Recurso Especial. (STJ - REsp: 1529096 PE 2015/0098170-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 19/06/2015). (Grifos Nossos).¿ Também não prospera a pretensão de reforma da decisão por ofensa ao princípio da reserva do possível. É que, as normas protetivas da Fazenda Pública não podem prevalecer ante as garantias fundamentais previstas constitucionalmente; pelo contrário, o direito à vida sobrepõe-se a qualquer outro valor, o que afasta, igualmente, quaisquer teses relativas à falta de previsão orçamentária, como a escassez de recursos na forma alegada pelo Agravante. Assim, a tese da reserva do possível não é oponível ao direito pretendido que prevalece, porquanto eventuais limitações ou dificuldades financeiras não podem servir como justificaiva para negar o direito à saúde e à vida, garantidos no plano constitucional. Por fim, no que tange ao argumento de que não estão preenchidos os requisitos para o deferimento da medida liminar, entendo que os requisitos previstos no art. 273 do CPC estão plenamente demonstrados, notadamente mediante os documentos carreados aos autos que demonstram a prova inequívoca e verossimilhança das alegações do agravado, diante das incessantes tentativas em realizar o exame, bem como, o risco de dano grave e de incerta reparação, consubstanciado no possível agravamento do quadro de saúde com a demora demasiada ou não realização do exame de estudo urodinâmico. Assim, estando preenchidos os requisitos necessários ao deferimento da liminar, e, não tendo o agravante logrado êxito em desconstituir os fundamentos da decisão agravada, CONHEÇO E DESPROVEJO DO RECURSO, mantendo in totum a decisão agravada. P. R. Intimem-se a quem couber. Após o trânsito em julgado da decisão promova-se a respectiva baixa nos registros de pendência referente a esta Relatora. Dê-se ciência desta Decisão ao juízo de piso. À Secretaria para as devidas providências. Belém (pa), 29 de janeiro de 2016. Desa. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES Desembargadora Relatora
(2016.00327673-39, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2016-02-03, Publicado em 2016-02-03)
Ementa
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 2014.3.019403-9 COMARCA DE ORIGEM: BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM ADVOGADO: MARCELO AUGUSTO TEIXEIRA DE BRITO NOBRE (PROCURADOR) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROMOTOR: SUELY REGINA AGUIAR CRUZ RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEERATIVOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO....
Data do Julgamento
:
03/02/2016
Data da Publicação
:
03/02/2016
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
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