TRF3 0001438-80.2011.4.03.6006 00014388020114036006
PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. DESCAMINHO/CONTRABANDO
DE CIGARROS E ROUPAS. ARTIGO 334 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ARTIGO 333 DO
CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARTIGO 288 DO CP. CONHECIMENTO DA APELAÇAO
DA DEFESA EM DETRIMENTO DA RENÚNCIA AO DIREITO DE RECORRER MANIFESTADA
PELO RÉU. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA REJEITADA. PRELIMINARES DE
NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REJEITADAS. MATERIALIDADES E
AUTORIAS DOS DELITOS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. HABITUALIDADE DELITIVA
CONFIGURADA. AFASTADA A CONTINUIDADE DELITIVA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA ESTATAL EM RELAÇÃO AOS CRIMES DO ART. 334 E 288 CP. REGIME DE
CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
RESTRITIVAS DE DIREITO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS.
1. Apelações da Acusação e das Defesas contra a sentença que:
I) rejeitou parcialmente a denúncia, nos termos do artigo 395, inciso I,
do Código de Processo Penal, ante a inépcia formal da peça acusatória em
relação ao crime do artigo 333 do Código Penal, imputados aos réus JOSÉ
EUCLIDES DE MEDEIROS (fatos criminosos 7 e 8), MARLEI SOLANGE CRESTANI DE
MEDEIROS (fatos criminosos 7, 8 e 9) e VALDINEI ALEXANDRE DA SILVA, bem como
em relação à prática do crime do artigo 334 do Código Penal imputado à
ré MARLEI SOLANGE CRESTANI DE MEDEIROS no fato criminoso nº 9 da denúncia;
II) acolheu parcialmente a denúncia:
II. a) Quanto ao réu JOSÉ EUCLIDES DE MEDEIROS, para condená-lo nas penas
dos artigos 288, caput e 334, caput (por seis vezes - fatos criminosos 1,
2, 5, 6, 7 e 8), cumulado com o artigo 69 do Código Penal, à pena de 10
(dez) anos e 3 (três) meses de reclusão, com início no regime fechado,
e para ABSOLVÊ-LO das imputações constantes da denúncia na descrição
dos fatos criminosos 3, 4 e 9, relativamente à prática do crime tipificado
no artigo 334 do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VII (fato 3)
e V (fatos 4 e 9), do Código de Processo Penal, e também quanto à prática
do crime do artigo 333 do Código Penal no terceiro, quarto, quinto, sexto e
nono contextos fático-delitivos, com fundamento no artigo 386, incisos II
(fato 5), V (fatos 3, 4 e 9) e VII, (fato 6), todos do Código de Processo
Penal;
II. b) Quanto à ré MARLEI SOLANGE CRESTANI DE MEDEIROS, para condená-la nas
penas dos artigos 288, caput e 334, caput (por seis vezes - fatos criminosos
3, 4, 5, 6, 7 e 8), cumulado com o artigo 69 do Código Penal, à pena de 10
(dez) anos e 3 (três) meses de reclusão, com início no regime fechado,
e para ABSOLVÊ-LA das imputações constantes da denúncia na descrição
dos fatos criminosos 1 e 2, relativamente à prática do crime tipificado no
artigo 334 do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso V, do Código
de Processo Penal, e também quanto à prática do crime do artigo 333 do
Código Penal no terceiro, quarto, quinto e sexto contextos fático-delitivos,
com fundamento no artigo 386, incisos II (fato 5), V (fatos 3 e 4) e VII,
(fato 6), todos do Código de Processo Penal;
II. c) Quanto ao réu VALDINEI ALEXANDRE DA SILVA, para condená-lo nas penas
dos artigos 288, caput e 334, caput (por uma vez - fato criminoso 7), cumulado
com o artigo 69 do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses
de reclusão, com início no regime aberto, e para ABSOLVÊ-LO da prática
do crime de contrabando ou descaminho do oitavo fato delitivo descrito na
denúncia, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
2. O presente apuratório foi instaurado para investigação de quadrilhas,
atuantes no Mato Grosso do Sul e Paraguai, responsáveis pela introdução
clandestina de cigarros paraguaios em solo nacional. Partindo-se do
envolvimento do PM Júlio Cesar Roseni e outros, foi determinada judicialmente
a implementação de interceptações de comunicações telefônicas,
visando a concreta identificação dos envolvidos na trama criminosa.
3. A investigação detectou a existência de agremiações criminosas diversas
que atuavam na região, entre elas aquela formada pelo grupo ora denunciado,
especializado no contrabando em grande escala de cigarros provenientes do
Paraguai, além de armas, munições, medicamentos, roupas, dentre outras
mercadorias.
4. Admitida a apelação interposta pela Defesa técnica, em detrimento
da renúncia do réu Valdinei Alexandre da Silva ao direito de recorrer,
por respeito à ampla defesa e ao contraditório. Inteligência da Súmula
705 do STF.
5. A jurisprudência já se pacificou no sentido do descabimento da alegação
de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória,
em razão da preclusão da matéria.
6. As condutas criminosas atribuídas ao réu Valdinei Alexandre da Silva,
vulgo "Amarelo", são descritas de maneira clara, embora sucinta, na denúncia
oferecida pelo Ministério Público Federal, atendendo aos requisitos descritos
no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo ao réu o
exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.
7. A arguição de ausência das autorizações para a interceptação
telefônica é rechaçada, em parte, pela mídia digital de fls. 21 onde
constam os Relatórios de Inteligência Policial elaborados nos autos
do pedido de quebra de sigilo telefônico nº 0000501-07.2010.403.6006,
com as transcrições dos diálogos captados pelos diversos investigados,
colhidos em virtude do deferimento das interceptações telefônicas.
8. Os autos nº 0000501-07.2010.403.6006 estão atrelados à ação penal
originária nº 0001224-89.2011.403.6006, da qual a presente ação é
desmembrada, não havendo irregularidade quanto ao ponto, pois o processo
de interceptação telefônica deve tramitar em autos apartados, apensado
ao inquérito ou à ação penal, nos termos do artigo 8º da Lei 9.296/96.
9. Há suficiente motivação judicial para a decretação da interceptação
telefônica. Constam da decisão autorizativa da interceptação telefônica
e das decisões subsequentes, de autorização da prorrogação da medida,
os fundamentos pelos quais houve o deferimento da quebra.
10. Basta a leitura da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico
e das decisões posteriores de prorrogação da medida para se aferir que
a autorização para a interceptação ocorreu pelo prazo de quinze dias,
em observância ao artigo 5º da Lei 9296/96.
11. A orientação pretoriana é no sentido de ser despicienda a realização
da transcrição integral de todas as gravações do monitoramento
telefônico.
12. Desnecessidade de as transcrições dos diálogos captados serem realizadas
por peritos judiciais, diante da não determinação legal para a transcrição
por perito oficial.
13. As materialidades dos crimes do artigo 334 do CP encontram-se demonstradas
pelos Autos de Apreensão e laudos periciais comprovando a apreensão da
carga de mercadorias (roupas e cigarros) de origem estrangeira.
14. As materialidades dos crimes do artigo 333 do CP encontram-se comprovadas
pelas mensagens captadas em interceptação telefônica e pela prova
testemunhal, no sentido do pagamento de propina a policiais para a passagem
da carga de mercadorias internadas irregularmente, sem que estes efetivassem
a apreensão da carga e a prisão do motorista.
15. Afastada a decisão que reconheceu a inépcia da denúncia quanto ao crime
de corrupção ativa (art. 333 do CP) relativamente aos fatos criminosos 07 e
08, para o fim de decretar a absolvição dos réus, com fulcro no art. 386,
V do CPP.
16. A análise da denúncia leva à conclusão de sua inépcia quanto ao
crime do artigo 333 do CP. No entanto, já tendo havido, por parte do Juízo
de primeiro grau, o recebimento da exordial acusatória, não caberia, naquela
oportunidade, o reconhecimento da inépcia da denúncia, sob pena do magistrado
"a quo" estar concedendo ordem da habeas corpus de ofício contra si mesmo,
o que não se afigura possível, sendo o único caminho, na hipótese, a
decretação de absolvição dos réus, com fulcro no art. 386, inc.V do CPP.
17. Incumbe ao órgão acusador descrever, pormenorizadamente, o comportamento
delituoso dos réus para cada fato criminoso, a fim de possibilitar-se o
exercício da ampla defesa e do contraditório, pois o réu defende-se dos
fatos e não de sua capitulação legal (CPP, artigo 41).
18. O delito de quadrilha é autônomo em relação aos delitos eventualmente
praticados pelos quadrilheiros, sendo, pois, prescindível a comprovação
de que houve o cometimento de crimes por integrantes da quadrilha.
19. A quadrilha consuma-se com a associação permanente, estável e
duradoura de ao menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes. Isto
é, basta a associação tendente ao cometimento de infrações penais,
mas independentemente disto, de modo que a prática efetiva de infração
penal não constitui elementar do tipo do artigo 288 do Código Penal.
20. É possível evidenciar pelo tempo das interceptações telefônicas e
captação de diálogos com duração de meses, relativos ao transporte da
carga de cigarros e roupas, e confirmação das conversas com a efetiva
apreensão de diversas cargas das mercadorias, em datas diferentes, o
vínculo estável e duradouro entre os réus deste feito, e, ao menos, o
acusado Valdinei, o réu Adilson de Souza, vulgo 'CTB' (feito desmembrado),
e outras pessoas não identificadas, para a prática dos delitos.
21. A associação entre os réus José Euclides, Marlei Solange e Valdinei
revela uma organização criminosa bastante ordenada, mediante divisão de
tarefas.
22. As autorias imputadas aos réus encontram suporte na prova coligida aos
autos.
23. Não assiste razão à Defesa ao pleitear a continuidade delitiva,
porque embora os crimes sejam de mesma espécie e cometidos em condições
de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, os subsequentes não
podem ser considerados como continuação do primeiro.
24. Os crimes de descaminho/contrabando e de corrupção ativa foram praticados
em habitualidade delitiva, descaracterizando-se a continuidade delitiva. A
prática delitiva para os réus José Euclides e Marlei Solange seria o meio
de vida deles, com caráter de profissionalismo no crime, considerando-se
também que a prova coligida aos autos demonstra que ambos constituíram
empresas de transporte, para dar aparência de legalidade às diversas
internacionalizações de cigarros e roupas do Paraguai, caracterizando-se
habitualidade.
25. Diante da quantidade das penas privativas de liberdade impostas na
sentença e mantidas nesta instância aos réus José Euclides, Marlei
Solange e Valdinei, relativamente aos crimes do art. 288 e 334 do CP, bem
assim da ausência de recurso da Acusação para a majoração, cumpre desde
já reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação
a todos os crimes do art. 334 CP e do art. 288 CP a que foram condenados os
réus José Euclides, Marlei Solange e Valdinei, nos termos do art. 107, IV,
109, V, ambos do CP c.c. art. 61 do CPP, restando hígida a condenação do
réu José Euclides pela prática do crime do art. 333 CP (fato criminoso 6),
à pena de 3 anos de reclusão e 15 dias-multa e a condenação da ré Marlei
Solange pela prática dos crimes do art. 333 CP (fatos criminosos 4, 5 e 6),
à pena total, em concurso material, de 11 anos de reclusão e 55 dias-multa.
26. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas
de direitos à ré Marlei Solange, por não preenchimento dos requisitos do
artigo 44, I e III, do CP, frisando-se a articulação da ré em crime de
quadrilha, operante por vários meses e desbaratada em pleno funcionamento,
bem assim a demonstração de que fazia ela do crime seu meio de vida,
constituindo pessoas jurídicas para dar ares de legalidade ao transporte
de mercadorias descaminhadas/contrabandeadas, circunstâncias demonstrativas
de que a substituição não é suficiente para a repreensão e prevenção
do crime.
27. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas
de direitos ao réu José Euclides, por não preenchimento do requisito
do artigo 44, III, do CP, frisando-se a articulação do réu em crime de
quadrilha, operante por vários meses e desbaratada em pleno funcionamento,
bem assim a demonstração de que fazia ele do crime seu meio de vida,
constituindo pessoas jurídicas para dar ares de legalidade ao transporte
de mercadorias descaminhadas/contrabandeadas, circunstâncias demonstrativas
de que a substituição não é suficiente para a repreensão e prevenção
do crime.
28. Para a ré Marlei Solange permanece o regime inicial fechado para o
cumprimento da pena privativa de liberdade, a teor do disposto no artigo 33,
§2º e §3º, do Código Penal, pela combinação da quantidade de pena e
circunstâncias judiciais desfavoráveis.
29. Para o réu José Euclides fixo o regime inicial semiaberto para o
cumprimento da pena privativa de liberdade, a teor do disposto no artigo 33,
§2º e §3º, do Código Penal, pela combinação da quantidade de pena
e circunstâncias judiciais desfavoráveis, que ensejaram a fixação da
pena-base acima do mínimo legal, dada a constatação de conduta social e
consequências do crime desfavoráveis.
30. Pedido de restituição de valores apreendidos em conta bancária de
terceiro não conhecido, diante da falta de legitimidade dos réus em requerer
a restituição de valores que, reconhecidamente, não lhe pertencem. A
questão está sob discussão em sede de embargos de terceiro, o que afasta,
em caso de superação da ilegitimidade, o interesse em novamente trazer o
debate do tema nesta via.
31. A perda do veículo Ford F250, placas AJV1811, restou confirmada no
julgamento da Apelação Criminal 0001302-83.2011.403.6006, por esta Primeira
Turma, com trânsito em julgado do acórdão.
32. No tocante aos demais veículos, o argumento de aquisição lícita pelos
réus não restou demonstrado, considerando-se o reconhecimento neste voto de
que os acusados José Euclides e Marlei Solange faziam da atividade ilícita de
descaminho/contrabando seu ganha-pão, de forma profissional, e os caminhões
prestavam-se ao transporte das mercadorias internadas irregularmente.
33. Conhecida da apelação apresentada pela Defesa do réu Valdinei
Alexandre da Silva, rejeitada a matéria preliminar e negado provimento à sua
apelação. Não conhecido do pedido de restituição de valores apreendidos
em conta bancária de terceiro, rejeitada a matéria preliminar e negado
provimento à apelação dos réus José Euclides de Medeiros e Marlei Solange
Crestani de Medeiros. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente
provida. De ofício, reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal
em relação a todos os crimes do art. 334 CP e do art. 288 CP a que foram
condenados os réus José Euclides, Marlei Solange e Valdinei, nos termos
do art. 107, IV, 109, V, ambos do CP c.c. art. 61 do CPP, restando hígida
a condenação do réu José Euclides pela prática do crime do art. 333
CP (fato criminoso 6), à pena de 3 anos de reclusão e 15 dias-multa e a
condenação da ré Marlei Solange pela prática dos crimes do art. 333 CP
(fatos criminosos 4, 5 e 6), à pena total, em concurso material, de 11 anos
de reclusão e 55 dias-multa. De ofício, arredada a decisão que reconheceu
a inépcia da denúncia quanto ao crime de corrupção ativa (art. 333 do
CP) relativamente aos fatos criminosos ns. 07 e 08, para o fim de decretar
a absolvição dos réus, com fulcro no art. 386, V do CPP. Expedição de
mandado de prisão.
Ementa
PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. DESCAMINHO/CONTRABANDO
DE CIGARROS E ROUPAS. ARTIGO 334 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ARTIGO 333 DO
CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARTIGO 288 DO CP. CONHECIMENTO DA APELAÇAO
DA DEFESA EM DETRIMENTO DA RENÚNCIA AO DIREITO DE RECORRER MANIFESTADA
PELO RÉU. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA REJEITADA. PRELIMINARES DE
NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REJEITADAS. MATERIALIDADES E
AUTORIAS DOS DELITOS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. HABITUALIDADE DELITIVA
CONFIGURADA. AFASTADA A CONTINUIDADE DELITIVA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA ESTATAL EM RELAÇ...
Data do Julgamento
:
07/02/2017
Data da Publicação
:
14/02/2017
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 55668
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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