TRF5 200905001118012
PROCESSUAL PENAL E PENAL. DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. DESMEMBRAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DESCRIÇÃO SATISFATÓRIA DOS FATOS. INÍDICIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. ART. 1º, INCISOS I, II, III, IV E V DO DECRETO-LEI Nº 201/67 (CRIMES DE RESPONSABILIDADE). ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93 (INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO). ART. 288 DO CÓDIGO PENAL (FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO). DESCRIÇÃO DE FATOS QUE SE ADEQUAM ÀS PREVISÕES LEGAIS. ART. 203, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ARTS. 109, 111 E 117 DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA.
1. Em julgamento de Questão de Ordem apresentada ao Plenário deste Tribunal Regional Federal da 5ª Região, decidiu-se, na sessão realizada no dia 01 de dezembro de 2010, pelo desmembramento do inquérito com a remessa à primeira instância de parte da peça acusatória em que figuram como indiciados apenas os que não ostentam a prerrogativa de foro por função.
2. Cinge-se a questão dos autos ao recebimento de denúncia em desfavor Acusado, prefeito do Município de Itacuruba-PE, versando sobre o suposto cometimento dos crimes previstos no art. 1º, incisos I, II, III, IV e V do Decreto-Lei nº 201-67 (crimes de responsabilidade), art. 89 da Lei nº 8.666/93 (inexigibilidade de licitação) e arts. 288 (formação de quadrilha ou bando), 203 caput (frustração de direito assegurado por lei trabalhista) com incidência nos arts. 61, II, g (circunstância agravante - prática criminosa com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão), 69 (concurso material) e 71 (crime continuado) todos do Código Penal.
3. Competência desta Corte Federal para apreciar e julgar a matéria, tendo em vista que o suporte fático trata da aplicação de recursos oriundos de convênios firmados entre o Município referido e o Governo Federal, mais precisamente originários dos Ministérios da Saúde e Educação, mediante o repasse de verbas destinadas à concretização de programas assistenciais, dentre os quais se destacam os seguintes: Programas Sentinela, Agente Cidadão, Educação Infantil, Saúde da Família, Saúde para Todos, Agentes Comunitários de Saúde, Educação de Jovens e Adultos, Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes Jovens Egressos do PETI, Se Liga, Epidemiologia, Incentivo ao Desenvolvimento Agropecuário, Educação e Saúde e Educação e Arte.
4. A Medida Provisória nº 2.178-36/01 e a Lei nº 10.880/04 tratam da questão da fiscalização na aplicação dos recursos financeiros relativos aos programas vinculados ao Ministério da Educação, enquanto a Lei nº 8.080/90 trata da questão da fiscalização dos programas vinculados ao Ministério da Saúde. Aplicação da Súmula 208 do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal."
5. Ausente nulidade na oferta da denúncia sem a realização de inquérito policial anterior, haja vista os poderes investigatórios conferidos ao Ministério Público, parte legítima, e o poder deste órgão de Acusação em se utilizar de dados, informações, relatórios e decisões de outros órgãos de controle interno e externo. No caso, os elementos fornecidos foram de Auditoria de Tribunal de Contas, perfeitamente legitimadora de elementos para uma denúncia, como restou utilizada. Fundamento constitucional e legal nos arts. 129 da Constituição Federal, art. 26 da Lei nº 8.625/93 e 39, parágrafo 5º do Código de Processo Penal. Precedente do STF: RE 468523 - 2ª T. - RELª MIN. ELLEN GRACIE - DJ 19.02.2010. Preliminar rejeitada.
6. A materialidade das condutas criminosas é imputada pelo Denunciante a três células de atuações distintas e que estariam interligadas, que atuariam na manipulação de diversas pessoas físicas e jurídicas (SERVIL SERVIÇOS LTDA., APTA EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA., REALIZE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., OSASCO CONSTRUÇÕES LTDA., IDECI - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E CIDADANIA e MIXPREL - UNIÃO DE PROFISSIONAIS EMPREENDEDORES LTDA.), as quais usariam notas fiscais que efetivamente não correspondiam às compras ou contratações de serviços para os municípios (notas fiscais inidôneas ou notas fiscais frias), locupletando-se indevidamente de verbas públicas e supostamente ocultando e dissimulando a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes de lesão ao patrimônio público.
7. A primeira célula identificada na peça acusatória é representada, segundo alegações do Denunciante, pelo Sr. ROMERO MAGALHÃES LEDO, Prefeito de Itacuruba, representando o Poder Público, que teria celebrado vários termos de parceria com a OSCIP - CEGEPO, que possui como presidente o denunciado ERIVALDO SARAIVA FEITOSA e como administradores ocultos (AMAURY DA SILVA PINTO, EDIRCE EUGÊNIA CORREIA PINTO e AMAURY DA SILVA PINTO JUNIOR). Conclui o MPE/PE que a ligação destes últimos se evidencia em função de suas atuações nas empresas que orbitam em torno do CEGEPO, quais seja, a SERVIL, APTA, REALIZE, OSASCO, IDECI, MIXPREL, bem como atua o próprio ERIVALDO SARAIVA FEITOSA, que também é sócio das empresas REALIZE, OSASCO e MIXPREL, que se beneficiariam das verbas públicas de forma fraudulenta.
8. A peça acusatória relata a participação do Acusado, Romero Magalhães Ledo, ao desobedecer aos limites da LRF para despesas de pessoal e ainda favorecendo a circulação de dinheiro público entre os componentes das células criminosas, privando os supostos voluntários de seus direitos trabalhistas, bem como deixando de realizar procedimento licitatório, inexigindo-o fora dos casos previstos na Lei 8.666/90. Haja vista a condição do Acusado de Prefeito do Município de Itacuruba/PE e os fatos narrados na exordial, é possível se observar indícios de autoria que autorizam o recebimento da acusação.
9. Com base nos documentos apresentados pelo Ministério Público, especialmente os extratos bancários apreendidos, evidencia-se divergências entre os valores constantes nos recibos firmados pela CEGEPO e aqueles registrados na conta corrente nº 11729-3, Ag. 1028-6, Banco do Brasil (sendo esta a conta especificada nos termos de parceria para o recebimento dos recursos) referentes aos meses de julho a setembro de 2005.
10. Do repasse de R$ 895.419,60 (oitocentos e noventa e cinco mil quatrocentos e dezenove reais e sessenta centavos), restou quantia significativa sem a comprovação de destinação, no caso, correspondente a R$ 514.131,18 (quinhentos e quatorze mil cento e trinta e um reais e dezoito centavos), tendo sido apenas R$ 381.288,42 (trezentos e oitenta e um mil duzentos e oitenta e oito reais e quarenta e dois centavos) depositados na conta corrente especificada nos Termos de Parcerias para recebimento de recursos, tudo com base nos extratos bancários constantes nos autos. Pode-se concluir a evidência de indícios de: 1 - desvio de verba federal repassada do Município para uma entidade privada sem qualquer autorização legal e pelas vias próprias da utilização desse dinheiro; 2 - conseqüente utilização indevida de verbas públicas federais; 3 - emprego de recursos públicos federais em desacordo com cronograma, finalidade e justificativa plausível; 4 - realização de despesas em desacordo com a lei.
11. Constata-se, portanto, em tese, a configuração dos tipos previstos nos incisos I, II, III, IV e V, do Decreto-Lei nº 201/67, haja vista a destinação de verbas públicas sem a comprovação da correspondente utilização para a finalidade as quais se destinavam, cabendo o desenvolvimento da persecução criminal a respeito.
12. A utilização dos recursos, por sua vez, informou-se ter se dado da seguinte forma: a) 69,68% com reembolso de voluntários e; b) 25,98% com o pagamento de serviços de pessoa física. De acordo com o relatório que subsidiou a oferta da denúncia, elaborado pela Coordenadoria de Apoio Técnico em Contabilidade - CMAT a utilização expressiva de recursos com a remuneração de voluntários e ressarcimento de pagamentos em favor de terceiros suscita a possibilidade de verdadeira desobediência à LC 101/2000 e consequentemente à Lei nº 8.666/93, no que tange à necessidade de licitação, inexistindo qualquer menção acerca dos procedimentos administrativos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Presentes, pois, indícios suficientes ao processamento da denúncia em relação ao disposto no art. 89 da Lei nº 8.666/93.
13. Observa-se, portanto, que a efetivação de eventuais condutas criminosas reclamou o envolvimento de diversas pessoas, ligadas ao Município de Itacuruba quanto em relação às empresas contratadas que orbitam em torno do CEGEPO, corroborando-se a plausibilidade da prática de formação de quadrilha. Inexiste qualquer frustração na denúncia no que tange ao tipo penal previsto no art. 288 do CP (formação de quadrilha), já que a peça de acusação veicula a existência de uma organização criminosa com a descrição detalhada de cada um dos envolvidos.
14. Em relação ao crime capitulado no art. 203 do Código Penal (frustração de direitos trabalhistas), os fatos imputados ao Acusado se referem às irregularidades no repasse de recursos públicos federais à OSCIP contratada pelo Município, durante o curso do ano de 2005.
15. Entretanto, considerando a contagem do prazo prescricional desde a prática dos atos imputados até o recebimento da denúncia, primeira causa interruptiva do referido lapso legal, nos moldes previstos nos artigos supramencionados, observa-se a ocorrência da prescrição punitiva. Tendo como máximo da pena imputada ao agente, nos moldes do caput do art. 203 do Código Penal, no caso 2 anos, aplica-se o disposto no art. 109, inciso V, aplica-se o prazo prescricional de 04 anos.
16. O marco inicial da contagem do prazo prescricional é o ano de 2005, haja vista a menção ao cometimento de irregularidades durante todo este ano, e considerando o prazo da prescrição da pretensão punitiva, 04 anos, observa-se que já transcorreu o referido lapso, tendo ocorrido a prescrição da pretensão punitiva. Desta feita, em relação ao crime do art. 203, caput, do Código Penal, deixa-se de receber a denúncia, em face da prescrição da pretensão punitiva.
17. Uma vez evidenciada a plausibilidade da configuração dos tipos penais mencionados, até então, cabível se demonstra a análise do acusado na incidência nos arts. 61, II, g (circunstância agravante - prática criminosa com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão), 69 (concurso material) e 71 (crime continuado) todos do Código Penal.
18. A evidência dos tipos penais não se exaure na análise de ter sido legal o procedimento de escolha da OSCIP na Administração do Município de Itacuruba/PE, em atenção aos ditames da Lei nº 9.709/99, vez que a é necessário se analisar o desenvolvimento do processo de escolha, bem como as alegações de envolvimento do Município com a organização escolhida, o que só será possível no curso da ação criminal.
19. A alegação acerca da efetivação do repasse de todos os valores devidos à CEGEPO, totalizando um total de R$ 914.037,26 (novecentos e quatorze mil, trinta e sete reais e vinte e seis centavos), ou à aprovação das contas municipais pelo órgão competente para fazê-lo, não afasta a possibilidade de análise da configuração dos tipos penais presentes na denúncia, sendo devido o desenvolvimento da ação penal.
20. A efetiva demonstração da atribuição da chefia da primeira célula de eventual organização criminosa, mediante os indícios apresentados na denúncia, será possível de ser devidamente caracterizada durante o desenvolvimento da ação penal correspondente.
21. Não há que se falar em ausência dos requisitos previstos no art. 41 do CPP, vez que é possível se extrair da denúncia a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, haja vista a discriminação de atuação de todas as pessoas mencionadas nos tipos penais indicados, devidamente classificados, e o modo de participação de cada uma delas. Foram, ainda, qualificados todos os Acusados.
22. A demonstração de que os termos de parceria foram firmados amparados na lei do voluntariado é questão atinente ao próprio mérito da ação penal, havendo indícios suficientes de relação entre os envolvidos a autorizar o recebimento da presente peça acusatória.
23. Existindo indícios de autoria dos denunciado no que tange à prática de crime capitulado no art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, incisos I, II, III, IV e V, art. 89 da Lei nº 8.666/93, 288 do Código Penal, uma vez preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, deve ser recebida a denúncia em relação aos referidos tipos penais.
24. Deixa-se de receber a denúncia em relação ao crime capitulado no art. 203 do Código Penal (Frustração de lei trabalhista), face à ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
25. Recebimento parcial da denúncia ofertada em desfavor de ROMERO MAGALHÃES LEDO apenas em relação aos crimes previstos no art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, incisos I, II, III, IV e V, art. 89 da Lei nº 8.666/93, 288 do Código Penal.
(PROCESSO: 200905001118012, INQ2197/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Pleno, JULGAMENTO: 11/05/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 17/05/2011 - Página 97)
Ementa
PROCESSUAL PENAL E PENAL. DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. DESMEMBRAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DESCRIÇÃO SATISFATÓRIA DOS FATOS. INÍDICIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. ART. 1º, INCISOS I, II, III, IV E V DO DECRETO-LEI Nº 201/67 (CRIMES DE RESPONSABILIDADE). ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93 (INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO). ART. 288 DO CÓDIGO PENAL (FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO). DESCRIÇÃO DE FATOS QUE SE ADEQUAM ÀS PREVISÕES LEGAIS. ART. 203, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGU...
Data do Julgamento
:
11/05/2011
Classe/Assunto
:
Inquerito - INQ2197/PE
Órgão Julgador
:
Pleno
Relator(a)
:
Desembargador Federal Francisco Barros Dias
Comarca
:
Tribunal Regional Federal - 5ª Região
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