TJPA 0023731-39.2015.8.14.0000
D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DO PARÁ, devidamente representado por procurador habilitado nos autos, com esteio no art. 522 e ss., do CPC, contra decisão interlocutória proferida pelo douto juízo da 1ª Vara de Fazenda da Comarca da Capital que, nos autos da AÇÃO CÍVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR Nº 0021904-60.2015.814.0301 ajuizada pelo agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, deferiu a liminar pleiteada nos seguintes termos (fls. 176/179): (...) Passo a analisar o pedido liminar. O art. 273 do CPC c/c art. 12 da Lei nº 7.347/85 permitem ao juiz, em qualquer fase do processo, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida na inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação em decorrência na demora na prestação jurisdicional. Todos os requisitos à antecipação da tutela estão presentes no caso concreto. Pela documentação acostada aos autos, não há dúvidas quanto ao estado de saúde da requerente, bem como da necessidade de utilização do medicamento prescrito, a fim de lhe garantir melhoras a sua saúde. O direito à saúde está inserto no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988, expresso no art. 6º do diploma referido, que trata dos direito sociais. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifei) Adiante, a Carta Constitucional, disciplina a Saúde no art. 196, dispondo o seguinte: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Os direitos socais consistem, em verdadeiros poderes de se exigir perante o Estado, responsável por atender a esses direitos, a contraprestação sob forma de prestação dos serviços de natureza social (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49-51), dentre os quais se insere o direito à saúde, conforme se constata dos artigos supramencionados. Portanto, convém concluir que, os direitos sociais, enquanto dimensão dos direitos fundamentais, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 286) Como se observa, o litígio em questão gira em torno de um bem tutelado pelo ente público de notória importância: a saúde, que, enquanto direito social, cumpre ao Estado proteger, recuperar e promover ações que viabilizem o livre acesso dos cidadãos de forma universal e igualitária, de modo a dá efetividade à norma constitucional. Não se pode deixar de notar ainda que a saúde é indissociável do direito à vida, eis que este direito, esculpido no art. 5º da Constituição Federal, transcende o direito de não ser morto, de permanecer vivo, mas também refere-se ao direito de ter uma vida digna (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 748). Por conseguinte, a Constituição, ao assegurar a inviolabilidade do direito à vida, não quis proteger somente seu aspecto material, a integridade física, mas também os aspectos espirituais que envolvem a vida de uma pessoa. Na ocasião, faz-se oportuno o comentário de JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES: Acreditamos, no entanto, que o direito à vida vai além da simples existência física. (...) O direito à vida que se busca através dos Direitos Humanos é a vida com dignidade, e não apenas sobrevivência. Por esse motivo, o direito à vida se projeta de um plano individual para ganhar a dimensão maior de direito (...), sendo, portanto, a própria razão de ser dos Direitos Humanos A autora roga ao judiciário, pois necessita utilizar o medicamento pleiteado, pois a enfermidade que a consome só piora a cada dia que passa, e esta tutela pretendida representa, em consequência, a afirmação de sua própria dignidade com a melhoria de sua qualidade de vida. Ocorre que, embora tenha buscado a assistência gratuita do Estado, isso não lhe foi garantido. Não pode este juízo permitir que essa situação permaneça, eis que seria ilegal e sobremaneira desumano. A Dignidade Humana é princípio basilar proclamado pela Carta Magna: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; Em comentário a norma constitucional em epígrafe, ALEXANDRE DE MORAIS consigna que o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como consequência imediata da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. A Dignidade da Pessoa Humana corresponde ao fundamento do princípio do Estado de Direito e vincula não apenas o administrador e o legislador, mas também o julgador e o operador do direito. Neste sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente, promoção, proteção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos (¿). (grifei) (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 110) A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de "ser" humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assentada sobre o assunto: E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.(RE 393175 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 02-02-2007 PP-00140 EMENT VOL-02262-08 PP-01524) Assim, não garantir a assistência médica pleiteada é uma forma de desrespeito a vida da envolvida. Não seria ético tampouco legal permitir a convivência da parte autora sem o tratamento adequado a sua enfermidade, capaz de minimizar seu sofrimento. Assim, com lastro no art. 273 c/c art. 12 da Lei nº 7.347/85, defiro os efeitos da liminar requerida na inicial, para determinar aos requeridos Estado do Pará e Hospital Ophir Loyola o seguinte: a) Forneça gratuitamente, continuamente, regularmente e na quantidade prevista nas respectivas prescrições médicas, o medicamento BRENTUXIMABE VEDOTINA, a Sra. PAMMERA MARTINS DA SILVA, no prazo de 48h (quarenta e oito horas), sob pena de multa de R$ 10.000,00 (Dez mil reais) por cada dia de atraso. CITEM-SE os Requeridos, para, querendo, no prazo legal de 60 (sessenta) dias, apresentar resposta à ação. Servirá o presente, por cópia digitada, como MANDADO, nos termos do Prov. Nº 03/2009 da CJRMB TJE/PA, com a redação que lhe deu o Prov. Nº 011/2009. Cumpra-se como medidas urgentes. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Belém, 09 de Junho de 2015. MARISA BELINI DE OLIVERIA Juíza de Direito, Respondendo pela 1ª Vara de Fazenda da Capital. Em suas razões recursais (02/32), o agravante argumentou, preliminarmente em síntese, [1] a incompetência da Justiça Estadual para apreciar a matéria que é da competência da Justiça Federal; [2] da ilegitimidade ativa do Ministério Público; [3] ilegitimidade passiva do Estado, responsabilidade da União pela incorporação, exclusão ou alteração no SUS de novos medicamentos, sendo o mesmo competente para dispor sobre a RENAME (art. 26 do Decreto 7.508; [4] ilegitimidade passiva do Estado, responsabilidade direta do Hospital Ophir Loyola. No mérito, fez uma breve analise do modelo brasileiro de saúde pública e aduziu acerca da inexistência de direto subjetivo tutelado de imediato, devido ao Poder Público garantir o direito a saúde através de políticas públicas e o comprometimento do princípio da universalidade do acesso a saúde. Asseverou dos limites orçamentários que o Estado dispõe e sobre o princípio da reserva do possível, afirmando da problemática atual acerca dos altos custos de medicamentos prescritos e do dever do Estado em prestar atendimento à saúde sob a égide do princípio da universalidade. Pontuou sobre a invasão do juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública e da necessidade de aplicação de prazo razoável para cumprimento de liminar, proporcionalidade e razoabilidade da multa. Por fim, requereu o conhecimento e provimento do seu recurso, nos termos lançados. Juntou aos autos documentos de fls. 33/219 dos autos. Coube-me a relatoria do feito (fl. 220). Vieram-me conclusos os autos (fl. 221v). É o relatório. DECIDO. O recurso comporta julgamento imediato na forma do art. 557, do CPC. Com efeito, a firme e atual orientação do Supremo Tribunal Federal ventila que o direito à saúde é dever do Estado, lato sensu considerado, a ser garantido modo indistinto por todos os entes da federação, com esteio nos artigos 6º, 23, II e 196, da Constituição Federal, independentemente de previsão do fornecimento do insumo pleiteado junto ao SUS. Nesse sentido: RE nº 557.548/MG, CELSO DE MELLO; RE nº 195.192-RS, MARCO AURÉLIO; RE nº 242.859-RS, ILMAR GALVÃO; RE nº 255.627 AgR-RS, NELSON JOBIM; e a STA 175-CE, GILMAR MENDES. E destaco: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (...) 4. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ¿APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE PÚBLICA. FORNECI-MENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS. DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO - ART. 196, CF. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ENTRE A UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. 1) O Estado do Rio Grande do Sul é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de fraldas geriátricas, uma vez que há obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios. 2) Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196 da Constituição Federal. É direito do cidadão exigir e dever do Estado (lato sensu) fornecer medicamentos e tratamentos indispensáveis à sobrevivência, quando o cidadão não puder prover o sustento próprio sem privações. Presença do interesse de agir pela urgência do tratamento pleiteado. 3) Redução da verba honorária, em atenção à complexidade da causa e à qualidade do ente sucumbente. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.¿ (fl. 139). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 724292 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013) É cediço que não cabe ao ente político interferir no tipo de tratamento que o profissional de saúde responsável reputou adequado para alcançar a cura, muito menos fazer juízo acerca dos métodos e medicamentos receitados, pois incumbe ao médico determinar o que é necessário para fornecer o melhor tratamento para o paciente. Sem titubeações, a degeneração, irreversível ou de difícil reversão, da saúde das pessoas, como no caso, idosa de mais de 80 anos de idade, justifica comandos judiciais que intimem o município à sua responsabilidade quanto ao dever fundamental e efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A atuação do Poder Judiciário, neste caso, tem por escopo evitar que os direitos fundamentais sejam meras promessas constitucionais, caracterizando o que o Supremo Tribunal Federal já chamou de fenômeno da erosão da consciência constitucional. De fato, é intolerável sonegar o direito à saúde e chancelar o lamentável drama da omissão estatal em responder por dever que toca a algo tão básico: direito à saúde. O que se constata, no cotidiano, é a submissão das pessoas despojadas de condições econômico-financeiras a uma realidade que todos nós sabemos: a das filas no atendimento médico-hospitalar e a um jogo de empurra-empurra de responsabilidade quanto aos que têm o dever de atender à saúde pública, razão pela qual se realça o direito constitucional à saúde (artigos 6º, 23, II e 196, CF/88), ainda que implicando em dever de o ente público submeter-se a obrigações prestacionais. Diante da ponderação de valores em choque, não se pode conceber que a partilha de responsabilidades, como forma de operacionalizar sistema único de saúde, sobreponha-se à solidariedade constitucional. Não se tolera a remessa de responsabilidade um ente federativo para o outro, de onde brota, de maneira cristalina, a responsabilidade do agravante ao fornecimento do tratamento pleiteado e deferido em primeiro grau de jurisdição. Com a mesma ratio, o TJ/SP editou súmula nº 37: ¿A ação para o fornecimento de medicamento e afins pode ser proposta em face de qualquer pessoa jurídica de Direito Público Interno.¿. Lado outro, o decisum hostilizado, ao implementar o cumprimento de norma constitucional elevada à categoria de direito fundamental, ante a omissão do Poder Público, não revela, em hipótese alguma, sob qualquer ângulo de enfoque, violação ao princípio da separação dos poderes (art. 2.º, CF/88). Ora, o princípio da inafastabilidade da jurisdição reforça essa tese (art. 5.º, XXXV, CF/88). Não se trata de violação ao princípio de independência e harmonia dos Poderes já que, no campo de obrigação contraposta ao interesse individual indisponível, inexiste discricionariedade administrativa. Outrossim, não se pode nem cogitar insuficiência de verba orçamentária, pois não restou comprovada nos autos. Como se sabe, a CF/88 veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (art. 167, inc. I), a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários (art. 167, inc. II), bem como a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, inc. VI). Tais imposições constitucionais não impedem o juiz de ordenar que o Poder Público realize determinada despesa para fazer valer o direito fundamental à vida, até porque as normas em colisão (previsão orçamentária x direito fundamental a ser concretizado) estariam no mesmo plano hierárquico, cabendo ao juiz dar prevalência ao direito fundamental dada a sua superioridade axiológica em relação à regra orçamentária. Nesse sentido, bem ponderou o Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC: (...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana. De outro lado, não se está a tratar de normas constitucionais de caráter programático, mas de cuja aplicação direta e imediata, em efetivação de garantia fundamental, qual seja, a tutela da saúde. Outrossim, a decisão fustigada não acaba beneficiando poucos pacientes em detrimento da universalidade, haja vista que não houve privilégio ou discriminação com os outros cidadãos, pois a determinação de tratamento individual foi necessária e premente, não afrontando o princípio da impessoalidade. Nessa senda, é relevante transcrever trecho do voto da eminente Desembargadora do TJ/RS, Denise Oliveira Cezar, no julgamento da Apelação Cível nº 70025763012, ao encontro das minhas razões de decidir: Todavia, ainda que se considere que o direito de acesso à saúde esteja condicionado ao estabelecimento de políticas públicas que garantam acesso universal e igualitário, o exame da suficiência da política pública incumbe ao Poder Judiciário, como forma de assegurar o conteúdo mínimo de proteção que o princípio constante no direito fundamental de acesso à saúde exige. E isso em absoluto significa privilegiar uma parte em detrimento do todo, mas tratar a parte que tem situação médica diferenciada segundo as suas diferenças. Também não significa ofensa ao princípio da pessoalidade, porque não será em razão da pessoa, mas sim em razão de sua situação clínica e da insuficiência da terapêutica adotada no protocolo que se atenderá diferenciadamente. Nem tampouco ofensa ao princípio da divisão de poderes ou ao princípio da reserva do possível. A decisão judicial apenas tutela o direito à saúde como um objetivo a ser perseguido, nele incluídos os tratamentos médicos e o fornecimento de medicamentos já disponíveis na rede pública de atendimento, quando as prestações fáticas forem insuficientes para a consecução daquele fim. Ademais, não há que se falar em perigo de irreversibilidade da medida, porquanto é passível de conversão em perdas e danos. Decidir de maneira diversa da que apresentada aqui, com a concessão do efeito suspensivo e cassação da decisão agravada, seria implementar o que a doutrina denomina de inversão do risco jurídico, uma vez que, com a suspensão da decisão hostilizada, estar-se-ia prejudicando a agravada, diante da espera para tratamento de saúde, quiçá sua perda da vida. Nesse choque de valores, a hermenêutica constitucional, com esteio no princípio da concordância prática, agasalha a argumentação por mim lançada. Sopesados os bens jurídicos de ambas as partes, de um lado, a saúde da agravada/autora, pessoa idosa, e de outro, o interesse econômico do recorrente, é evidente que deverá prevalecer o primeiro, ou seja, na colidência entre o direito à preservação da vida e o interesse financeiro estatal, não há dúvida quanto à prevalência daquele. Não é demais lembrar que as normas protetivas da Fazenda Pública não podem prevalecer no cotejo com norma e garantia fundamental prevista constitucionalmente; ao contrário, o direito à vida sobrepõe-se ante qualquer outro valor, o que afasta quaisquer teses relativas à falta de previsão orçamentária. Não há que se falar em limitação orçamentária ao atendimento da postulação, haja vista que eventuais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o direito à saúde e à vida garantido no referido dispositivo constitucional, não havendo que se cogitar, desse modo, da incidência do princípio da reserva do possível e do princípio da legalidade da despesa pública, dada a prevalência do direito em questão. Destaco: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE. DECISÃO EM SENTIDO DIVERSO DEPENDENTE DA REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA DELINEADA NO ACÓRDÃO REGIONAL. AS RAZÕES DO AGRAVO REGIMENTAL NÃO SÃO APTAS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS QUE LASTREARAM A DECISÃO AGRAVADA. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 21.01.2010. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles - União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à reelaboração da moldura fática constante do acórdão recorrido, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido. (RE 626382 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2013 PUBLIC 11-09-2013) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVÍL PÚBLICA. TRATAMENTO MÉDICO. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO. PRELIMINAR ACATADA. 1. Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde. Logo o Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional. Constitui dever do Poder Público a garantia à saúde pública, possuindo o cidadão a faculdade de postular seu direito fundamental contra qualquer dos entes públicos. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (201330170973, 139795, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 30/10/2014, Publicado em 04/11/2014) PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SOLIDARIEDADE NA OBRIGAÇÃO DE ASSEGURAR O DIREITO DE TODOS À SAÚDE - DIREITO PROTEGIDO PELA CARTA MAGNA - AGRAVO IMPROVIDO. I A Tutela Antecipada deve ser concedida em casos especiais, principalmente quando se discute direito à vida e à dignidade da pessoa humana, preceitos constitucionais fundamentais, art. 196 e 198 CF, constatando-se a verossimilhança das razões da postulação e verificando-se a possível ocorrência de dano iminente e irreparável ao cidadão, em virtude do retardamento da prestação jurisdicional, torna-se dever do Município autorizá-lo tendo em vista o inalienável direito protegido pela Carta Magna. Desse modo a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária. II À unanimidade, nos termos do voto do Desembargador Relator, recurso de agravo de instrumento improvido. (201330131016, 122676, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 29/07/2013, Publicado em 05/08/2013) Esse entendimento (obrigação solidária dos entes da Federação dever tornar efetivo o direito à saúde em favor de qualquer pessoa, notadamente de pessoas carentes) vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal: AI 822.882-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 6/8/2014; ARE 803.274-AgR, Rel. Min. Teroi Zavascki, Segunda Turma, DJe 28/5/2014; ARE 738.729-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 15/8/2013; ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 3/2/2014; RE 716.777-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 16/5/2013; RE 586.995-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ 16.8.2011; RE 607.381-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011; RE 756.149-AgR, Rel. Min. Dias Toffol; Primeira Turma, DJ 18.2.2014; AI 808.059-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 2.12.2010. E recentemente, publicado em 16.03.2015, RE nº 855178/SE, Rel. Min. Luiz Fux. No que se refere ao pedido do Estado do Pará de se reduzir o quantum da multa, e dar um prazo maior para cumpri-la, é extremamente importante ressaltar que não existe impedimento legal quanto a aplicação da multa diária, mesmo quanto o devedor for a Fazenda Pública. Entendimento contrário estaria a hostilizar o princípio constitucional da igualdade e comprometeria a eficácia da tutela jurisdicional. Conforme entendimento já manifestado pelas cortes de justiça pátrias, o juiz pode, de ofício ou a requerimento da parte, fixar, majorar ou reduzir multa diária contra a Fazenda Pública com o intuito de assegurar o adimplemento da obrigação de fazer, no prazo determinado. Nesse sentido: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE SE MANTÉM PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. PRAZO RAZOÁVEL PARA CUMPRIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Deve ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos, na medida em que as teses apresentadas pela agravante não são capazes de alterar as razões de decidir. 2. A orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que não há vedação à cominação de multa diária à Fazenda Pública, em razão de descumprimento de obrigação de fazer, sendo inviável a pretensão de elastecer o prazo para o cumprimento da obrigação, a teor do verbete n. 7 da Súmula deste Pretório. Precedente: AgRg nos EDcl no AREsp 161.949/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012. 3. Agravo regimental não provido." (STJ - AgRg no AREsp 61.220/RS, Rel. Min. Diva Malerbi (Des. convocada TRF 3ª Região), 2ª Turma, j. 20.11.2012, DJe 04.12.2012). EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE DAR. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. FAZENDA PÚBLICA. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. É cabível a cominação de multa diária contra a Fazenda Pública, como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer ou para entrega de coisa. Precedentes: 2. Cumpre à instância ordinária, mesmo após o trânsito em julgado, alterar o valor da multa fixado na fase de conhecimento, quando este se tornar insuficiente ou excessivo. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido." (STJ - AgRg no REsp 1124949/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 09.10.2012, DJe 18.10.2012). De mais a mais, entendo que por ter natureza inibitória, deve ser fixada em valor razoável e proporcional ao objeto da demanda, capaz de compelir o réu a cumprir a obrigação. O juízo a quo fixou multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento da obrigação, e deu 48 (quarenta e oito) horas para o seu cumprimento, isto é, nesse prazo a Fazenda Pública deve providenciar o medicamento BRENTUXIMABE, necessário para o tratamento de câncer de Pammera Martins da Silva. Em atenção àqueles princípios, entendo que a multa cominatória diária deve ser reduzida, por considera-la excessiva, assim sendo, deve ser fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), limitada a 30 (trinta) dias. Por outro lado, constato que o prazo estipulado pelo juízo monocrático (48 horas) para o cumprimento da decisão está consentâneo com a gravidade do caso, pois a paciente está acometida de câncer e o medicamento é imprescindível para a sua sobrevivência e o tratamento de doença tão grave. ANTE O EXPOSTO, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC e de tudo mais que nos autos consta, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO AGRAVO, apenas para reduzir o quantum do valor e periodicidade da multa cominatória, multa diária que fica fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), limitada a 30 (trinta) dias, a ser cumprida no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, mantidos por outro lado, os demais termos da decisão combatida., tudo nos moldes e limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. P.R.I. Belém (Pa), 09 de julho de 2015. JUÍZA CONVOCADA EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora
(2015.02461306-25, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-10, Publicado em 2015-07-10)
Ementa
D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DO PARÁ, devidamente representado por procurador habilitado nos autos, com esteio no art. 522 e ss., do CPC, contra decisão interlocutória proferida pelo douto juízo da 1ª Vara de Fazenda da Comarca da Capital que, nos autos da AÇÃO CÍVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR Nº 0021904-60.2015.814.0301 ajuizada pelo agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, deferiu a liminar pleiteada nos seguintes termos (fls. 176/179): (...) Passo a analisar o p...
Data do Julgamento
:
10/07/2015
Data da Publicação
:
10/07/2015
Órgão Julgador
:
2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA
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