TJPA 0064520-21.2013.8.14.0301
PROCESSO N. 2013.3.032972-8. SECRETARIA DA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. COMARCA DA CAPITAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVANTE: MUNICIPIO DE BELEM. PROCURADOR MUNICIPAL: GUSTAVO AZEVELO RÔLA - OAB/PA N. 11.271 AGRAVADA: RAIMUNDA PEREIRA FERREIRA. DEFENSOR PÚBLICO: AUGUSTO RIOS - OAB/PA 4.705. PROCURADOR DE JUSTIÇA: ESTEVAM ALVES SAMPAIO FILHO. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES DECISÃO MONOCRATICA Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo MUNICIPIO DE BELEM, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Fazenda da Capital às fls. 36/37, nos autos da AÇ¿O DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (Proc. n.: 0064520-21.2013.814.0301), que determinou ao agravante a providenciar imediatamente leito em local apropriado para internação diária do valor de R$3.000,00 (três mil reais) e desobediência. Irresignada, a municipalidade alega em suas razões que a decisão interlocutória merece reforma porque: a) o município de Belém é parte ilegítima para constar no pólo passivo da lide, já que por se tratar de procedimento de alto custo a responsabilidade é do Estado; b) o sistema atual do SUS deixa claro a responsabilidade de cada um dos entes da Federação; c) ausência de responsabilidade do ente municipal; d) a concessão da liminar atrai consequências danosas. Coube-me a relatoria do feito (fl. 44), oportunidade em que indeferi o pleito suspensivo requerido (fls. 46/48). Contrarrazões às fls. 52/57. Informações prestadas pelo Juízo de Piso às fls. 58. Enviado à douta procuradoria, esta se manifestou pelo conhecimento e improvimento do recurso (fls. 61/66). É o relatório. DECIDO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. De início, assevero que nesta sede recursal, cabe apenas verificar se a decisão guerreada está corretamente alicerçada para o deferimento da tutela antecipada ou não. A tutela antecipada deve ser baseada na convicção do magistrado acerca da verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tendo por base prova inequívoca, conforme preceitua o art. 273 do CPC. Sobre a questão ensina o ministro Luiz Fux1: ¿A prova, via de regra, demonstra o 'provável', a ´verossimilhança', nunca a 'verdade plena' que compõe o mundo da realidade fenomênica. Os fatos em si não mudam, porque a prova realiza-se num sentido diverso daquele que a realidade indica. Ora, se assim o é e se o legislador não se utiliza inutilmente de expressões, a exegese imposta é a de que a 'prova inequívoca' para a concessão da tutela antecipada é alma gêmea da prova do direito líquido e certo para a concessão do mandamus. É a prova estreme de dúvidas; aquela cuja produção não deixa ao juízo outra alternativa senão a concessão da tutela antecipada¿. Em relação ao dano irreparável ou de difícil reparação segue ensinando o citado doutrinador2: ¿Desta sorte, é sempre irreparável, para o vencedor não obter através da justiça aquilo que ele obteria se houvesse cumprimento espontâneo do direito. Assim, a primeira preocupação do magistrado não é verificar se a conduta devida pode ser substituída por prestação pecuniária, mas antes o alcance da frustração do credor em razão do descumprimento da obrigação específica. O dano irreparável, por outro lado, também se manifesta na impossibilidade de cumprimento da obrigação noutra oportunidade ou na própria inutilidade da vitória no processo, salvo se antecipadamente. O esvaziamento da utilidade da decisão de êxito revela um 'dano irreparável' que deve ser analisado em plano muito anterior ao da visualização da possibilidade de se converter em perdas e danos a não-satisfação voluntária pelo devedor¿. Portanto, é essencial haver prova robusta o suficiente para que estabeleça uma ¿quase certeza¿, em que de forma razoável fique claro que ao direito tido por pretensão final requerida pelo autor seja realmente seu, através do que o filósofo Recanséz Siches chamava de ¿lógica do razoável¿. A questão de fundo no presente feito remonta ao pretenso antagonismo entre a tese do Estado de reserva do possível, limites orçamentos, o princípio da universalidade e o direito à saúde integral, estabelecido pelo art. 6º da Constituição Federal. De um lado há uma pessoa doente, pois compulsando os autos verifica-se claramente ser portadora de CANCER DE COLO UTERINO, conforme laudo de fl. 34, estando internada no HPSM do Guamá necessita de transferência urgente para hospital especializado, com UTI com suporte, que aqui nesta capital seria o Ophir Loyola, direito este lhe garantido não apenas pela Constituição Federal, mas também pela Carta dos Direitos Humanos, documento do qual o Brasil é signatário. Do outro a municipalidade que alega não ter condições de pagar o tratamento, que seus limites orçamentários não o preveem e que ao fazer frente a necessidade do agravado acabará por prejudicar outras pessoas, ou mesmo que não é sua responsabilidade mas sim dos demais entes estatais. Perante estes fatos cabe ao Juiz ao interpretar a norma vigente, a partir de seu livre convencimento, para melhor adequar a realidade aos dispositivos normativos vigentes. Entendo firmemente que os direitos sociais e individuais estabelecidos em nossa Carta Magna não tem apenas conotação programática, de princípio, mas também confere direitos subjetivos à pessoa. No caso em tela temos o art. 6º da Constituição Federal que assim reza: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Portanto, o direito à saúde é consagrado constitucionalmente como algo não apenas utópico, mas exequível e exigível, sendo claramente coerente que aquele que necessita de medicamentos, exames ou procedimentos para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde possui direito subjetivo para tanto. Mas não é só. O sistema constitucional vai além quando seu art. 196 prevê que o Estado deve instituir políticas públicas que sejam suficientes e eficazes para a promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa. Neste mesmo sentido já julgou o C. STJ: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. (...) 8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento. (RMS 24.197/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 24/08/2010). ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DOENÇA GRAVE. ACÓRDÃO FUNDADO EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO APELO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. (...) 4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como ¿hard case¿(caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. O pedido de fornecimento do medicamento à menor(direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais), traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma(do seu enunciado)para uma norma concreta - norma jurídica - que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão(resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller). Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto. 5. Recurso especial conhecido em parte e não-provido. Ausência de violação do art. 535, II, do CPC. (REsp 948.944/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 21/05/2008) O Excelso STF também já se manifestou a respeito, repelindo qualquer dúvida: EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070) E não poderia ser diferente as visões de nossas cortes superiores, pois qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente, não pode ser prescindível, pois garantir a dignidade da pessoa humana é um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito, posto isto, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto de forma superior ao princípio do mínimo existencial. A fixação de multa, infelizmente, é um mal necessário pois a sua ausência acarreta perigo de ineficácia à ordem judicial, sendo plenamente válida, senão vejamos o posicionamento do STJ a respeito: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDICAMENTOS. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 182/STJ. MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ASTREINTES. POSSIBILIDADE. RECURSO REPETITIVO PENDENTE DE JULGAMENTO. SOBRESTAMENTO. DESNECESSIDADE. 1. Inviável a apreciação do agravo regimental no ponto em que deixa de atacar especificamente os fundamentos do decisum que deu provimento ao recurso especial, incidindo, na espécie, a Súmula 182/STJ. 2. A jurisprudência do STJ é farta quanto a possibilidade de imposição de multa diária contra a Fazenda Pública por eventual descumprimento de obrigação de fazer. 3. Quanto ao pedido de suspensão do presente feito, ante a submissão de recurso representativo da controvérsia a julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC, a Corte Especial deste Tribunal firmou o entendimento de que somente os processos que tramitam nos Tribunais de segunda instância devem ficar sobrestados, em decorrência do comando contido naquele dispositivo legal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1299694/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 29/10/2015) Em casos como o dos autos deve ser aplicado o permissivo do §1º-A do art. 557 do CPC, vejamos: Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Ante o exposto, conheço e nego provimento ao Agravo de Instrumento. Belém, 18 de dezembro de 2015. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora 1 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. Processo de Execução. Processo Cautelar. 2ª ed. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 63. 2 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. Processo de Execução. Processo Cautelar. 2ª ed. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 61.
(2016.00014970-61, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-11, Publicado em 2016-01-11)
Ementa
PROCESSO N. 2013.3.032972-8. SECRETARIA DA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. COMARCA DA CAPITAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVANTE: MUNICIPIO DE BELEM. PROCURADOR MUNICIPAL: GUSTAVO AZEVELO RÔLA - OAB/PA N. 11.271 AGRAVADA: RAIMUNDA PEREIRA FERREIRA. DEFENSOR PÚBLICO: AUGUSTO RIOS - OAB/PA 4.705. PROCURADOR DE JUSTIÇA: ESTEVAM ALVES SAMPAIO FILHO. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES DECISÃO MONOCRATICA Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo MUNICIPIO DE BELEM, contra decisão interlocutória p...
Data do Julgamento
:
11/01/2016
Data da Publicação
:
11/01/2016
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
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