TRF3 0016041-85.2002.4.03.6100 00160418520024036100
PROCESSUAL CIVIL: CONTRATO. SISTEMA FINANCEIRO DA
HABITAÇÃO. CDC. REVISÃO. TAXA DE JUROS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. TAXA DE
RISCO. FORMA DE AMORTIZAÇÃO. ANATOCISMO. SEGURO. TR. PRICE. REPETIÇÃO
DE INDÉBTO. FCVS. QUITAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO IMPROVIDO.
1 - A sentença recorrida não deve ser anulada, pois julgou extinta a
ação sem resolução do mérito, invocando o artigo 267, VI, do CPC, não
sob o fundamento de que os autores ficaram paralisados por longo período,
mas por falta de interesse de agir ao ingressarem com a presente ação
requerendo a revisão de cláusulas de um contrato já extinto, não havendo
qualquer alegação da existência de vício de consentimento por ocasião da
celebração do acordo de liquidação antecipada da dívida e anular este,
apesar da grande vantagem obtida em sua realização, acrescentando-se o
fato de que, tornando-o sem efeito, não lhe é assegurado o mesmo direito
a desconto semelhante.
2 - Conforme informação nos autos os mutuários efetuaram o pagamento do
financiamento contratado, cumprindo com suas obrigações antecipadamente
ao período estipulado para quitação da dívida.
3 - Assim como aos mutuários de contrato de empréstimo comum, deve ser
assegurado ao mutuário do Sistema Financeiro Habitacional a possibilidade
de revisão do contrato e suas cláusulas, com vistas a afastar eventuais
ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação, não havendo
que se falar em ausência de interesse de agir, conforme o disposto na Sumula
nº 286/STJ (SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2004, DJ 13/05/2004 p. 201):
"A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não
impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos
contratos anteriores".
3 - No entanto o laudo pericial contábil juntado aos autos pelos autores
apelantes foi elaborado por profissional por eles contratado, que utilizou
metodologia e critérios de cálculos diferentes do que foi contratado: i)
a utilização de juros simples na incidência sobre o capital e o resultado
em conta separada; ii) a exclusão da variação da URV sobre o cálculo do
período de março a junho de 1994, iii) a exclusão da taxa administrativa;
iv) utilizou-se da variação mensal da OTN até 01/89, da BTN até 01/91 e a
partir de então pela variação do INPC, não aplicando a TR, critério este
de reajuste da poupança, adotando a taxa de 41,28% referente ao BTN como
índice de reajuste de março/90; vi) e inverteu a forma de amortização
do saldo devedor (primeiro amortiza e depois reajusta).
4 - Os contratos de mútuo, nos termos da Lei 4.380/64, que instituiu
o Sistema Financeiro da Habitação para aquisição da casa própria,
construção ou venda de unidades habitacionais, através de financiamento
imobiliário, são típicos contratos de adesão de longa duração,
com cláusulas padrão, sujeitos aos critérios legais em vigor à época
de sua assinatura, em que não há lugar para a autonomia da vontade na
definição do conteúdo, restando ao mutuário submeter-se às condições
pré-determinadas. O mutuário, nesse tipo de contrato, subordina-se às
condições pré-estabelecidas quanto às taxas ou índices de correção
monetária e o montante a ser reajustado, não podendo discuti-las e dispor
do bem.
5 - No caso das prestações, é o Poder Executivo que formula as políticas
de reajustamento e estabelece as taxas ou os índices de correção monetária
da moeda.
6 - De se ver que não pode o mutuário unilateralmente - simplesmente por mera
conveniência - exigir a aplicação de critério diversos do estabelecido
contratualmente, devendo ser respeitado o que foi convencionado entre as
partes, inclusive, em homenagem ao princípio da força obrigatória dos
contratos.
7 - Quanto à legalidade na fixação de uma taxa de juros nominal e outra
de juros efetiva cabe, a priori, destacar que nominal é a taxa de juros
remuneratórios relativos ao período decorrido, cujo valor é o resultado
de sua incidência mensal sobre o saldo devedor remanescente corrigido,
já a taxa efetiva é a taxa nominal exponencial, identificando o custo
total do financiamento.
8 - O disposto no art. 6º, alínea "e", da Lei 4.380/64 não configura uma
limitação de juros, dispondo apenas sobre as condições de reajustamento
estipuladas nos contratos de mútuo previstos no art. 5º, do referido
diploma legal.
9 - No que toca à amortização do débito, não se observa qualquer
equívoco na forma em que as prestações são computadas para o abatimento
do principal da dívida, eis que, quando do pagamento da primeira parcela do
financiamento, já haviam transcorrido trinta dias desde a entrega do total
do dinheiro emprestado, devendo, assim, os juros e a correção monetária
incidir sobre todo o dinheiro mutuado, sem se descontar o valor da primeira
prestação, sob pena de se remunerar e corrigir valores menores do que os
efetivamente emprestados.
10 - A redação da alínea "c" do artigo 6º da Lei n.º 4.380/64, apenas
indica que as prestações mensais devem ter valores iguais, por todo o
período do financiamento, considerando-se a inexistência de reajuste,
o qual, quando incidente, alterará nominalmente o valor da prestação.
11 - Cabe esclarecer que a prestação do mútuo hipotecário é composta de
juros, amortização e acessórios, dentre os quais a Taxa de Administração,
Taxa de Risco de Crédito e o Seguro. Tais acessórios são legitimados pela
Lei n° 8.036/1990. Ao regular a legislação, o artigo 64, em seus incisos
I e VII, do Decreto n° 9.684/1990, veiculou previsão do mesmo teor. Com
base nessas disposições o Conselho Curador do FGTS, revogando a Resolução
n° 246/1996 pela Resolução n° 289/98, editou a Resolução n° 298/1998,
estabelecendo diretrizes para aplicação dos recursos e elaboração das
propostas orçamentárias do FGTS, no período de 1998 a 2001.
12 - Verifica-se, portanto, que as taxas de Administração e risco de
Crédito, assim como a parcela do seguro não padecem de ilegalidade. Têm
suporte na Lei n° 8.036/1990, no Decreto n° 99.684/1990 e nas Resoluções
do Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
13 - No que concerne à atualização do saldo devedor, durante muitos anos
foram controvertidas as interpretações quanto aos possíveis índices para
a correção monetária do débito referente ao período de março de 1990,
oscilando-se entre a aplicação do BTNF e do IPC e a não aplicabilidade
da TR nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da Lei
n. 8.177 de 1/3/1991.
14 - Tais divergências vieram a ser pacificadas em abril de 2003, por
ocasião do julgamento dos EREsp n. 218.426/SP pela Corte Especial do
E. Superior Tribunal de Justiça, definindo-se que o índice a ser aplicado
para correção do saldo devedor nos contratos de financiamento imobiliário,
em abril de 1990, é o IPC de março do mesmo ano, no percentual de 84,32%.
15 - Já com relação à TR, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal
de Justiça veio a se pacificar a partir de 2006, admitindo sua utilização
como indexador, mesmo em relação a contratos celebrados antes da Lei
n. 8.177/1991, quando pactuado o mesmo índice da caderneta de poupança.
16 - No que tange à utilização da Taxa Referencial - TR como índice
de atualização do saldo devedor, de se ver que o contrato de mútuo
habitacional prevê expressamente a aplicação da Taxa Referencial -
TR (índice utilizado para reajustamento dos depósitos de poupança)
para atualização do saldo devedor, o que, se não tivesse sido assinado
pelo mutuário apelante o Requerimento de Liquidação Antecipada de Saldo
Devedor, em que este foi reajustado a partir de fevereiro de 1991, segundo o
índice apurado pelo INPC - IBGE, em substituição aos índices aplicáveis
às cadernetas de poupança, não poderia este ser afastado, mesmo porque o
Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 493/DF, Relator o
e. Ministro Moreira Alves, não decidiu pela exclusão da Taxa Referencial -
TR do mundo jurídico, e sim, impediu a sua indexação como substituto de
outros índices previamente estipulados em contratos firmados anteriormente
à vigência da Lei nº 8.177/91, e consolidou a sua aplicação a contratos
firmados em data posterior à entrada em vigor da referida norma.
17 - No caso dos autos, no contrato originário, a que o mutuário apelante
requer sua revisão, há disposição expressa que vincula a atualização do
saldo devedor do financiamento à aplicação da Taxa Referencial - TR, o que
deveria ser respeitado, se não fosse o acordo de liquidação antecipada
assinado entre as partes, em que a instituição financeira apelada foi
'obrigada' a reajustar o saldo devedor existente, a partir de fevereiro
de 1991, segundo o índice apurado pelo INPC - IBGE, em razão da liminar
concedida nos autos da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público
Federal em face da Caixa Econômica Federal e da União Federal (Processo
nº 95.0001801-2 - 3ª Vara Federal da Seção Judiciaria de Mato Grosso)
em substituição aos índices aplicáveis às cadernetas de poupança (TR).
18 - Consultando a página do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região na
Internet, cabe ressaltar que a CEF, no processo originário nº 95.0001801-2,
acima citado, interpôs recurso de apelação (nº 2004.01.00.014893-5)
contra o Juízo que concedeu tal liminar e julgou procedente a ação, tendo
sido reconhecido por aquela Corte o não cabimento da substituição da TR
pelo INPC ou outro indexador caso haja previsão expressa de atualização
do saldo devedor pelo mesmo indexador da poupança.
19 - Desta feita, correta é a aplicação da Taxa Referencial - TR, por
parte da Caixa Econômica Federal - CEF, ao contrato originário antes do
acordo de liquidação.
20 - Frise-se que, a apesar da presente demanda versar a respeito de
revisão do contrato originário, entre outras do reajuste das prestações
e acessórios e atualização do saldo devedor, através da aplicação dos
índices de aumentos salarial da categoria profissional do mutuário apelante
e do índice correspondente à da taxa de remuneração básica aplicável
aos depósitos de poupança livre (TR) respectivamente, conforme previsto no
contrato e legalmente instituído, refletirá diretamente no valor do saldo
devedor a ser renegociado para quitação ou não do contrato, uma vez que, o
critério de atualização do saldo devedor utilizado em 18/02/1999 no acordo
de liquidação antecipada (INPC/IBGE) não será necessariamente o mesmo a
ser aplicado (TR) hoje, após a anulação da liquidação requerida, já que,
será acrescida ao saldo devedor os valores que hipoteticamente tenham sido
cobrados a maior com relação aos reajustes das prestações e ainda maior
os valores de atualização do saldo devedor ante o critério utilizado para
tanto, distinto daquele imposto à instituição financeira e utilizado em
1999, formando, desta forma, um valor residual a ser suportado em parte pelo
FCVS e em parte pelo mutuário, provavelmente muito superior àquele já pago.
21 - Pelos fundamentos anteriormente expostos, surge a inutilidade do
pretendido recálculo das prestações devidas à CEF, uma vez que já
foi liquidado o contrato de mútuo e cancelada a hipoteca, sendo que, com
a perícia, existe a possibilidade dos mutuários apelantes passarem da
atual situação de quitação do contrato a uma situação de débito a ser
quitado para só então extinguir o processo originário através de nova
negociação em que a instituição financeira não está mais obrigada a
aplicar uma forma de atualização do saldo devedor diferente do contratado
e já pacificada sua legalidade.
22 - Considerando assim a possibilidade desfavorável aos mutuários apelantes,
relativa à extinção do acordo de liquidação firmado e de revisão do
contrato originário, a sentença deve ser mantida, sob pena de sua reforma
incidir em evidente reformatio in pejus.
23 - A impossibilidade do recálculo das prestações se deve à sua
inutilidade para obter a finalidade desejada pelos apelantes, uma vez que
o contrato de mútuo foi liquidado, com o cancelamento da hipoteca, e com
a perícia obteria o mutuário um resultado negativo para si mesmo, pois
voltaria à situação de devedor, e não de credor, uma vez que, conforme já
exposto, a revisão do contrato de financiamento em questão seria realizado
em conformidade com o pactuado e não com o esperado pelo mutuário.
24 - Preliminar rejeitada. Apelação improvida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL: CONTRATO. SISTEMA FINANCEIRO DA
HABITAÇÃO. CDC. REVISÃO. TAXA DE JUROS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. TAXA DE
RISCO. FORMA DE AMORTIZAÇÃO. ANATOCISMO. SEGURO. TR. PRICE. REPETIÇÃO
DE INDÉBTO. FCVS. QUITAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO IMPROVIDO.
1 - A sentença recorrida não deve ser anulada, pois julgou extinta a
ação sem resolução do mérito, invocando o artigo 267, VI, do CPC, não
sob o fundamento de que os autores ficaram paralisados por longo período,
mas por falta de interesse de agir ao ingressarem com a presente ação
requerendo a revisão de cláusulas de um contrato já extin...
Data do Julgamento
:
06/12/2016
Data da Publicação
:
14/12/2016
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1494641
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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