TJDF APC - 1065335-20140710225053APC
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. IRREGULARIDADES NOS RESERVATÓRIOS DE ÁGUA POTÁVEL. PLEITO DE REEXECUÇÃO DO SERVIÇO, COM BASE NO CDC. PROCESSO EXTINTO NA ORIGEM, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. A) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. REJEIÇÃO. B) INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA. INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE. MÁCULA AOS PRINCÍPIOS DA NÃO SURPRESA E DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. APELO DO RÉU PREJUDICADO. C) TEORIA DA CAUSA MADURA. CPC/15, ART. 1.013, § 3º, I. APLICAÇÃO. D) RESERVATÓRIOS DE ÁGUA. FALHAS CONSTATADAS. DESATENDIMENTO DAS NORMAS DA ABNT QUANTO À ELABORAÇÃO DOS PROJETOS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. RISCOS POTENCIAIS, NA HIPÓTESE DE CONTAMINAÇÃO DA ÁGUA, À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. LAUDO PERICIAL. PRESUNÇÃO DE IMPARCIALIDADE. REEXECUÇÃO DOS SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. PEDIDO INICIAL PROCEDENTE. SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 3 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. Nessa situação, por inteligência do Enunciado Administrativo n. 7 do STJ, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, com base no art. 85, § 11, do CPC/15. 2. A regra constante do art. 132 do CPC/73, segundo a qual o juiz, titular ou substituto, que conduziu a instrução e, portanto, que teve maior contato com os elementos de prova produzidos em audiência, deve julgar a controvérsia, além de não ser absoluta, sendo ultrapassada quando aquele julgador for afastado por qualquer motivo, não foi reproduzida pelo CPC/15. Dessa forma, inexiste violação ao princípio do juiz natural, porquanto a sentença foi exarada já na égide do CPC/15, que não reproduziu o disposto no art. 132 do CPC/73, e, ainda, foi prolatada por juiz atuante no Núcleo Permanente de Gestão de Metas do Primeiro Grau - NUPMETAS-1, instituído por meio da Portaria Conjunta n. 21/2013 deste TJDFT. Ademais, a alegação de que o il. Juízo não teria enfrentado corretamente a problemática é questão de mérito, e não prefacial. Preliminar rejeitada. 3. Ointeresse processual, como uma das condições da ação, é exteriorizado pela necessidade, utilidade e adequação da tutela jurisdicional vindicada pela parte (CPC/15, art. 17; CPC/73, art. 3º). 3.1. Na espécie, tem-se por demonstrada a existência dessa condição da ação, referente à pretensão de reexecução dos serviços defeituosos dos reservatórios, bem como a adequação do procedimento adotado para a solução do litígio, com base no art. 20 do CDC. Isso porque o conceito de consumidor previsto no CDC (art. 2º, § 2º) deve ser interpretado de forma ampla (aplicação temperada da teoria finalista, finalismo aprofundado ou teoria finalista mitigada), abrangendo a coletividade de consumidores, ainda que indetermináveis, que haja participado das relações de consumo. Assim, levando-se em conta que o condomínio representa cada um dos proprietários, na defesa dos interesses comuns, justamente por ser constituído da comunhão dos seus interesses (CPC/15, art. 75, XI; CPC/73, art. 12, IX), e que a ação de responsabilidade civil por ele ajuizada busca proteger esses condôminos, tem-se por aplicável as disposições desse microssistema protetivo. Precedentes STJ. 3.2. Não bastasse isso, é de se ressaltar que oCPC/15, em seus arts. 7º, 9º e 10, veda a chamada decisão surpresa, a qual se baseia em fatos ou circunstâncias que não eram de conhecimento da parte prejudicada pela mesma decisão. Essa garantia constitui decorrência lógica dos princípios do contraditório e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV), haja vista que não se pode negar ou desprezar a ouvida da parte em nenhuma hipótese, exceto nos casos especificados no art. 9º do CPC/15 (medida de urgência ou risco de perecimento do direito). Nesse viés, a proibição de haver decisão surpresa no processo enseja ao juiz um poder-dever de ouvir as partes sobre todos os pontos do processo, incluindo os que possivelmente poderão ser decididos por ele, seja a requerimento da parte ou do interessado, seja ex officio (proibição da sentença de terceira via). 3.3. In casu, o douto Juízo de 1º Grau, de forma inédita, sem oportunizar o contraditório participativo, e após toda a instrução processual, inclusive com a realização de perícia técnica, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita, em nítida afronta à vedação a não surpresa e ao princípio da primazia da resolução do mérito (CPC/15, arts. 9º e 10). 3.4. Demonstrada a adequação da via eleita, além da violação aos princípios da não surpresa e da primazia da resolução do mérito, impõe-se o provimento do recurso do autor, com a cassação da sentença. Em consequência, tem-se por prejudicado o apelo do réu, cujo conteúdo diz respeito à norma aplicável e ao patamar dos honorários de sucumbência. 4. Cassada a sentença, aplica-se a teoria da causa madura, nos termos do inciso I do § 3º do artigo 1.013 do CPC/15, haja vista integrarem os autos elementos suficientes para o desate da lide, sendo desnecessária a produção de qualquer prova adicional. 5. O Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 6º, I e VI, 8º a 10, impõe um dever de qualidade dos produtos e serviços prestados pelos fornecedores (teoria da qualidade), tanto na adequação do produto ou serviço no mercado de consumo (responsabilidade por vício do produto e do serviço) como em aspectos de segurança (responsabilidade pelo fato do produto e do serviço). Protege-se, assim, a confiança que o consumidor deposita na prestabilidade de fruição do bem e no dever de incolumidade próprio e de terceiros na sua utilização. 6. Segundo o art. 20 do CDC, o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária. 6.1. Não sendo o serviço adequado para o fim que razoavelmente dele se espera, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: a) a reexecução dos serviços, sem custo adicional; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; c) o abatimento proporcional do preço. Afinal, ao lançar um serviço no mercado de consumo, o fornecedor de serviço assume a garantia de entregá-lo sem vícios. Até mesmo a ignorância não é capaz de eximir sua responsabilidade (CDC, art. 23). 7. Conforme perícia técnica realizada nos autos, foram constatadas falhas de projeto, por inobservâncias das regras da ABNT, bem assim falhas construtivas nos reservatórios de água potável dos Blocos A, B, C e D do condomínio autor (sem condições estanques; infiltrações; inobservância dos itens relacionados ao aviso, extravasão e limpeza dos reservatórios; reservatório de maior capacidade sem divisão interna; oxidação de armaduras etc.), com riscos potenciais à saúde dos usuários em caso de contaminação da água por agentes químicos ou mesmo biológicos. Segundo o laudo pericial, tais irregularidades não têm relação com o mau uso ou falta de manutenção por parte do condomínio, devendo o réu, na qualidade de construtora, proceder à reexecução desse serviço, suprindo tais falhas, tal qual preconiza o art. 20, I, do CDC. 7.1. É certo que, por força do art. 479 do CPC/15 (antigo art. 436 do CPC/73), não está o juízo adstrito às conclusões da perícia, mas também é certo que a matéria é essencialmente técnica, inexistindo incongruência nos relatos do profissional técnico responsável. Ao fim e ao cabo, por se encontrar equidistante dos interesses em litígio, milita em favor do laudo pericial realizado em juízo a presunção de imparcialidade. 8. Recursos conhecidos. Apelação do condomínio autor provida. Inadequação da via eleita afastada. Sentença cassada. Apelo do réu prejudicado. Aplicação da teoria da causa madura. Julgamento de mérito na forma do art. 1013, § 3º, I, do CPC/15. Pedido inicial julgado procedente. Sucumbência redistribuída. Honorários recursais arbitrados.
Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. IRREGULARIDADES NOS RESERVATÓRIOS DE ÁGUA POTÁVEL. PLEITO DE REEXECUÇÃO DO SERVIÇO, COM BASE NO CDC. PROCESSO EXTINTO NA ORIGEM, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. A) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. REJEIÇÃO. B) INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA. INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE. MÁCULA AOS PRINCÍPIOS DA NÃO SURPRESA E DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. APELO DO RÉU PREJUDICADO. C) TEORIA DA CAUSA MADURA. CPC/15, ART. 1.013, § 3º, I. APLIC...
Data do Julgamento
:
06/12/2017
Data da Publicação
:
12/12/2017
Órgão Julgador
:
6ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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