TJPA 0027188-43.2007.8.14.0301
SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE ORIGEM: BELÉM REEXAME NECESSÁRIO Nº. 2013.3.008643-5 SENTENCIADO/AUTOR: PAULO AFONSO DE PAIVA ADVOGADO: ANTONIO CARLOS AIDO MACIEL E OUTROS SENTENCIADO/RÉU: COMPANHIA DE TRANSPORTES DE BELÉM-CTBEL ADVOGADO: JOSE RONALDO MARTINS DE JESUS E OUTROS RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEXAME DE SENTENÇA. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. APREENSÃO DE VEICULO. CUSTODIA DO ORGÃO DE TRANSITO MUNICIPAL. SUBTRAÇÃO DE PEÇAS NO PERÍODO EM QUE O BEM ESTEVE APREENDIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE MUNICIPAL CONFIGURADA. ART. 37, §6, CF/88. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONFIGURADOS. AFASTADA CONDENAÇÃO POR LUCROS CESSANTES EM RAZÃO DO JULGAMENTO ULTRA PETITA. HONORÁRIOS FIXADOS ADEQUADAMENTE. AJUSTE QUANTO A INCIDENCIA DE JUROS E CORREÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. REMESSA OFICIAL CONHECIDA E SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. DECISÃO MONOCRÁTICA. A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Cuida-sede Reexame Necessário da r. decisão proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara de Fazenda de Belém, nos autos da Ação Ordinária de indenização por danos morais e materiais ajuizada por PAULO AFONSO DE PAIVA em desfavor de COMPANHIA DE TRANSPORTES DE BELÉM-CTBEL. Extrai-se dos autos que o veículo VW/KOMBI, placa JTT-6022, de propriedade do autor, foi apreendido e recolhido para o pátio da Ctbel na data de 11.11.2006, em decorrência de infração de trânsito. O veículo foi liberado na data de 16.02.2007, momento em que o autor constatou a ausência de peças no veículo. Realizada a inspeção do bem, restou confirmada a subtração de peças a cima questionada; o evento foi noticiado a ouvidoria da Ctbel, dando origem ao processo de sindicância nº. 022/2007, ulteriormente arquivado em razão da não comprovação de autoria (doc. fls.38). Por esses fatos, o autor ajuizou ação pleiteando indenização por dano material no valor de R$3.673,81 (TRÊS MIL SEISCENTOS E SETENTA E TRÊS REAIS E OITENTA UM CENTAVOS), bem como indenização por danos morais em valor a ser arbitrado. Juntou documentos às fls. 14/41. Em sede de contestação a Requerida pugnou pela total improcedência da ação, sob alegação de que não foi comprovada a subtração de peças do veículo nas dependências da CTBEL e que as peças não constavam no veículo no momento da apreensão. Não impugnou os documentos constantes da inicial. O Juízo originário, entendendo pela suficiência de provas, realizou o julgamento antecipado da lide, na forma do art. 330, I, do CPC, e julgou procedente os pedidos do autor, condenando a Requerida ao pagamento de indenização por danos materiais e lucros cessantes em valor a ser apurado em fase de liquidação, nos termos do art. 475-A do CPC, e por danos morais no valor de R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS),fixando honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da condenação e a restituir as custas antecipadas pelo autor. As partes não interpuseram recurso conforme certidão de fls. 82, sendo os autos encaminhados a este E. TJE/PA por conta da remessa oficial. Neste Juízo ad quem, a douta Procuradoria do Ministério Público, que declinou de sua prerrogativa, por falta de interesse público a exigir a intervenção do parquet. Redistribuídos, coube-me a relatoria em maio/2014. É o relatório. Procedo com o julgamento monocrático do recurso, na forma do art. 557, § 1°-A, do CPC, por tratar-se de questão pacífica pela jurisprudência do STJ e da 3ª Câmara Cível Isolada do E. TJPA. Conheço do Reexame Necessário por estarem presentes os requisitos de admissibilidade,conforme art. 475, I, do CPC. A par do posicionamento do C. STJ, destaco que a regra excepcional do §2º, do art. 475, não se aplica ao caso dos autos face a sentença não ter valor integralmente certo(ilíquida). Inexistindo matéria preliminar, passo a análise do mérito. DO DEVER DE INDENIZAR A Requerida, na condição de pessoa jurídica de direito público, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Nessa esteira, o direito brasileiro consagrou a teoria da responsabilidade objetiva, prevista no citado §6º, do art. 37, da CF/88, que estabelece que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão, conforme se vê na atual jurisprudência do C. STF, ora transcrita: EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Estabelecimento público de ensino. Acidente envolvendo alunos. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabilidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido.(ARE 754778 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-251, PUBLICAÇÃO 19-12-2013.) Neste contexto, o ente estatal deve indenizar pelo dano moral e/ou patrimonial causado, independentemente de caracterização de culpa dos seus agentes, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou tratar-se de conduta negativa (omissão), bastando a demonstração do nexo causal entre o dano e a conduta. Outrossim, não podemos olvidar que o dano indenizável pressupõe, necessariamente, que o bem afetado pela conduta lesiva seja protegido juridicamente, bem este, que no caso dos autos, trata-se tanto do patrimônio material da vítima (veículo), quanto de ordem moral, a teor do art. 5º, inc. V e X, da CF/88. A sentença sob reexame abordou substancialmente o caso e julgou acertadamente a lide para condenar o ente municipal pelos prejuízos causados à parte autora, vez que devidamente comprovados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade, na medida em que as provas produzidas demonstraram satisfatoriamente que o dano sofrido pelo autor é efeito direto da conduta lesiva do ente municipal. Deste modo, a conduta lesiva do ente municipal consubstancia-se na falta de zelo e vigilância do bem apreendido e mantido no depósito no período de 11.11.2006 a 16.02.2007, conforme extrai-se dos documentos de fls. 22 e 23. O dano, conforme demonstrado pelo juízo a quo, resta evidenciado pelos documentos e fotos carreadas aos autos, e especialmente pelo laudo de inspeção no veículo, realizado pelo próprio inspetor da Ctbel, no qual afirma a subtração de objetos do veículo (documento de fls. 37). Logo, resta evidenciado o nexo de causalidade, na medida em que está comprovado nos autos que os danos ocasionados ao veículo do autor ocorreram no período em que o mesmo esteve sob a custódia integral da Ré, gerando o dever de indenizar. Sem embargo, não observo qualquer excludente de responsabilidade da Ré, conforme bem fundamentado na sentença (...)em que pese o Município ter tentado atribuir a culpa exclusiva da vítima aduzindo que o carro já se encontrava sem algumas peças e danificado antes da apreensão, restou evidenciado que os danos ocorridos ao carro se deram quando da sua estadia no pátio da autarquia ré, conforme se demonstra pela própria declaração do agente de inspeção e vistoria da companhia de transportes, na qual resta evidenciado a subtração de diversos itens do carro. Portanto, resta claro o dever de indenizar. DOS DANOS MATERIAIS Acerca da indenização por danos materiais, restaram comprovados os prejuízos materiais e reconhecido o dever de indenizar, entretanto, o Juízo de piso deixou de fixar o valor devido em face do documento (orçamento) acostado pelo do autor não cumprir com a forma legal, pelo que submeteu a apuração do quantum devido à fase de liquidação de sentença. Nesse contexto, muito embora o pedido do autor seja certo quanto aos danos materiais, a sentença prolatada foi ilíquida, em desacordo com o Parágrafo Único, do art. 459, do CPC. Consoante, o pacífico entendimento do STJ preconiza que o art. 459, parágrafo único, do CPC, deve ser aplicado em consonância com o princípio do livre convencimento motivado do juiz, o que autoriza o juiz, se não convencido da extensão do pedido certo formulado pelo autor, reconhecer o direito aos danos, remetendo as partes à fase de liquidação de sentença. A propósito, a jurisprudência do STJ: EMENTA: Processual Civil e Civil. Recurso Especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Responsabilidade objetiva. Existência de nexo causal entre as obras de construção da rodovia e os danos causados aos autores. Sentença extra petita. Inocorrência. Sentença ilíquida em face de pedido certo.Possibilidade. Caso fortuito ou força maior. Reexame fático-probatório. Óbice da Súmula 7/STJ. Erro material. Inocorrência. [...] III - A alegação infundada de nulidade de sentença ilíquida, ao argumento de que fora formulado pedido certo, não merece trânsito. Isso porque a jurisprudência desta Corte reconhece que o enunciado do art. 459, paragrafo único, do CPC deve ser lido em consonância com o sistema que contempla o princípio do livre convencimento (art.131 do CPC), de sorte que, não estando o juiz convencido da procedência da extensão do pedido certo formulado pelo autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as partes para a liquidação. Precedentes. [...] Recurso especial PARCIALMENTE PROVIDO. (REsp 819.568/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 18/06/2010) Assim, mantenho a sentença neste ponto. Não obstante, a sentença condenou a Requerida ao pagamento de lucros cessantes, face a ausência de condições de trafegabilidade do veículo no momento de sua liberação, deixando a apuração do valor devido para fase de liquidação.Contudo,afasto integralmente a condenação por lucros cessantes, uma vez que não há nos autos tal pedido, bem como o pedido de danos materiais foi certo e devidamente especificado, razão pela qual resta configurado o julgamento ultra petita, a rigor do art. 460, do CPC. DOS DANOS MORAIS O dano moral diz respeito à violação dos direitos referentes à dignidade humana. A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que a consequência do dano encontra-se inerente a própria ofensa, vez que deflui da ordem natural das coisas, cujo parâmetro é a vida comum das pessoas. Nessa toada, para a demonstração do dano moral é suficiente a verificação do nexo causal entre a conduta indevida, o resultado danoso e o fato.Trata-se de dano moral in re ipsa, que prescinde a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. Ressalte-se que em vista da impossibilidade e/ou dificuldade de realizar-se a prova dos danos incorpóreos, cabe ao o juiz aplicar as regras de experiência comum, robustecidas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica. A respeito, válido o entendimento do insigne jurista Sérgio Cavalieri Filho: Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais. Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in reipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum. (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101). Sendo assim, agiu com acerto o juízo de piso ao reconhecer a ocorrência de dano moral, sob o entendimento de que é inerente a situação do caso concreto os sentimentos de perturbação, angustia e revolta. Sem embargo, no que tange ao valor indenizatório deve-se sempre ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante,a par do artigo 947 do Código Civil. Contudo, não sendo possível a restituição integral, haja vista a impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, a finalidade da indenização consiste no ressarcimento da parte lesada. Outrossim, ao se estabelecer o valor da indenização é necessário atentar ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e o caráter punitivo da indenização. Nesse diapasão, o montante indenizatório fixado em sentença no valor de R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS), deve ser mantido, pois tal valor que se mostra razoável à realidade do caso concreto, não implicando ônus demasiado ao ente público nem vantagem indevida à vítima. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA; HONORÁROS E CUSTAS Uma vez mantida a condenação contra a fazenda pública, reformo a sentença no que tange aos juros e correção monetária a incidir sobre a parcela de dano moral. No caso, o valor da condenação deverá ser atualizado, nos termos do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/09, sendo os juros com base aos aplicados à caderneta de poupança, a incidir uma única vez, até o efetivo pagamento, a partir do evento danoso. Já a correção monetária, haja vista a declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, na ADI nº. 4357/DF, deverá ser calculada com base no IPCA, índice este apto a refletir a inflação acumulada do período, a contar do arbitramento, conforme os Precedentes do STJ a seguir: REsp 1270439-PR, julgado na sistemática do art. 543-C do CPC; REsp. nº.1.356.120-RS; AgRg no AREsp 288026-MG. Por fim, acerca da condenação em honorários e restituição das custas antecipadas, resta mantida a sentença pelos seus próprios fundamentos. DISPOSITIVO Ante o exposto, CONHEÇO do Reexame Necessário, e reformo parcialmente a sentença, para excluir a condenação por lucros cessantes, e adequar a correção monetária e juros de mora nos termos da fundamentação supra exposta, mantendo a sentença nos demais termos. PRIC Belém, (Pa)., 30 de outubro de 2014 DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES Desembargadora
(2014.04637860-64, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2014-10-30, Publicado em 2014-10-30)
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SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE ORIGEM: BELÉM REEXAME NECESSÁRIO Nº. 2013.3.008643-5 SENTENCIADO/AUTOR: PAULO AFONSO DE PAIVA ADVOGADO: ANTONIO CARLOS AIDO MACIEL E OUTROS SENTENCIADO/RÉU: COMPANHIA DE TRANSPORTES DE BELÉM-CTBEL ADVOGADO: JOSE RONALDO MARTINS DE JESUS E OUTROS RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEXAME DE SENTENÇA. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. APREENSÃO DE VEICULO. CUSTODIA DO ORGÃO DE TRANSITO MUNICIPAL. SUBTRAÇÃO DE PEÇAS NO PERÍODO EM QUE O BEM ESTEVE APREENDIDO...
Data do Julgamento
:
30/10/2014
Data da Publicação
:
30/10/2014
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO
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