TJPI 2010.0001.006513-9
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR MUNICIPAL ESTÁVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. NEGATIVA DE REGISTRO POR PARTE DO TCE APÓS DEZ ANOS DO ATO INICIAL DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. ATO ADMINISTRATIVO COMPOSTO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA BOA-FÉ, DA CONFIANÇA DA LEGÍTIMA, DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 54, DA LEI Nº 9.784/99.
1.O artigo 40, caput, da Constituição Federal de 1988, em nenhum momento restringiu o direito de vinculação ao Regime Próprio de Previdência aos servidores ocupantes de cargos efetivos, mas tão somente garantiu a estes o direito de vincular-se ao Regime Próprio de Previdência. De fato, o mencionado dispositivo não faz nenhuma restrição no sentido de proibir a vinculação de outras categorias de servidores ao Regime Próprio de Previdência Social.
2.O § 13, do artigo 40, da Constituição Federal, vedou da inclusão ao Regime Próprio de Previdência apenas os cargos em comissão e os empregos públicos, o que introduziu no referido regime de previdência apenas uma única distinção, qual seja: a distinção entre cargos e empregos temporários. Dessa forma, não há lugar para aplicação de uma interpretação extensiva para tal vedação, de modo a excluir os servidores estáveis não efetivos do Regime Próprio de Previdência.
3.Sob o prisma da conveniência e oportunidade, a entidade federativa poderá vincular ao seu Regime Próprio de Previdência Social toda e qualquer categoria de servidores públicos acaso existentes, com exceção, é claro, do servidor ocupante exclusivamente de cargo em comissão, de cargo temporário, ou de emprego público, por expressa vedação do § 13, do artigo 40, da Magna Carta.
4.No Parecer Nº – GM – 030, DOU Nº 65, de 03/04/2003, acolhido pelo então Presidente da República, o Min. Gilmar Mendes concluiu que “são alcançados por tal regime [Regime Próprio de Previdência Social] assim os servidores estáveis como também aqueles estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT e aqueles que, mantidos no serviço público e sujeitos ao regime estatutário, não preencheram os requisitos mencionados na referida disposição transitória, alcançando, portanto, os estáveis e efetivados, os estáveis e não efetivados e os não estáveis nem efetivados” (negritou-se).
5.A Lei Municipal de União n. 295/1992 submeteu, expressamente, os servidores celetistas estáveis por força do artigo 19, do ADCT/88, ao Regime Jurídico Próprio do Município, submetendo-os, consequentemente, ao Regime de Previdência por ela estatuído.
6.Em casos similares, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, embora seja inconstitucional a transposição automática de regimes jurídicos sem a realização de concurso público, os servidores originariamente celetistas estabilizados na forma do artigo 19, caput, do ADCT/88, e submetidos ao regime estatutário, permanecem abrangidos pelo Regime Jurídico Próprio, aplicando-se a eles todas as regras relativas a este regime, com exceção daquelas que, expressamente, forem destinadas aos servidores efetivos.
7.No presente caso, a recusa do registro da aposentadoria do Impetrante somente ocorreu depois de passados quase 10 (dez) anos de sua concessão administrativa pelo Município de União-PI, através do Decreto Municipal nº 020/00.
8.Se por um lado o ato que concedeu a aposentadoria do Impetrante encontra-se em desconformidade com a Resolução nº 2.782/96 do TCE-PI, o que levou o TCE-PI a julgá-lo ilegal e não autorizar o seu registro, por outro, o fato de o Impetrante ter usufruído durante quase 10 (dez) anos de sua aposentadoria, comprova a existência de uma expectativa positiva gerada pelo próprio Estado no tocante à continuidade de seu recebimento. Há, portanto, um conflito entre as exigência objetivas e subjetivas do postulado da segurança jurídica, que somente pode ser resolvido pela ponderação dos princípios incidentes.
9.O lapso temporal transcorrido entre o ato inicial de concessão de aposentadoria e a decisão do Tribunal de Contas acerca de seu registro cria situações jurídicas dotadas de estabilidade e presunção de legalidade e legitimidade, uma vez que estão amparadas em decisões emanadas do próprio Poder Público. Ademais, é notória a boa-fé do Impetrante, o que reforça a aplicação do princípio da confiança legítima e da estabilidade das relações jurídicas.
10.Assim, tendo em vista o postulado da segurança jurídica, bem como os princípios da boa-fé e da confiança da legítima, entendo que a atuação do Tribunal de Contas do Estado, no tocante ao julgamento da legalidade e registro das aposentadorias, deve estar sujeita a um prazo razoável, sob pena de ofensa aos princípios da razoabilidade e da lealdade.
11.A medida do que seria esse prazo razoável, segundo os Ministros Gilmar Mendes e César Peluso, encontra-se definida pela legislação federal, através do artigo 54, da Lei nº 9.784/99, segundo o qual “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé” (negritou-se).
12.Entretanto, enfrentando casos similares ao presente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não se operam os efeitos da decadência prevista no artigo 54, da Lei 9.784/99, no período compreendido entre o ato administrativo concessivo da aposentadoria e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas, em virtude de entender que a aposentadoria consiste em ato administrativo complexo, que somente se aperfeiçoa com o registro no Tribunal de Contas. Assim, o prazo decadencial somente teria início com a decisão do Tribunal de Contas.
13.Todavia, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a inércia do Tribunal de Contas acerca do registro da aposentadoria consolida afirmativamente a expectativa do ex-servidor no tocante à legalidade de seu ato de aposentadoria e à continuidade do recebimento da verba de caráter alimentar, expectativa esta que merece proteção em face dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança da legítima.
14.Por tal razão, a Suprema Corte vem decidindo que, passados cinco anos da chegada do processo administrativo de aposentadoria ao Tribunal de Contas, surge para o servidor público aposentado o direito subjetivo de ser notificado de todos os atos administrativos de conteúdo decisório, assegurando-lhe o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. (Precedentes: STJ, MS 24.423/RS, Rel. Minª. Laurita Vaz, Julgado em 23/08/2011; STJ, REsp 610.464/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 19/03/2007; STJ, REsp 676.394/RS, 6.ª Turma, Relª. Minª. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ de 30/10/2006)
15.Assim, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, seria necessária a anulação do acórdão impugnado, mas apenas para determinar ao Tribunal de Contas do Estado do Piauí que assegure ao Impetrante o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo administrativo relativo à análise da legalidade e registro de sua aposentadoria.
16.Entretanto, com a devida vênia ao importante papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal e ao notório conhecimento jurídico dos ministros que o compõem, entendo que as referidas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal não se coadunam com a melhor ponderação dos princípios incidentes ao caso, quais sejam: o princípio da segurança jurídica e os subprincípios da legalidade, da boa-fé e da confiança da legítima.
17.Com a máxima vênia, entendo ser equivocado o enquadramento do ato concessivo de aposentadoria, sujeito a registro pelo TCE, como ato administrativo complexo. Isso porque, se o ato administrativo complexo é aquele para cuja formação ou existência apresentam-se necessárias várias vontades conjugadas, os atos administrativos dependentes de registro pelos Tribunais de Contas não podem ser considerados atos administrativos complexo, uma vez que todos os elementos de aperfeiçoamento de tais atos já são implementados quando do ato inicial de concessão da aposentadoria pela própria Administração Pública.
18.O registro pelo TCE não consiste em etapa integrativa do ato de concessão de aposentadoria, não colabora para a sua formação, reputando-se este perfeito e acabado quando exarado pela autoridade administrativa. Assim, pode-se afirmar que o ato concessivo de aposentadoria só depende do registro para reputar-se definitivamente executável, uma vez que o ato já existe e produz a totalidade de seus efeitos desde a sua perpetração pela própria Administração Pública.
19.O ato concessivo de aposentadoria pela Administração Pública e o ato de registro realizado pelo Tribunal de Contas são formal e materialmente autônomos, de modo que existem duas manifestações de vontade autônomas, seja quanto à formação, seja quanto aos efeitos. Em outras palavras, não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para conceder a aposentadoria, são atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede a aposentadoria e o segundo controla a sua legalidade. Por tais razões, entendo que o ato concessivo de aposentadoria não consiste em ato administrativo complexo, mas sim em ato administrativo composto.
20.A simples constatação de que o ato de concessão de aposentadoria consiste em ato administrativo composto e não complexo, por representar um equívoco da premissa contida nas decisões do Supremo Tribunal Federal, se presta a contraditá-las e afastar a conclusão de que o prazo decadencial disposto no artigo 54, da Lei 9.784/99, só começaria a contar após a manifestação do Tribunal de Contas acerca da legalidade e registro do ato.
21.O art. 54, da Lei n. 9.784/99, expressamente consagra que o prazo decadencial será contado da data em que o ato foi praticado. E, conforme demonstrado, reputa-se perfeito e praticado o ato concessivo de aposentadoria a partir do ato inicial de concessão exarado pela autoridade administrativa, momento a partir do qual já se encontra apto a produzir seus efeitos. Assim, o termo inicial do prazo decadencial para a Administração Pública anular o ato de aposentadoria se dá com a concessão do próprio ato pela Administração.
22.Mesmo que se entenda que o ato concessivo de aposentadoria seja um ato administrativo complexo, ainda assim seria possível concluir que os julgados do Supremo Tribunal Federal se equivocaram ao definir que o termo inicial da contagem do prazo prescricional, disposto no artigo 54, da Lei n. 9.784/99, seria a decisão, proferida pelo Tribunal de Contas acerca da legalidade e do registro do ato inicial de concessão da aposentadoria. Isso porque, ainda que o ato concessivo de aposentadoria seja considerado um ato administrativo complexo, certamente será sui generis, uma vez que, após o ato inicial de concessão de aposentadoria exarada pela Administração Pública, a aposentadoria ganha eficácia imediata.
23.Ademais, tendo em vista que a finalidade do instituto da decadência administrativa é a proteção da boa-fé e da confiança legítima do administrado, resta claro que o termo a quo do prazo decadencial deve ser o início do depósito da confiança. E, independentemente de se qualificar o ato concessivo de aposentadoria como ato administrativo complexo ou composto, não se pode negar que o início do depósito da confiança por parte do administrado se dá com a prática do ato sujeito a registro e não com a decisão de registro pelo Tribunal de Contas.
24.Outrossim, a aplicação do prazo decadencial do art. 54, da Lei n. 9.784/99, ao controle de legalidade exercido pelo Tribunal de Contas sobre o ato concessivo de aposentadoria também encontra fundamento nos princípios constitucionais da duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVII, da CF) e da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CF).
25.Dessa forma, seja por não ser possível a classificação do ato de aposentadoria como complexo, seja pelo reconhecimento dos princípios constitucionais da segurança jurídica, da boa-fé, da confiança legítima, da eficiência administrativa e da razoável duração do processo, ou seja por ambos os motivos, deve o Tribunal de Contas, no exercício da competência constitucional de exame da legalidade do ato concessivo de aposentadoria, respeitar o prazo decadencial previsto no artigo 54, da Lei n. 9.784/99.
26.Isto posto, torno sem efeito o Acórdão nº 1.260/2010, proferido pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí, nos autos do Processo TC-O Nº 524/05, i) não apenas no sentido de garantir ao Impetrante o direito ao contraditório e à ampla defesa, como dispõe a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; ii) mas para decretar a ocorrência da decadência administrativa prevista no artigo 54, da Lei n. 9.784/99, por ser a medida que melhor se coaduna com os princípios constitucionais da segurança jurídica, da boa-fé, da confiança legítima, da eficiência administrativa e da razoável duração do processo.
(TJPI | Mandado de Segurança Nº 2010.0001.006513-9 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | Tribunal Pleno | Data de Julgamento: 29/03/2012 )
Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR MUNICIPAL ESTÁVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. NEGATIVA DE REGISTRO POR PARTE DO TCE APÓS DEZ ANOS DO ATO INICIAL DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. ATO ADMINISTRATIVO COMPOSTO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA BOA-FÉ, DA CONFIANÇA DA LEGÍTIMA, DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 54, DA LEI Nº 9.784/99.
1.O artigo 40, caput, da Constituição Federal de 1988, em nenhum momento restringiu o direito de vinculação ao Regime Próprio...
Data do Julgamento
:
29/03/2012
Classe/Assunto
:
Mandado de Segurança
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Des. Fernando Carvalho Mendes
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