TRF3 0000413-92.2012.4.03.6007 00004139220124036007
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGOS 54, §2º, INCISO V, 48 e 60,
TODOS DA LEI 9.605/98. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO
RECONHECIDA. BIS IN IDEM NÃO DEMONSTRADO. NÃO CABIMENTO DOS PRINCÍPIOS
DA INSIGNIFICÂNCIA, ADEQUAÇÃO SOCIAL OU ANÁLISE DA PROVA. MATERIALIDADE,
AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA REFORMADA DE OFÍCIO.
1 - A sentença está bem fundamentada e se baseou na análise criteriosa
das provas produzidas nos autos, notadamente, pelos bem elaborados laudos
periciais acompanhados de fotografias, pautando-se o julgador pelo princípio
do livre convencimento motivado. Ademais não houve mínima demonstração
do ponto em que a sentença teria excedido os limites da legalidade em sua
fundamentação, restando tal alegação mera retórica da defesa, despida
de qualquer argumento.
2 - Não há, também, que se falar em prescrição, nem pelo fato da
construção ter sido edificada na década de 1980, muito menos pelo lapso
temporal decorrido entre os fatos e o recebimento da denúncia. Com efeito,
o crime previsto no artigo 48 da Lei 9.605/1998 é permanente, pois subsiste
enquanto não cessar a conduta que impede o ambiente de se regenerar. Assim,
o termo inicial da prescrição não é necessariamente a data da construção
da edificação, eis que se renova a cada dia em que a construção indevida
não foi destruída. Considerando que a fiscalização se deu em 14/09/2010,
data em que a edificação, embora não totalmente destruída, foi autuada,
pendendo recurso acerca da continuidade de sua existência, adota-se como
esta a data dos fatos e portanto o termo inicial da prescrição. De outro
lado, observa-se que a Lei 12.234/2010, vigente a partir de 05/05/2010,
alterou o §1º do artigo 110, bem como o inciso VI do artigo 109, ambos
do Código Penal, impedindo o reconhecimento da prescrição anteriormente
à denúncia, e alterando o lapso prescricional para 03 anos, para os crime
cujas penas sejam inferiores a 01 ano. No caso concreto, a data dos fatos é
14/09/2010, a do recebimento da denúncia é 27/06/2012 e a da publicação
da sentença é 04/09/2013. As sanções da Lei 9.605/1998 referentes ao
artigo 48 foram fixadas em 10 meses de detenção, as do artigo 60 em 05
meses e 10 dias de detenção, e as do artigo 54, §2º, inciso V em 02
anos e 08 meses de reclusão e 26 dias-multa. Assim, com base nas datas e
penas acima elencadas, além de não ter decorrido o lapso temporal entre
quaisquer dos marcos interruptivos, não seria possível o reconhecimento
de prescrição entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, visto
que o crime em comento se deu já na vigência da nova Lei.
3 - No que diz respeito à alegação de dupla penalidade do réu, uma vez que
foi autuado pela fiscalização ambiental no valor expressivo de R$ 30.000,00,
sendo nesta ação condenado à pena de reclusão, faltando equilíbrio,
razoabilidade e proporcionalidade na prestação jurisdicional, melhor
sorte não lhe assiste. Como é sabido, a independência entre as esferas
administrativa e judicial viabiliza a valoração de um ilícito de formas
diferentes. Enquanto a instância administrativa aplica multa, entre outros
fundamentos, para fins de reparação do dano causado, a esfera judicial pune
o fato considerado típico, como forma de prevenção geral e especial. Assim,
encontrando-se o réu sujeito a diferentes esferas de responsabilidades -
administrativa e penal - não havendo flagrante ilegalidade a ser reparada no
plano administrativo, não há que se falar em dupla punição tipificadora
de bis in idem.
4 - Não há que se falar, também, na aplicação do princípio da
insignificância ou da adequação social ou da análise da prova. Como é
sabido, para os crimes ambientais o princípio da adequação social que
levaria à insignificância deve ser aplicado em hipóteses excepcionais,
haja vista que as condutas lesivas em questão visam à proteção do meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a contenção de condutas capazes de
causar impacto ao ecossistema. No presente caso, a denúncia narra condutas
de graves consequências à mata ciliar, além de atos poluidores do Rio
Taquari, que não podem, inclusive, serem mensurados, não havendo como
considerar o caráter de excepcionalidade a justificar a aplicação do
mencionado princípio, muito menos fazer "vistas grossas" às condutas
ilícitas, sob o manto da aceitação social, beneficiando a atividade de
exploração comercial em detrimento de ambiente natural protegido.
5 - Materialidade comprovada. A conduta de construir ou mesmo manter um
muro de arrimo sobre uma estrutura já existente em área de preservação
permanente, às margens do Rio Taquari, sem autorização legal, amolda-se
perfeitamente aos artigos 60 e 48 da Lei 9.605/98, por se tratar de atividade
potencialmente poluidora do rio e claro impedimento de regeneraçao natural da
mata ciliar.De outro lado, o laudo pericial é claro, e pode ser confirmado
pelas fotos do local (fls. 15), quanto à existência de um cano proveniente
da cozinha do restaurante, que estava jogando restos de alimentos diretamente
no rio, conduta que se subsome perfeitamente ao artigo 54, §2º, inciso V ,
da Lei 9.605/98, já que tal ato poluidor tem evidente possibilidade de causar
danos à saúde humana e diversos problemas ambientais, como morte de peixes,
mau cheiro, desenvolvimento de microrganismos, facilitando a proliferação
de doenças em casos de enchentes. Insta salientar, também, que a alegação
de reparos em obras já construídas irregularmente não favorece a defesa,
na medida em que revela a insistência na conduta poluidora e degenerativa
do meio ambiente por parte do réu.
6 - A autoria também é induvidosa. O réu se apresentou como proprietário
do estabelecimento em todos os momentos em que foi ouvido e embora alegue que
a construção do muro de arrimo (que só traz proveito ao seu estabelecimeno
comercial) tenha sido anterior à aquisição do imóvel, o mesmo era por
ele mantido, que, aliás, conforme declarou, cuidava de fazer os reparos
necessários ocasionados pela ação do tempo, ao invés de eliminá-lo,
já que os danos, na verdade, eram e são ocasionados pela própria ação
da natureza na tentativa de se regenerar.
7 - O dolo também é evidente. O réu é empresário e vive da exploração
de sua atividade comercial às margens do Rio Taquari há 15 anos. Como atua
no ramo da alimentação, pressupõe-se que possui total consciência dos
requisitos necessários relativos à higiene do local e, consequentemente,
ao afastamento dos agentes poluidores, mormente por se tratar de restaurante
ribeirinho. Ademais, não é preciso muito estudo para saber que jogar
restos de alimentos no rio podem causar poluição, ou que qualquer reforma
ou construção necessita de autorização administrativa, mesmo porque,
conforme o exemplo constante da Declaração Ambiental Eletrônica trazida aos
autos pelo réu, os órgãos de defesa do meio ambiente em seus expedientes
sempre ressaltam a necessidade de cumprimento de legislações específicas.
8 - Quanto à dosimetria. Embora se concorde que a culpabilidade do réu
se destaca do "simplório" conforme fundamentou o Juízo sentenciante,
penso que as penas-bases fixadas foram exageradas, mormente porque o
impedimento da regeneração da mata ciliar e lançamento de detritos
estão implícitos nos tipos penais em que o réu foi condenado. Assim,
na primeira fase, para o crime do artigo 54, §2º, inciso V, fixa-se a
pena base em 01 ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa (majoração na
fração de 1/6). Para o crime do artigo 48, fixo a pena-base em 07 meses de
detençao e 11 dias-multa. Para o crime do artigo 60, fixa-se a pena-base em
01 mês e 05 dias de detençao. Na segunda fase, o Juízo a quo reconheceu a
agravante da reincidência comprovada pela certidão de fls. 150, bem como a
agravante prevista no artigo 15, inciso II, "a", da Lei 9.605/98 (cometer o
crime para obter vantagem econômica). Deve ser mantidas as inconstestáveis
agravantes, no patamar em que fixadas na sentença, ou seja, na fração de
1/3, resultando a pena do artigo 54, §2º, inciso V, em 01 ano, 06 meses e
20 dias de reclusão e 14 dias-multa. Para o crime do artigo 48, em 09 meses
e 10 dias de detençao e 14 dias-multa e para o crime do artigo 60, em 01 mês
e 16 dias de detenção. Na terceira fase, deve ser mantido o concurso formal
existente entre os crimes dos artigos 48 e 60 da Lei 9.605/98, já que o réu
ao construir, reformar ou ampliar as instalações em seu estabelecimento
comercial impediu ou dificultou a regeneração natural da mata ciliar,
tendo assim, com uma só ação praticado dois crimes, valendo a pena do
mais grave (art. 48) acrescida de 1/6, conforme constou da sentença.
9 - Assim, com relação aos artigos 48 e 60, da Lei 9.605/98 c/c artigo 70
do CP, fixo a pena definitivamente em 10 meses e 26 dias de detenção e 14
dias-multa.
10 - O crime do artigo 54, §2º, V, da Lei 9.605/98 deve ser mantido em 01
ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa, diante da ausência de causas
de aumento e diminuição de pena.
11 - No entanto, deve ser mantida, também, a regra do concurso material entre
os crimes dos artigos 48 e 60, da Lei 9.605/98 c/c artigo 70 do CP e o crime do
artigo 54, §2º, V, da Lei 9.605/98, por se tratarem de condutas autônomas,
com observância das regras dos crimes punidos com detenção e reclusão.
12 - O valor do dia multa fixado na sentença foi o mínimo legal e assim
deve ser mantido. Da mesma forma, o regime inicial de cumprimento da pena,
determinado no aberto.
13 - Mantido, também, a vedação da substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direito, tendo em vista que o réu descumpriu
medida semelhante fixada na execução penal de nº 000536-95.2009.403.6007.
14 - Por fim, não é possível conceder a isenção da pena pecuniária
fixada, tendo em vista que tal pedido não encontra amparo no ordenamento
jurídico.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGOS 54, §2º, INCISO V, 48 e 60,
TODOS DA LEI 9.605/98. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO
RECONHECIDA. BIS IN IDEM NÃO DEMONSTRADO. NÃO CABIMENTO DOS PRINCÍPIOS
DA INSIGNIFICÂNCIA, ADEQUAÇÃO SOCIAL OU ANÁLISE DA PROVA. MATERIALIDADE,
AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA REFORMADA DE OFÍCIO.
1 - A sentença está bem fundamentada e se baseou na análise criteriosa
das provas produzidas nos autos, notadamente, pelos bem elaborados laudos
periciais acompanhados de fotografias, pautando-se o julgador pelo princípio
do livre convencimento...
Data do Julgamento
:
29/03/2016
Data da Publicação
:
04/04/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 57536
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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