TRF3 0007931-70.2007.4.03.6311 00079317020074036311
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA. REQUISITOS
COMPROVADOS. PROVA DOCUMENTAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. HABILITAÇÃO
TARDIA. TERMO INICIAL NA DATA DO SEGUNDO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito
do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se
regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício
previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou
não.
2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão:
a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de
dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado
quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida
os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias
previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
3 - A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº
9.032/95, vigente à época do óbito, prevê taxativamente as pessoas que
podem ser consideradas dependentes.
4 - O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se
companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união
estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226
da Constituição Federal".
5 - Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da
Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar
a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que
referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no
art. 1.723 do CC.
6 - O evento morte, ocorrido em 04/11/1999, foi devidamente comprovado pela
certidão de óbito (fl. 08-verso).
7 - Igualmente, demonstrada a qualidade de segurado do falecido, pelo
extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS à fl. 10-verso
e ante a concessão do benefício de pensão por morte à filha do de cujus
(fl. 49-verso), sendo questão incontroversa.
8 - A celeuma diz respeito à condição do autor como companheiro do falecido,
bem como de sua dependência econômica.
9 - Aduziu, na inicial, que conviveu em união estável homoafetiva com o
falecido por aproximadamente 07 (sete) anos, até a data do óbito, porém,
ao requerer o benefício administrativamente, seu pedido foi negado.
10 - A documentação juntada pelo demandante é suficiente à configuração
do exigido início de prova material.
11 - Em audiência de instrução, realizada em 20/03/2011, foi colhido
o depoimento pessoal do autor e coletados os depoimentos das testemunhas
arroladas por ele e pela corré (mídia à fl. 168).
12 - Analisando-se os depoimentos, infere-se, apesar das contradições,
que o falecido residiu entre 1995/1996 na casa da depoente Rosângela, entre
1996/1997 na casa da Sra. Fátima e, após 1997 até o óbito, com o autor
Marcelo e com sua genitora, Vera, a qual frequentava a casa quinzenalmente.
13 - As testemunhas do autor confirmaram a relação homoafetiva; a Sra. Vera,
ouvida como informante, embora tenha dito que seu filho não era homossexual,
desconfiava da existência de um relacionamento; o Sr. Oswaldo afirmou
que Marcelo e Milton dividiam um quarto, tendo aquele ido ao enterro e ao
velório, e a Sra. Fátima aduziu que viu Marcelo na casa da dona Vera no
Jd. Rio Branco. Apesar destes dois depoentes terem dito que Marcelo foi
apresentado como amigo, as regras de experiência comum, aliadas aos demais
elementos de prova, demonstram que a relação entre as partes envolvidas
ia além da mera amizade.
14 - Acresça-se que o Sr. Cléber Fagundes descreveu o falecido, asseverando
que se parecia muito com a garota que estava na sala de audiências,
circunstância confirmada pelas testemunhas Margarete e Oswaldo, o que
demonstra que efetivamente conhecia o Sr. Milton.
15 - Saliente-se que, segundo os dizeres de Maria Berenice Dias, "se pode
afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento
mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam
a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento
se torna uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo
merecedor da tutela jurídica como uma entidade familiar. (...) Daí serem
a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos
caracterizadores. Nada mais do que a prova da presença do enlaçamento
de vida, do comprometimento recíproco" (Manual de direito das famílias,
11ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016, pg. 246) (grifos no original).
16 - Assim, tendo a Constituição Federal erigido a união estável ao
status de entidade familiar e, sendo esta, atualmente, entendida com base nos
laços de afetividade, não há como afastar o reconhecimento do instituto
no caso em apreço, ante a clara demonstração de afeto, auxílio mútuo,
assistência moral e convivência duradoura, pública e contínua.
17 - O autor acolheu o de cujus em sua residência, enfermo, emprestando-lhe
os cuidados necessários inerentes e necessários a um final de vida digno.
18 - União estável pressupõe a criação de vínculos familiares duradouros,
de cuidado, preocupação e assistência mútuas, compreensão, bem querer
e afeto. Comprovado que isto existia entre o autor e o falecido. Fraudes e
oportunismos, reconheça-se, não têm aptidão de gerar efeitos jurídicos
positivos àqueles envolvidos, mas, repisa-se, não se evidencia dos autos
estas reprováveis situações.
19 - Acresça-se, por oportuno, que, conforme ensinam Daniel Machado da Rocha
e José Paulo Baltazar Júnior, "o inciso V do art. 201 da CF consagrou o
direito de pensão ao companheiro ou companheira, conceito que sem dúvida é
mais amplo do que o de união estável" (Comentários à Lei de Benefícios
da Previdência Social, 14ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Atlas,
2016, pg. 113).
20 - Por fim, não há que se falar em ausência de dependência econômica,
isto porque há presunção legal (art. 16, §4º, da Lei nº 8.213/91) que
só cederia mediante a produção de robusta prova em sentido contrário,
que não se vislumbra nos autos.
21 - Assim restou demonstrada a união duradoura, pública e notória com o
intuito de constituir família, sendo, como dito, a dependência econômica
presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, a qual não
foi elidida pelo ente autárquico.
22 - Acerca do termo inicial do benefício, tendo a pensão por morte sido
concedida anteriormente à filha do de cujus, e tendo o autor formulado
dois requerimentos administrativos, em 03/11/2005 (fl. 11) e 28/03/2007
(fl. 05-verso), ante o lapso temporal havido entre os pleitos naquela seara,
de rigor a alteração do termo inicial do benefício fixando-o na data do
segundo requerimento, em 28/03/2007, compensando-se os valores eventualmente
pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença.
23 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada
de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir
de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob
a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE),
pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc
do mencionado pronunciamento.
24 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais
e a jurisprudência dominante.
25 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada
moderadamente, o que foi observado com o percentual de 10% (dez por cento)
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
26 - Apelação do INSS e Remessa Necessária parcialmente providas.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA. REQUISITOS
COMPROVADOS. PROVA DOCUMENTAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. HABILITAÇÃO
TARDIA. TERMO INICIAL NA DATA DO SEGUNDO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito
do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se
regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefí...
Data do Julgamento
:
12/11/2018
Data da Publicação
:
23/11/2018
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2020730
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Mostrar discussão