TJPA 0026426-36.2010.8.14.0301
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO ORIGEM: 8ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026426-36.2010.814.0301 APELANTE: ASSOCIAÇAO ADVENTISTA NORTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSITÊNCIA À SAÚDE APELADO: LÍVIA ABREU DA SILVA, SAULLO ABREU DA SILVA E FRANCISCO CHAGAS DA SILVA RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE COBERTURA EM HOSPITAL CONVENIADO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO DEVIDA - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. A negativa de cobertura de procedimento é ilegal e gera dano moral, tendo em vista que agrava o sofrimento psíquico de usuário que já se encontra com a saúde debilitada. O valor da indenização por danos morais deve ser fixado considerando o grau da responsabilidade atribuída ao réu, a extensão dos danos sofridos pela vítima, bem como os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por ASSOCIAÇAO ADVENTISTA NORTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSITÊNCIA À SAÚDE, contra sentença proferida pelo juízo da 8ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Belém/PA, que, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ajuizada inicialmente por CLEIDE ABREU DA SILVA (após sua morte houve substituição processual por seus herdeiros Saullo Abreu da Silva, Lívia Abreu da Silva e Francisco Chagas da Silva), que julgou procedente a demanda, condenando a ora apelada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Alega a apelante que nunca houve qualquer negativa de procedimento em desfavor da parte apelada e que usuário usufruiu de maneira irrestrita da cobertura de atendimentos médico-hospitalares disponibilizados pelo plano de saúde. Conclui que a empresa promovida não foi negligente em nenhum momento, muito menos se materializou falha de serviço em desfavor do apelado. Requer, assim, o total provimento do presente recurso a fim de que seja totalmente reformada a sentença primeva. A apelação foi recebida em seu efeito devolutivo apenas, conforme fls. 719. Foram apresentadas contrarrazões à apelação às fls. 721/735. É o relatório. DECIDO. Conheço do recurso, pois presentes seus pressupostos de admissibilidade. Do que conta dos autos, resta incontroverso e demonstrado por fartos laudos médicos que a senhora Cleide Abreu da Silva foi diagnosticada com câncer de mama e efetuou seu tratamento na rede conveniada do plano de saúde apelante. Conforme a narrativa feita na exordial, primeiramente a autora/apelada foi tratada em Belém e, após o avançar da doença, teve que se deslocar para a cidade de São Paulo e proceder a continuidade de seu tratamento no Hospital A. C. Camargo, hospital referência em tratamento de câncer e pertencente à rede conveniada do plano de saúde réu, ora apelante. Diante do alto custo do tratamento no Hospital A. C. Camargo, a operadora de plano de saúde resolver por suspender o tratamento naquele nosocômio e determinar que a autora prosseguisse com seu tratamento ou no Hospital Beneficente Portuguesa de São Paulo ou na sede do Hospital Adventista de Belém. Pois bem. Sabe-se que os contratos securitários voltados à saúde dos beneficiários lidam com a tutela dos bens jurídicos fulcrais à dignidade humana - art. 1º, III, CR/88 -, quais sejam, a própria vida e a saúde. Por isso, a jurisprudência pátria, capitaneada pelo STJ, consolidou-se no sentido de afastar a aplicação do princípio do pacta sunt servanda, nas hipóteses em que as cláusulas ajustadas se mostrarem abusivas, por prejudicarem o consumidor e, ilicitamente, negarem-lhe acesso à essência do serviço contratado. A situação se agrava no caso de contratos de adesão, em que não é oportunizado ao consumidor, hipossuficiente econômica e tecnicamente, negociar os termos do acordo. Destarte, com intento de prestigiar as salvaguardas legais, o referido Tribunal Superior editou o enunciado de súmula nº 469, segundo o qual "[a]plica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.". (Súmula 469, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 06/12/2010) Assim, é pacífico o entendimento acerca da ilegalidade da conduta da seguradora que frustra a pretensão do beneficiário em relação ao próprio cerne da pactuação de um plano de saúde. Afigura-se de todo legítima a expectativa do consumidor que espera obter da operadora a cobertura de tratamento prescrito por médico especialista que já lhe acompanhava desde o início da doença no Hospital A. C. Camargo, como se observa in casu. Vale ressaltar que o mais agravante desta situação foi que mesmo o Hospital cima citado fazendo parte da rede conveniada da ré, esta queria que a autora prosseguisse seu tratamento em outro nosocômio a fim de diminuir custos. Destaca-se que a tutela das legítimas expectativas do consumidor é uma exigência do princípio da boa-fé, ao qual se reconhece destacado papel no microssistema consumerista. A propósito, calham as considerações de Cláudia Lima Marques: (...) apesar da nova aplicação da Lei 9.656/1998 ao setor, continua sendo aplicável o CDC, em verdadeiro diálogo das fontes, e parece-nos de grande importância analisar essas relações contratuais sob a ótica da proteção dos interesses do usuário-consumidor ou consumidor equiparado. Neste sentido, dois aspectos devem também ser considerados: o respeito às expectativas legítimas do consumidor, em face do preço pago e das informações recebidas, e à importância social do sistema (....). Este primeiro aspecto destaca a importância da informação fornecida ao consumidor, em especial sobre as exclusões do plano escolhido. Não basta apenas destacar as cláusulas limitativas da cobertura oferecida - é necessário cumprir com seus deveres de informação e aconselhamento. Em resumo, exclusões genéricas desequilibram o conteúdo do contrato de seguro-saúde, de planos de saúde e dos demais seguros relacionados à saúde e não devem ser usadas para acobertar erros de cálculos atuariais ou cobranças a menor de prêmios, de forma a "baratear" serviços que os consumidores nunca poderão usar. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8ª edição. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2016. p. 1129/1130). Por todo o exposto, a interrupção de um tratamento tão sério, gera o dever de indenizar, sobretudo a título de danos morais. Quanto ao pedido de danos morais, percebe-se que os fatos descritos no processo causaram desnecessária angústia a autora que, em situação de extremo sofrimento diante da doença que enfrentava, teve também que lidar com a indevida recusa de cobertura para o atendimento no Hospital onde realizava seu tratamento de combate ao câncer. Nesses termos, o Superior Tribunal de Justiça já possui entendimento consolidado no sentido de que a recusa de cobertura de tratamento médico caracteriza danos morais, tendo em vista que agrava o sofrimento psíquico do usuário, já debilitado pelas condições precárias de saúde, não havendo que se falar, assim, em mero aborrecimento. Veja-se: "Não é possível o conhecimento do recurso especial quando o tribunal "a quo" concluiu que a recusa de cobertura por parte da operadora de plano de saúde para tratamento médico emergencial ou de urgência caracteriza dano moral, não se tratando apenas de mero descumprimento contratual ou mero aborrecimento. Isso porque tal entendimento está em consonância com a jurisprudência do STJ, incidindo a Súmula 83 desta corte". (AgInt no AREsp 996.684/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 03/04/2017). No que se refere ao valor da indenização, ausentes critérios legais taxativos para sua determinação, a fixação deve considerar o grau da responsabilidade atribuída à ré, a extensão dos danos sofridos pela vítima, bem como a condição social e econômica da ofendida e da autora da ofensa. Deve-se observar, também, os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Sobre o tema, leciona o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho: "No âmbito do dano extrapatrimonial (moral), a sua quantificação como um decréscimo material e também absolutamente impossível, razão pela qual o critério do arbitramento judicial é o único apropriado, conforme anteriormente destacado. Também aqui terá o juiz que se valer da lógica do razoável, que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstancias mais que se fizerem presentes. A indenização punitiva do dano moral pode ser também adotada quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável - dolo ou culpa grave - e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita." (in Programa de Responsabilidade Civil, 11ª edição. Ed. Atlas /11/2013, p. 155) Destarte, o valor da indenização por danos morais não pode representar enriquecimento sem causa da parte lesada nem, tampouco, a ruína do ofensor. No presente caso, a meu ver, a indenização fixada pelo magistrado de origem, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), é razoável, razão porque deve ser mantida. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença tal como lançada nos autos. P. R I. C. Belém/PA, 20 de junho de 2018. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2018.02931398-79, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-07-25, Publicado em 2018-07-25)
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1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO ORIGEM: 8ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026426-36.2010.814.0301 APELANTE: ASSOCIAÇAO ADVENTISTA NORTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSITÊNCIA À SAÚDE APELADO: LÍVIA ABREU DA SILVA, SAULLO ABREU DA SILVA E FRANCISCO CHAGAS DA SILVA RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE COBERTURA EM HOSPITAL CONVENIADO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO DEVIDA - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. A negativa de cobertura de procedimento é ilegal e gera dano moral,...
Data do Julgamento
:
25/07/2018
Data da Publicação
:
25/07/2018
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a)
:
MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
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