REsp 1528102 / PRRECURSO ESPECIAL2015/0087545-9
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. JUIZ. AMIZADE ÍNTIMA COM ADVOGADO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO PRESENTE. DANO AO ERÁRIO OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública objetivando a condenação do réu nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/1992, por infringência ao disposto no art. 11, caput e I, do referido diploma legal. Segundo o autor, o réu praticou, no exercício da função de Juiz do Trabalho, atos de improbidade administrativa incompatíveis com a magistratura, consistentes em: a) alteração de minuta elaborada por seu assessor, em decorrência de amizade com advogado da reclamante; b) obtenção de empréstimo bancário sem proceder ao respectivo pagamento; c) favorecimento de auxiliar do juízo, mediante a designação de somente um profissional para a elaboração de cálculos, com a fixação de honorários em valor elevado.
PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO 2. O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.
3. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992 requer a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico.
4. O dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas. (AgRg no REsp 1.539.929/MG, Rei. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2/8/2016).
5. Quanto à existência do elemento subjetivo, o v. acórdão recorrido narra fatos que reputa incontroversos, caracterizadores indubitavelmente de improbidade administrativa e, ao contrário do que esperava, chega à conclusão de inexistência de improbidade, como se extrai da leitura do voto impugnado: "Infere-se da análise das provas produzidas que o réu Antônio Cezar Andrade, no exercício do cargo de juiz do trabalho, alterou minuta elaborada por seu assessor, para dar provimento a pedido de reclamante defendida pelo advogado Hugo Celso Castanho, seu amigo íntimo. Além disso, contrariando orientação de sua Corregedoria, persistiu na designação de uma única Contadora, Joseanne de Oliveira Zanelato, para elaboração de cálculos em reclamatórias trabalhistas que tramitavam em sua Vara. Também contraiu empréstimo bancário, com aval de sua Contadora, e deixou de pagar algumas parcelas na data do vencimento.
Esses fatos são incontroversos. Todavia, não se extrai desse contexto fático - notadamente por falta de substrato probatório minimamente suficiente - irregularidade hábil a configurar improbidade administrativa". (fl. 2.632). 6. Entretanto, todos os atos foram praticados de livre vontade e o elemento subjetivo é inseparável das condutas.
7. Não se olvida que, apenas na vigência do CPC/2015, ser o juiz amigo íntimo ou inimigo do advogado de alguma das partes passa a ser causa de suspeição, não havendo tal previsão no CPC de 1973. A propósito: REsp 600.737/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 26.9.2005; REsp 4.509/MG, Rel. Min.
Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ 26.11.1990. 8. Contudo, em casos como o presente, em que a Corte local expôs em minúcias a relação com altíssimo grau de intimidade entre o juiz e o advogado, superando a simples amizade, concluindo ser incontroverso nos autos tal fato, caracterizada está a ofensa ao dever de imparcialidade objetiva do juiz, sendo certo que o próprio magistrado confirmou a aquisição de bens em conjunto com advogado (uma sala comercial em Curitiba e um apartamento em Florianópolis) e a utilização de automóvel do causídico: "é incontroverso que o Autor possuía amizade com o Dr. Hugo Castanho, tanto é que o Réu mencionou em seu depoimento que possuía 'um grau de amizade anterior' com o advogado, mesmo antes dele ser advogado (...). O Réu nega ter custeado a faculdade do Dr. Hugo (...), mas afirma ter adquirido alguns bens em conjunto com o advogado: uma sala comercial em Curitiba e um pequeno apartamento de veraneiro em Florianópolis (...). O Réu aceitou a doação de um cachorro do advogado e afirmou ter utilizado um carro que estava em nome do Dr. Hugo, adquirido porque estava com restrições cadastrais" (fl. 2.632-2.633). 9. No caso em concreto, é inconteste que o magistrado não desconhecia o vínculo estreito entre ele e o advogado, ao ponto de prejudicar a percepção objetiva da sociedade quanto à imparcialidade do juiz, o que viola não só a Lei Orgânica da Magistratura como o princípio da moralidade administrativa, enunciado no art. 11 da Lei 8.492/1992. Na descrição dos fatos pelo Tribunal de origem, está patente o dolo genérico no comportamento do magistrado. Tais condutas, como descritas pelo Corte a quo, espelham inequívoco dolo, ainda que genérico.
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E A OFENSA A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS 10. A Corte local, mantendo o decidido na sentença, expôs que "apesar das orientações da Corregedoria para haver modificação na forma de nomeação de peritos, nada se comprovou a respeito da suposta irregularidade existente na atuação de Josiane, tampouco que ela ou o Réu tiraram algum proveito financeiro da situação" (fl. 2.634) e que "não havendo (...) enriquecimento sem causa do Réu ou da Contadora, não há que se falar em ato de improbidade" (fl. 2.634).
11. Entretanto, quanto ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, a jurisprudência do STJ, com relação ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em regra, independe da ocorrência de enriquecimento ilícito ou de dano ao Erário. Nesse sentido: REsp 1.320.315/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 20.11.2013, AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28.5.2015, REsp 1.275.469/SP, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 09/03/2015, e AgRg no REsp 1.508.206/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5.8.2015.
CONCLUSÃO 12. Verificada a ofensa aos princípios administrativos, em especial o princípio da moralidade administrativa, configurado está o ato ímprobo do art. 11 da Lei 8.429/1992.
13. Recurso Especial provido.
(REsp 1528102/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 12/05/2017)
Ementa
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. JUIZ. AMIZADE ÍNTIMA COM ADVOGADO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO PRESENTE. DANO AO ERÁRIO OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública objetivando a condenação do réu nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/1992, por infringência ao disposto no art. 11, caput e I, do referido diploma legal. Segundo o autor, o réu praticou, no exercício da função de J...
Data do Julgamento
:
02/05/2017
Data da Publicação
:
DJe 12/05/2017
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
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