TRF3 0000148-23.2013.4.03.6115 00001482320134036115
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO
168-A, §1º, INCISO I, C/C O ARTIGO 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO
PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA. ARTIGO
337-A, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL. DOLO DE AMBOS OS DELITOS
COMPROVADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO RECONHECIDA. DOSIMETRIA
DA PENA. APELAÇÃO DO RÉU NÃO PROVIDA.
- No que tange à tipificação penal, cumpre considerar que os fatos
descritos na denúncia ocorreram no período compreendido entre fevereiro de
2006 a dezembro de 2009, sendo certo que em 15.10.2000 entrou em vigor a Lei
n.º 9.983, de 14 de julho de 2000, que revogou expressamente a alínea "d"
do artigo 95 da Lei n.º 8.212, de 12.07.1991, e inseriu ao Código Penal
o artigo 168-A.
- O inciso I do § 1º do artigo 168-A do Código Penal trata-se de figura
assemelhada à disposta no caput, sendo certo que nas mesmas penas incorre
aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra
importância destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de
pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público".
- Caracteriza-se o crime com o não recolhimento aos cofres públicos
das contribuições previdenciárias, no prazo e forma legais, após a
retenção do desconto dos funcionários. É, pois, norma penal em branco,
a ser integrada pela legislação previdenciária.
-Trata-se de crime omissivo próprio, não se admitindo a tentativa.
- O objeto material é o valor recolhido e não repassado aos cofres públicos,
excluídos os juros de mora e a multa. Precedente do STJ.
- O crime é formal, não havendo a necessidade da constituição definitiva
do crédito tributário para que se possa dar início à persecução penal,
não sendo o caso de aplicação da Súmula Vinculante n.º 24 do STF, de modo
que o delito perfectibiliza-se com o vencimento do prazo para o recolhimento
(omissão do repasse).
- Ocorrência em parte da prescrição da pretensão punitiva estatal,
com a extinção da punibilidade do réu no que tange às competências de
fevereiro de 2006 a dezembro de 2008, inclusive o 13º salário de 2008,
nos termos dos artigos 107, inciso IV, 1ª parte, 109, inciso V, artigo 110,
§§ 1º e 2º, e artigo 119, todos do Código Penal, c.c o artigo 61 do
Código de Processo Penal, bem como da Súmula n.º 497 do STF.
- Em que pese não tenha havido insurgência no que concerne à materialidade
delitiva, impende registrar que ela veio robustamente demonstrada pelas Peças
Informativas n.º 1.34.023.000248/2011-30 e os documentos que a acompanham,
sobretudo o Termo de Início de Procedimento Fiscal, o Termo de Intimação
Fiscal, o Termo de Encerramento do Procedimento Fiscal, os Demonstrativos
Consolidados do Crédito Tributário, os Autos de Infração, os Relatórios
Fiscais do Processo, os Relatórios "Totais Centro de Custo" e as Folhas de
Pagamentos, todos referentes aos períodos descritos na denúncia.
- Tais elementos probatórios revelam eficazmente que as contribuições
sociais destinadas à Previdência Social foram descontadas dos salários
dos segurados empregados da empresa administrada pelo réu (efetivos e
temporários), todavia, não foram objeto de recolhimento, no prazo legal,
aos cofres públicos.
- A autoria delitiva também não foi questionada e, ao que se depreende do
conjunto probatório, igualmente restou comprovada, tendo sido demonstrado,
por meio da ficha cadastral da JUCESP, na qual o réu consta como único
titular da empresa autuada, bem como por meio de seu interrogatório
perante a autoridade policial, não refutado em juízo, que, à época da
ocorrência dos fatos, exercia a administração da empresa e, portanto,
detinha a responsabilidade pelo recolhimento ao INSS das contribuições
previdenciárias descontadas dos segurados.
- Para o delito estampado no artigo 168-A do Código Penal não se exige
o dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico, ou seja, a vontade
livre e consciente de deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo
legal, contribuição descontada dos salários dos trabalhadores segurados,
dispensando-se a intenção de apropriar-se das importâncias descontadas. Não
há a exigência de que se comprove especial fim de agir - animus rem sibi
habendi. Basta o dolo genérico.
- Dolo suficientemente demonstrado, porquanto o réu como responsável
pela administração da empresa deixou de recolher as contribuições
previdenciárias descontadas dos empregados, aos cofres públicos, no prazo
devido.
- A exclusão da culpabilidade pelo reconhecimento de inexigibilidade de
conduta diversa no crime de apropriação indébita previdenciária exige
prova robusta, mediante a apresentação de documentos contundentes acerca
das dificuldades financeiras, bem como a demonstração de que se tratava
de situação pontual (esporádica) e excepcionalmente grave, o que não
ocorreu nos autos.
- In casu, as provas testemunhal e documental são frágeis, incapazes de
comprovar plenamente a gravidade da crise financeira da empresa à época
dos fatos, não se desincumbindo a defesa de seu ônus probatório.
- O crime previsto no art. 337-A do Código Penal é omissivo próprio. Por
se tratar de delito material o crime de sonegação de contribuição
previdenciária somente se configura após a constituição definitiva, no
âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas. Carecerá
de justa causa qualquer ato investigatório levado a efeito antes da
ocorrência do lançamento fiscal definitivo, requisito essencial para o
início da persecução penal.
- Embora não contestada, restou comprovada a materialidade delitiva do
crime de sonegação de contribuição previdenciária por meio das Peças
Informativas n.º 1.34.023.000248/2011-30 e os documentos que a acompanham,
sobretudo pelas cópias das Folhas de Pagamento e as guias GFIPs referentes
aos períodos descritos na denúncia.
- A autoria delitiva pela prática do crime previsto no artigo 337-A, incisos
I e II, do Código Penal igualmente restou demonstrada nos autos por meio de
prova documental e oral no sentido de que competia ao réu a responsabilidade
de informar ao Fisco os fatos geradores de contribuição previdenciária.
- Pacificado pelo STJ o entendimento de que o dolo necessário para a
caracterização do crime de sonegação de contribuição previdenciária
é o genérico.
- As causas supralegais de culpabilidade invocadas pela defesa não se aplicam
ao delito do artigo 337-A do Código Penal, pois a sonegação pressupõe o
emprego de fraude por parte do agente, o que torna absolutamente irrelevante
a existência de dificuldades financeiras da pessoa jurídica e sua capacidade
econômica para eventual recolhimento do tributo. Portanto, tais dificuldades
podem até impedir o pagamento do tributo, mas não justificam a omissão
de informações à autoridade fazendária.
- Mantida a fixação da pena-base em seu mínimo legal, ou seja, 02 (dois)
anos de reclusão, para cada um dos crimes, cujo pleito da defesa coincide
com o que já restou decidido.
- No que tange ao pleito de aplicação da atenuante genérica da confissão
espontânea (art. 65, inciso III, "d", do Código Penal), verifica-se no caso
em concreto que o acusado confessou os fatos em seu interrogatório judicial,
embora tenha alegado que somente deixou de pagar os tributos devidos em razão
de invencíveis dificuldades financeiras, fato que ensejaria o reconhecimento
da confissão. Não obstante, tendo em vista que a pena-base foi fixada
no mínimo legal, a aplicação dessa atenuante ensejaria a redução da
reprimenda abaixo do patamar legal, o que esbarra na Súmula n. 231 do STJ,
a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução
da pena abaixo do mínimo legal. Ausentes circunstâncias agravantes.
- No que diz respeito ao concurso de crimes, registre-se que ele não
integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela
sua ocorrência se dar após o encerramento da última fase da dosimetria,
notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos
todos os delitos sancionados pelo julgador. Sob esta ótica, nesta terceira
fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica mantida a
pena em 02 (dois) anos de reclusão, para cada um dos crimes.
- Considerando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e
tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança
das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso
o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).
- Em acórdão relatado pelo Des. Fed. Nelton dos Santos, a Segunda Turma
deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de
aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas
não recolhidas, nos seguintes termos: de dois meses a um ano de omissão
no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de
1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto);
de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de
omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio);
e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª
Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
- No que tange ao crime de apropriação indébita previdenciária subsistiu
o direito de punir em relação a 13 (treze) competências, o que enseja o
aumento em 1/5, perfazendo a pena desse delito em 02 (dois) anos, 04 (quatro)
meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão.
- No que diz respeito ao crime de sonegação de contribuição
previdenciária, verifica-se na denúncia e no Auto de Infração n.º
37.312.549-06 que o réu praticou 32 (trinta e duas) omissões de fatos
geradores em continuidade delitiva, o que deduz a aplicação do aumento
de 1/4 (um quarto). Contudo, à míngua de recurso da acusação e sob pena
de reformatio in pejus, deve ser mantida a reprimenda em 02 (dois) anos, 04
(quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão para este delito.
- Correta a aplicação do concurso material entre os delitos de apropriação
indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária,
de modo que, somando-se as penas impostas a cada um dos delitos, nos termos
do artigo 69 do Código Penal, a reprimenda total e definitiva deve ser
fixada em 04 (quatro) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão.
- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites
mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa
de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade,
da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos
da Reforma da Parte Geral do Código Penal).
- No que tange ao crime de apropriação indébita previdenciária,
a pena imposta até a terceira fase foi fixada no mínimo legal, o que
corresponde a 10 (dez) dias-multa. Acrescida a fração de 1/5 (um quinto)
em face da continuidade delitiva a pena de multa resta estabelecida em 12
(doze) dias-multa. Em relação ao delito de sonegação de contribuição
previdenciária foi mantido o acréscimo de 1/5 (quinto) sobre a pena fixada
no mínimo legal até a terceira fase, resultando na reprimenda de 12 (doze)
dias-multa. Somadas as penas pela aplicação do concurso material, a pena
total e definitiva deve ser fixada em 24 (vinte e quatro) dias-multa, nada
havendo a modificar.
- Mantido o valor unitário do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo
vigente na data do fato diante da situação econômica do réu.
- Em face da pena aplicada, o réu deverá cumprir a pena privativa de
liberdade em regime SEMIABERTO (alínea "b" do parágrafo 2º do artigo 33
do Código Penal), conforme fixado na sentença recorrida.
- Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, diante da vedação expressa do art. 44, inciso I, do Código Penal.
- De ofício, declarar a prescrição parcial da pretensão punitiva estatal,
na modalidade retroativa, com a consequente extinção da punibilidade do
réu quanto ao crime do art. 168-A, § 1º, do Código Penal.
- Apelação do réu não provida.
Ementa
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO
168-A, §1º, INCISO I, C/C O ARTIGO 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO
PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA. ARTIGO
337-A, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL. DOLO DE AMBOS OS DELITOS
COMPROVADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO RECONHECIDA. DOSIMETRIA
DA PENA. APELAÇÃO DO RÉU NÃO PROVIDA.
- No que tange à tipificação penal, cumpre considerar que os fatos
descritos na denúncia ocorreram no período compreendido entre fevereiro de
2006 a dezembro de 2009, sendo certo que em 15.10.2000 entrou em...
Data do Julgamento
:
26/03/2019
Data da Publicação
:
05/04/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 69255
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
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