TJPA 0016280-64.2014.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DA DESEMBARGADORA MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO ORGÃO JULGADOR 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. JUÍZO DE ORIGEM: 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA BELÉM AGRAVO DE INSTRUMENTO 2014.3.012222-0 AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ ADVOGADO (A): RENATA DE CÁSSIO CARDOSO DE MAGALHÃES - PROC. DO ESTADO AGRAVADA: RAIMUNDA SILVA ALMEIDA ADVOGADO: TIAGO ALAVERON ALMEIDA ALVES RELATORA: DESA. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO DECISÃO MONOCRÁTICA ESTADO DO PARÁ, interpôs recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO com pedido de efeito suspensivo contra decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada, nos autos de Ação ORDINÁRIA, ajuizada pela agravada RAIMUNDA SILVA ALMEIDA em face do agravante, em trâmite sob o nº 0016280-64.2014.814.0301, perante a 3ª Vara da Fazenda da Comarca da Capital. A decisão agravada determinou que o agravante forneça: ¿OS MEDICAMENTOS SEGUINTES, OU SEUS GENERICOS: OMEPRAZL 2mg, ASS 100 mg, OSCAL D 400, DOLAMIM 1 CX, SERETID SPRAY 25/125 MCG, TERIPARATIDA (FÓRTEO) 250 MCG, NO PRAZO DE 48H (QUARENTA E OITO) HORAS, SOB PENA DE MULTA DE R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS) POR CADA DIA DE DESCUMPRIMENTO, A SER SUPORTADO PELO REPRESENTANTE LEGAL DO REQUERIDO¿. Irresignado, o agravante interpôs o presente agravo, aduzindo em síntese: o não preenchimento dos requisitos necessários a concessão da medida liminar e a ausência de responsabilidade do agravante, visto que dada a inexistência de previsão legal, não há responsabilidade solidária entre os entes federativos, assim, a responsabilidade é municipal por este ser o responsável para fornecer medicamentos e tratamentos especiais tendo em vista a autonomia dos municípios. Aduz a impossibilidade de aplicação de multa contra o Estado um vez que o poder público vem cumprindo com a decisão de primeiro grau deixando apenas de cumprir com o fornecimento de um remédio já que o mesmo não pertence ao rol de medicamentos fornecidos pelo SUS e que portanto cabe ao poder público, por meio de licitações, adquirir o fármaco sob pena de responsabilidade dos gestores públicos. Assevera que inexiste dotação orçamentária para custear indefinidamente e sem estipulação de prazo o fornecimento da medicação e tratamentos necessários, devendo ser observado o princípio da reserva do possível, de tal modo que a liminar concedida dependerá da existência de previsão e disponibilidade orçamentária capaz de suportar o ônus atribuído à Fazenda Pública. Juntou documentos de fls. 24/106. Distribuído os autos por sorteio, coube-me a relatoria, ocasião em que recebi o recurso e indeferi o efeito suspensivo pleiteado (fl.109/verso). O M.M. Juízo de primeiro grau prestou as informações solicitadas (fl.112). O agravado não ofertou contrarrazões em contraposição aos argumentos do agravante, conforme certidão à fl. 113. Vieram os autos Conclusos. É o relatório. Decido. NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO. Com efeito, devo consignar que a matéria de fundo não comporta maiores discussões, sendo tema pacificado na jurisprudência. Portanto, não irei me alongar na fundamentação. DA AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DA AUTONOMIA GESTACIONAL DO MUNICÍPIO E SUA EXCLUSIVA OBRIGAÇÃO. DA APLICABILIDADE DA MULTA (¿ASTREINTES¿). DA INEXISTÊNCIA DA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. Cumpre esclarecer, inicialmente, quanto à preliminar de ilegitimidade passiva levantada pelo agravante, que atribui ao Município de Belém a responsabilidade exclusiva pelo fornecimento do medicamento pleiteado. A respeito do tema, é pacífico que compete aos entes federados, solidariamente, o fornecimento dos medicamentos, equipamentos (materiais) e tratamentos médicos necessários à proteção da vida e da saúde do indivíduo, independentemente da esfera governamental, observado ao disposto nos artigos 23, II, e 196 da Constituição Federal: ¿Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;¿ ¿Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.¿ O Ministro GILMAR FERREIRA MENDES ao comentar a histórica ADPF nº 45, em sua obra Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 6ª Edição, São Paulo, 2011, pág. 711, a respeito do tema em questão, doutrinou: ¿Daí concluir-se que o administrador não age na implementação dos serviços de saúde com plena discricionariedade, haja vista a existência de políticas governamentais já implementadas que o vinculam. Nesse sentido, o Judiciário, ao impor a satisfação do direito à saúde no caso concreto, em um número significativo de hipóteses, não exerce senão o controle judicial dos atos e omissões administrativas.¿ A competência comum dos entes federados de prestação à saúde não se afasta pela descentralização dos serviços e das ações do Sistema Único de Saúde, já que se impõe ao Poder Público realizar todas as medidas necessárias à preservação da garantia constitucional à saúde. Compartilha deste entendimento o Supremo Tribunal Federal: ¿AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. OBRIGAÇÃO SOLÍDARIA ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO EM MATÉRIA DE SAÚDE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355-AgR/RN, fixou entendimento no sentido de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária. II - Ao contrário do alegado pelo impugnante, a matéria da solidariedade não será discutida no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio. III - Agravo regimental improvido.¿ (AI 808059 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010). (Grifo nosso). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. O SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS EM FACE DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC) SE APLICA APENAS AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. É DEVER DO ESTADO GARANTIR O DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial firmou entendimento de que o comando legal que determina a suspensão do julgamento de processos em face de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C, do CPC, somente é dirigido aos Tribunais de segunda instância, e não abrange os recursos especiais já encaminhados ao STJ. 2. Não há que se falar em omissão no acórdão do Tribunal de origem, porquanto a demanda foi solucionada com a devida fundamentação, de forma clara e precisa, ainda que sob ótica diversa daquela almejada pelo Estado-agravante. Julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa ao art. 535, II do CPC. 3. Este Superior Tribunal de Justiça tem firmada a jurisprudência de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no Ag 1231616/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 06/04/2015). (Grifo nosso). ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI N. 1.533/51. SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/STF. 1. Não merece prosperar o recurso quanto à afronta ao art. 1º da Lei 1.533/51. O fundamento da inexistência da demonstração do direito líquido e certo não é apropriado em recurso especial, visto que demandaria o reexame de provas. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes. 2. Qualquer um dos entes federativos - União, estados, Distrito Federal e municípios - tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de ação visando garantir o acesso a medicamentos para tratamento de saúde. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 609.204/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). (Grifo nosso). O STJ, em brilhante voto da lavra do Min. Humberto Martins, já decidiu, ¿in verbis¿: ¿A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp 1185474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29/04/2010). Assim, improcede o argumento do Estado do Pará quanto à ilegitimidade passiva para figurar na lide, haja vista a responsabilidade solidaria dos entes federados no caso de tratamento médico. Feita esta consideração, passo à análise do mérito do recurso. Sabe-se que em sede de Agravo de Instrumento, a abordagem deve ser restrita ao acerto ou não da decisão que concedeu a medida liminar. Compulsando os autos, observo que não se mostrou evidenciada qualquer ilegalidade ou abusividade na decisão recorrida que concedeu a tutela antecipada, posto que, analisando os fundamentos da decisão, compreendo que agiu acertadamente o Juízo ¿a quo¿, ao antecipar os efeitos da tutela, uma vez que o bem da vida protegido está dentre os mais preciosos para o ser humano - a saúde. Preenchidos, portanto, ante a situação fática apresentada, os requisitos da relevância da fundamentação e de lesão grave e de difícil reparação, de modo a amparar a decisão proferida pelo juízo ¿a quo¿, não diviso pertinente, em que pese os argumentos do agravante em sentido contrário, a sua reforma. Quanto à insurgência do agravante no que concerne à fixação de astreintes pelo juízo ¿a quo¿, ressalta-se que o objetivo preponderante do valor da multa é a coerção, razão pela qual tenho por razoável o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) da multa imposta pelo Juízo ¿a quo¿, não representando a mesma fonte de enriquecimento sem causa, porquanto só será aplicada na hipótese de descumprimento da decisão. Em suma, o juízo singular expressou de forma clara os motivos concretos caracterizadores do fumus boni iuris e do periculum in mora que lhe levaram a deferir o pedido liminar, fazendo-o com propriedade. Portanto, descabe alterar a decisão combatida. Preceitua o art. 557, caput, do CPC/73 (art. 932, III, do NCPC) ¿Art. 557 - O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com Súmula ou com jurisprudência do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.¿ A tese segundo a qual o sistema de saúde é regido, precipuamente pelo princípio da universalidade, bem como quanto aos comentários acerca do sistema de saúde pública brasileira e os limites orçamentários do Estado, constato que a pretensão não deve prevalecer. Os princípios da isonomia entre os administrados e o da universalidade impõem que o Estado, por intermédio de todos os seus entes federativos, cumpra o seu dever de garantir o direito à saúde, de forma digna, em relação a todos que necessitam do seu auxílio, e tratando-se de obrigação constitucional relativa a direito fundamental do cidadão não se pode aceitar a defesa da limitação orçamentária. No que tange ao argumento de inconstitucionalidade da intervenção do Poder Judiciário em assuntos do Poder Executivo, a Constituição Federal assegura ao cidadão o direito de receber do Estado a medicação que lhe é imprescindível, mormente se a necessidade é atestada de forma a garantir-lhe os direitos básicos para a sobrevivência. No entanto, para que não passe o Judiciário a administrar no lugar do Executivo, pois a separação de Poderes não deve admitir a ingerência de um no outro, há que se observar certos requisitos para que não se imiscua nos atos de administração que são afetos àquele Poder. Verifica-se, in casu, que a presente demanda fora intentada objetivando compelir o Estado a fornecer o fármaco a uma pessoa portadora de doença grave e rara, vez que não possui meios de arcar com os gastos inerentes a sua compra de forma continuada, por ser medicamento específico para quem sofre de osteoporose em estágio avançado, considerado pelo médico competente, doença grave pois poderá levar a óbito a enferma, estando, portanto, entre as situações que devem sim sofrer a interferência do Poder Judiciário uma vez que comprovada a violação dos direitos conquistados pela humanidade e previstos em nosso ordenamento jurídico. Por fim ressalto que a reserva do possível não configura, portanto, justificativa para o administrador ser omisso à degradação da dignidade da pessoa humana. A escusa da ¿limitação de recursos orçamentários¿ frequentemente é usada para justificar a opção da administração pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO, com base no art. 557 caput do CPC/73 (art. 932, III do NCPC), para que seja mantida integralmente a decisão ora vergastada. Oficie-se ao Juízo a quo dando-lhe ciência desta decisão. Transitada em julgado, arquive-se. Diligências de estilo. Belém, 05 de maio de 2016. Desa. MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO Relatora Página de 9
(2016.01642437-58, Não Informado, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-05-09, Publicado em 2016-05-09)
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DA DESEMBARGADORA MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO ORGÃO JULGADOR 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. JUÍZO DE ORIGEM: 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA BELÉM AGRAVO DE INSTRUMENTO 2014.3.012222-0 AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ ADVOGADO (A): RENATA DE CÁSSIO CARDOSO DE MAGALHÃES - PROC. DO ESTADO AGRAVADA: RAIMUNDA SILVA ALMEIDA ADVOGADO: TIAGO ALAVERON ALMEIDA ALVES RELATORA: DESA. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO DECISÃO MONOCRÁTICA ESTADO DO PARÁ, interpôs recurso de A...
Data do Julgamento
:
09/05/2016
Data da Publicação
:
09/05/2016
Órgão Julgador
:
1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO
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