TJPA 0013704-60.2016.8.14.0000
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª Turma de Direito Público Gabinete da Desª. Nadja Nara Cobra Meda RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PROCESSO Nº 0013704-60.2016.8.14.0000 COMARCA: MEDICILÂNDIA AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ PROCURADOR DO ESTADO: CAMILA FARINHA VELASCO DOS SANTOS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROMOTOR DE JUSTIÇA: ELIAS SILVA RODRIGUES RELATOR: DESA. NADJA NADIA COBRA MEDA DECISÃO MONOCRÁTICA Tratam os presentes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO EFEITO SUSPENSIVO, interposto pelo ESTADO DO PARÁ contra decisão interlocutória proferida pelo MM. Juízo da Comarca de Medicilândia, nos autos da Ação Civil Pública, com Pedido de Liminar (nº. 0000601-61.2016.8.14.0072) movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. Narra a peça inicial que o paciente Edivaldo Pinheiro Castro é portador de asma brônquica grave, de difícil controle e necessita a cada 15 (quinze) dias, de uma vacina de nome XOLAIR 150mg. Aduz que a Secretaria Municipal de Saúde forneceu o medicamento apenas por 06 (seis) vezes. Sustenta que em razão da paralização do fornecimento da medicação supra, houve o agravamento de seu quadro clinico e, em razão disto necessita dos medicamentos XOLAIR 150mg e BOMBAIR 20ml. O Juízo de piso concedeu a antecipação de tutela para determinar que o Estado do Pará e o Município de Medicilândia, assegurem, solidariamente, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, o fornecimento da medicação XOLAIR 150 mg e BAMBAIR 20 ml ao paciente EDIVALDO PINHEIRO CASTRO, bem como todos os tratamentos e cuidados médicos pelo prazo que for necessário ao adequado tratamento de sua doença, sob pena de imposição de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais). Dessa decisão insurge-se o Agravante, aduzindo que as substâncias não estão inseridas na lista de prestação do SUS, não existe demonstração de eficácia do tratamento e, que o valor da astreint é desproporcional, além de exíguo prazo para cumprimento da medida. Ante esses argumentos, requer a concessão do efeito suspensivo, de forma a sustar imediatamente os efeitos da decisão liminar. Ao final pugna pelo conhecimento e provimento do presente recurso para reformar a decisão agravada no que tange à previsão de multa e do prazo para cumprimento. Após a devida distribuição coube-me a relatoria do feito às fls.143. É o sucinto relatório. DECIDO. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a decidir. Tratando-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu a tutela antecipada, a análise deste recurso se limitará ao acerto ou desacerto da decisão do juízo de piso, mediante verificação da presença dos pressupostos para o deferimento da medida, quais sejam a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o risco de lesão grave ou de difícil reparação, nos moldes do artigo 300 do Código de processo Civil. Nesse aspecto, a prova inequívoca é aquela que, no momento de sua análise, permite, por si só, presumirem-se certos e verdadeiros os fatos alegados e o fumus boni iuris refere-se ao fato de que as alegações examinadas com base nas provas carreadas aos autos, possam ser tidas como fatos certos. No caso em apreço, entendo estarem presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, eis que é clara a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações do Agravado, considerando ser incontroverso o grave estado de saúde em que se encontra o paciente que necessita de tratamento médico, posto que houve imotivadamente a suspensão de fornecimento do medicamento necessário à sua saúde, o que acarretou na piora de seu quadro clinico. As questões todas suscitadas pelo Estado do Pará não servem para justificar o descumprimento da norma constitucional, nada justificando a resistência da autoridade impetrada. Trata-se de medicamento prescrito por médicos de presumida idoneidades (fls. 20/44) e, assim, não há questionar a eficácia do tratamento. O profissional médico especializado que assiste o doente é quem tem condições de definir a conduta mais eficaz a ser observada e o momento de utilizá-la em face do quadro clínico daquele. Sendo o caso de saúde pública, não há argumentar com problemas relacionados com orçamento público ou padronização dos medicamentos. Não se trata de invadir campo exclusivo da discricionariedade do Estado ou de assumir o Judiciário funções que são daquele ou de eleger prioridades que competiria ao Executivo estabelecer. Não há falar em ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, que não ocorre aqui. O que há é o Judiciário exercendo sua função no reconhecimento do direito do cidadão em face do Estado No que tange a argumentação de que a obrigação constitucional de atendimento à saúde deve ser cumprida nos estritos termos dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas elaborados pela Administração Pública e que, portanto, não socorreria ao agravado, afronta o núcleo essencial do Estado Democrático de Direito, qual seja, a garantia do direito à vida com dignidade, que seria possível, no presente caso, através do tratamento adequado da saúde do agravado. Não se pode negar a concessão dos medicamentos pleiteados, visto que a necessidade do paciente é amparado por fundamentos técnicos e científicos, devidamente atestados pelos médicos que acompanham sua doença. O argumento suscitado pela autoridade coatora de que o administrador público estaria obrigado e atrelado a normas de procedimentos que não permitem a concessão do medicamento pela via administrativa não é suficiente para superar a ofensa ao direito a saúde/vida do agravado. Ao negar o fornecimento da medicação pretendida ao paciente evidentemente necessitado, o agravante infringiu o disposto no artigo 196 da Constituição Federal, repetida em observância ao princípio da simetria disposto no artigo 167 da Constituição Estadual. É a redação do artigo 196 da Constituição Federal: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Sobre o assunto é oportuna a transcrição da doutrina de José Afonso da SILVA: "DIREITO À SAÚDE. É espantoso como um direito extraordinariamente relevante à vida humana só na Constituição de 1988 tenha sido elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos caos de doença, cada um tem direito a tratamento condigno de acordo com o estado atual da Ciência Médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais. (...) SIGNIFICADO DO DIREITO À SAÚDE. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prever as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (...).Gomes Canotilho e Vital Moreira colocaram bem a questão, pois, como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes, conforme anotam:"uma de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas". Como se viu, do enunciado do art. 196 e se confirmará com a leitura dos arts. 198 a 200 trata-se de um direito positivo "que exige prestações de Estado e que impõem aos entes públicos a realização de determinadas tarefas (...), de cujo cumprimento depende a própria realização do direito", e do qual decorre um especial direito subjetivo..." Alexandre de Moraes também ensina: "A Constituição Federal, em diversos dispositivos, prevê princípios informadores e regras de competências no tocante à proteção da saúde pública. No Preâmbulo da Constituição Federal destaca-se a necessidade de o Estado democrático assegurar o `bem estar' da Sociedade. Logicamente, dentro do `bem estar', destacado como uma das finalidades do Estado, encontra-se a `Saúde Pública'. Além disso, o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como consequência imediata da consagração da `dignidade da pessoa humana' como fundamento da República Federativa do Brasil. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das convenções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual" O Supremo Tribunal Federal já pacificou a questão, frente o que dispõe tal artigo 196: "Fornecimento de medicamentos a paciente hipossuficiente. Obrigação do Estado. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita. Obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes." (AI 604.949- AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-10-06, DJ de 24-11-06). No mesmo sentido: AI 649.057-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-07, DJ de 17-8-07). "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular -- e implementar promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política -- que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro -- não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-00, DJ de 24-11-00). No mesmo sentido: RE 393.175-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-12-06, DJ de 2-2-07). Em razão da posição já pacificada pela doutrina e jurisprudência, é inadmissível que o Estado Democrático de Direito, voltado à distribuição da justiça social e à concretização de direitos fundamentais, negue o fornecimento de remédio a pessoa necessitada e portadora de enfermidade considerada grave. Comumente invocado como obstáculo à concretização do direito à saúde nos termos anteriormente expostos é o princípio da reserva do possível, que condiciona a concretização dos direitos fundamentais às disponibilidades orçamentárias. Tal princípio, porém, encontra como limite a necessidade de garantia de um mínimo existencial. Neste sentido, a 'reserva do possível' não pode servir de argumento para que o Estado se furte a garantir o mínimo existencial àquelas pessoas que se encontram em situação excepcional, com carência material e comprometimento de sua dignidade. Luís Fernando Sgarbossa, em estudo sobre a crítica à teoria dos custos dos direitos, delineia essa tensão entre o princípio da reserva do possível e a necessidade de garantia do mínimo existencial, que estabelece padrões mínimos de conduta constitucionalmente atribuíveis ao Estado: "Reputa-se aqui que o mínimo existencial desempenha um papel análogo ao legitimamente desempenhado pela reserva do possível no âmbito do Estado Social constitucionalizado, mas em sentido oposto. Explica-se: se, por um lado, a reserva do possível representa, em sua conformação original (...) um limite máximo ou teto para o Estado Social, excluindo pretensões exageradas ou irrazoáveis, conforme já visto, por outro lado, o mínimo existencial desempenha o papel de um patamar mínimo ou piso para o Estado Social, excluindo a omissão estatal que comprometia a existência digna da pessoa". Assim, o princípio da reserva do possível não pode servir de argumento genérico invocado pelo Estado para justificar sua omissão, vez que este não pode se furtar às atuações indispensáveis à garantia do mínimo existencial. Dessa forma, as prestações devidas pelo Estado no sentido de concretizá-lo são sindicáveis pelos cidadãos como verdadeiros direitos subjetivos, exigíveis, portanto, pela via judicial, a despeito de considerações de ordem financeiro-orçamentária e mesmo independentemente de mediação legislativa. Tal entendimento é verificado na doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, para quem as prestações devidas pelo Estado como exigência da garantia do mínimo existencial vinculam-se intimamente ao princípio da dignidade humana e ao direito à vida: "Levando-se em conta os exemplos referidos, constata- se a possibilidade de se reconhecerem, sob determinadas condições, verdadeiros direitos subjetivos a prestações, mesmo independentemente ou para além da concretização pelo legislador. Neste particular, assume especial relevo a íntima vinculação destacada especialmente pela doutrina estrangeira de vários destes direitos com o direito à vida e com o princípio da dignidade humana, o que se manifesta de forma contundente nos direitos ao salário mínimo, assistência e previdência social, bem como no caso do direito à saúde, muito embora estes direitos não esgotem as possibilidades do assim chamado mínimo existencial ". A prestação que o paciente necessitado pretende obter do Estado no presente caso (fornecimento de medicamento para tratamento de asma brônquica grave de difícil controle, insere-se no âmbito de proteção do mínimo existencial, pelo que impossível sustentar a limitação dos recursos públicos como obstáculo intransponível ao seu deferimento pela via judicial. A doença que acomete o agravado é de natureza notoriamente grave e, segundo afirmado na Inicial, pode vir a comprometer a sua própria existência. A omissão do Estado na promoção do seu tratamento que, conforme demonstrado nos autos, exige a ministração do fármaco XOLAIR e BAMBAIR, haja vista a imotivada falta de continuidade do tratamento médico necessário, pelo município de Medicilândia, atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, que a garantia do mínimo existencial busca assegurar. Ainda que se reconheça ser o conteúdo do mínimo existencial variável de acordo com as condições sociais, culturais e históricas, o caso presente evidentemente trata de prestação voltada à sua concretização, visto que o fornecimento do medicamento demandado visa a garantir à Impetrante um "mínimo vital ou fisiológico", cuja essencialidade é manifesta, visto que, além de direito fundamental, constitui pressuposto para o exercício dos demais direitos. Confira-se, a respeito, a doutrina de Luís Fernando Sgarbossa: "Portanto, se a indeterminação do conteúdo do Existenzminimum constitui, por um lado, um problema teórico, por outro é exatamente tal indeterminação, diretamente relacionada à dimensão sociocultural da ideia de vida digna, que permite sua adaptação adequada às variações das necessidades no tempo, no espaço e em função das características peculiares pessoais ou de cada núcleo familiar. De outro lado, se o conteúdo mínimo existencial e os níveis de satisfação das necessidades que integram tal mínimo permanecem problemáticos, existem necessidades que fundamentam direitos que inegavelmente inserem-se dentro do conceito de mínimo existencial e, simultaneamente, fazem parte do mínimo vital ou fisiológico, como o direito à alimentação." Robert Alexy, em célebre estudo sobre os direitos fundamentais, busca traçar um modelo constitucionalmente adequado de proteção dos direitos fundamentais sociais que demandam prestações positivas por parte do Estado (caso do direito à saúde discutido na presente demanda). O autor, tendo como referência de análise a constituição alemã, parte de pressuposto perfeitamente aplicável à ordem constitucional brasileira, qual seja, o de que os direitos constitucionais a prestações "são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples". Assim, a consagração de um direito social como fundamental na Constituição limita a discricionariedade do legislador ordinário quanto à decisão sobre sua proteção ou não, de modo que a sua proteção não pode ficar condicionada à decisão das maiorias parlamentares, inclusive no que respeita à alocação de recursos orçamentários para sua concretização. Nesse sentido, Robert Alexy estabelece uma série de condições para que um direito social seja considerado "definitivamente garantido", observando que essas condições são necessariamente satisfeitas pelos direitos sociais mínimos: "Uma posição no âmbito dos direitos a prestações tem que ser vista como definitivamente garantida se o princípio da liberdade fática a exigir de forma premente e se o princípio da separação de poderes e o princípio democrático (que inclui a competência orçamentária do parlamento) bem como os princípios materiais colidentes (especialmente aqueles que dizem respeito à liberdade jurídica de outrem) forem afetados em uma medida relativamente pequena pela garantia constitucional da posição prestacional e pelas decisões do tribunal constitucional que a levarem em consideração. Essas condições são necessariamente satisfeitas no caso dos direitos fundamentais sociais mínimos, ou seja, por exemplo, pelos direitos a um mínimo existencial, a uma moradia simples, à educação fundamental e média, à educação profissionalizante e a um patamar mínimo de assistência médica". Observa o autor, por fim, na esteira das ideias acima expostas, que, por mais que os direitos fundamentais sociais mínimos acarretem consideráveis efeitos financeiros, tal dificuldade não pode ser apontada isoladamente como obstáculo para sua concretização: "Mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especialmente quando são muitos que dele necessitam, enormes efeitos financeiros. Mas isso, isoladamente considerado, não justifica uma conclusão contrária a sua existência. A força do princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Ele não é um princípio absoluto. Direitos individuais podem ter peso maior que questões político-financeiras". Impõe-se, portanto, ao Estado, como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, o respeito incondicional ao indivíduo, garantindo-lhe o acesso à saúde e respectivamente o direito à vida, bem jurídico supremo tutelado pelo Estado Democrático de Direito que tem na proteção à integridade do cidadão um de seus mais edificados pilares. Nesta linha de raciocínio o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em atenção ao artigo 196 da Constituição Federal, já decidiu que "cabe à Administração fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos à população, sempre com vistas a garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias, em território nacional". (Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 1467/DF (2005/0016229-5), Corte Especial do STJ, Rel. Min. Edson Vidigal. j. 16.02.2005, unânime, DJ 21.03.2005). Assim, é imperioso afastar a alegação do Impetrado de que esteve pautado em normas e procedimentos pelos quais todo administrador está atrelado, vez que é obrigação suprema do Estado, isto é, do Poder Público em todas as suas esferas de atuação, a garantia de eficácia terapêutica, mediante a disposição de medicamentos adequados ao tratamento médico de cada indivíduo, conforme dispõe o artigo 198, da Constituição Federal. Neste sentido é a orientação jurisprudencial: CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇAO. HEPATITE C. RESTRIÇAO. PORTARIA/MS N.º 863/02. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal não objetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. O laudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa e terapêutica "comprovadamente mais eficaz", além de propiciar ao paciente uma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamento anteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas se apresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia da terapêutica tradicional. 3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferior hierarquia (Portaria/MS n.º 863/02) não pode fazer tábula rasa do direito constitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concreta trazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação por parte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no único laudo médico anexado aos autos. 4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. 5. Recurso provido. (STJ, RMS 17903/MG, Segunda Turma, Min. Castro Meira, DJ 20/09/2004). (sem destaque no original). O direito à saúde também vem consignado na Lei nº 8.080/1990, que se apresenta em seus artigos 2º, 1º, e 6º, Inciso I, alínea d, in verbis: "Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: (...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;" Quanto à importância do tema, já se manifestou o eminente Ministro Celso de Mello: ¿Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde - que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) - tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público dispunha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseja maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com a base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe: ¿Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação¿. Na realidade, o cumprimento de dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa¿. Interessante, também, manifestação do Ministro Gilmar Mendes durante o julgamento desse mesmo feito (SL 47-AgR/PE): ¿(2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e ao acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles¿. Dispõe o artigo 241 da Constituição Estadual, ainda, o que segue: Art. 241 - A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo único. O dever do Estado, garantido por adequada política social e econômica, não exclui o do indivíduo, da família e de instituições e empresas que produzam riscos ou danos à saúde do indivíduo ou da coletividade. No que tange ao valor da multa cominatória fixada, ressalta-se que é lícito ao magistrado, conforme autorizado pelo § 1º do artigo 357 do CPC, a requerimento da parte ou de ofício, modificar o seu valor ou a sua periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. De fato, o magistrado, quando da sua fixação, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo que a imposição de valor exorbitante, justamente por se revelar manifestamente ilícito, e, muitas vezes, inexequível, não tem o condão de persuadir o litigante a cumprir a determinação judicial exarada. Não se trata, portanto, de um fim em si mesma, de modo que seu valor não pode tornar-se mais interessante do que o próprio cumprimento da obrigação principal. Assim, o valor das astreintes deve ser elevado o bastante a inibir o devedor que intenciona descumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que é financeiramente mais vantajoso seu integral cumprimento. De outro lado, é consenso que seu valor não pode implicar enriquecimento injusto do devedor. Nesse sentido, colaciono julgados do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA SUSPENSÃO DE ATOS EXECUTÓRIOS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA CASA BANCÁRIA PARA REDUZIR O VALOR DA MULTA DIÁRIA, VISTO QUE FIXADA EM QUANTIA TERATOLÓGICA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INSURGÊNCIA DO MUTUÁRIO. 1. Esta Corte já decidiu que o artigo 461, § 6º, do Código de Processo Civil permite ao magistrado alterar o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença. Precedentes. 2. É possível a redução das astreintes fixadas fora dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, determinada a sua limitação ao valor do bem da obrigação principal, evitando-se o enriquecimento sem causa. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp 1099928/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 17/11/2014) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA DIÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. VALOR. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. 1. É possível a redução do valor da multa por descumprimento de decisão judicial (art. 461 do CPC) quando se verificar que foi estabelecida fora dos parâmetros da razoabilidade ou quando se tornar exorbitante, o que ocorre no caso dos autos. 2. Questão do termo inicial da multa não debatida pela instância de origem (Súmula 282/STF). 3. A revisão dos critérios de equidade utilizados pelas instâncias de origem para a fixação dos honorários advocatícios é vedada no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ), salvo na hipótese de valores irrisórios ou exorbitantes, o que não se verifica no caso presente. 4. Agravos regimentais a que se nega provimento. (AgRg no REsp 935.103/SE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 12/06/2014) Diante desse quadro, entendo que o valor fixado pelo juízo de piso, merece ser adequado ao caso concreto, assim, reduzo o valor da multa diária para R$ 1.000,00 (mil reais) até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em caso de descumprimento, patamar que se revela adequado para punir a insistência dos entes políticos em descumprir a ordem emanada do Poder Judiciário, bem como, apto a possibilitar o custeamento do tratamento necessário ao agravado. Ante o exposto, de forma monocrática, com fulcro no art. 133 do nosso Regimento Interno, conheço do recurso e dou parcial provimento para reformar a decisão do juízo a quo, apenas no que tange ao valor arbitrado da multa por descumprimento. Oficie-se ao Juízo de piso, dando ciência desta decisão. Decorrido, in albis, o prazo recursal, certifique-se o seu trânsito em julgado, dando-se baixa na distribuição deste TJE/PA e posterior arquivamento. Publique-se. Intime-se. Belém, 12 de abril de 2017. Desa. NADJA NARA COBRA MEDA. Relatora
(2017.01468707-18, Não Informado, Rel. NADJA NARA COBRA MEDA, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-05-05, Publicado em 2017-05-05)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª Turma de Direito Público Gabinete da Desª. Nadja Nara Cobra Meda RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PROCESSO Nº 0013704-60.2016.8.14.0000 COMARCA: MEDICILÂNDIA AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ PROCURADOR DO ESTADO: CAMILA FARINHA VELASCO DOS SANTOS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROMOTOR DE JUSTIÇA: ELIAS SILVA RODRIGUES RELATOR: DESA. NADJA NADIA COBRA MEDA DECISÃO MONOCRÁTICA Tratam os presentes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO EFEITO SUSP...
Data do Julgamento
:
05/05/2017
Data da Publicação
:
05/05/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
NADJA NARA COBRA MEDA
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